EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Sweeney Todd – o Cruel Barbeiro da Rua Fleet

Um barbeiro regressa à sua terra natal, após cumprir quinze anos injustamente em uma colônia penal em outro país. Com nova identidade, e informado sobre o terrível destino de sua família, o determinado Sweeney Todd começa a executar um plano maquiavélico contra o juiz que forjou sua condenação e violou a sua companheira. Em sua reaberta barbearia, no andar superior de uma decadente torteria, ele corta a garganta dos seus clientes e os lança para um moedor. Dona Lovett, proprietária do local e sua cúmplice, encontra uma solução perspicaz para contornar o custo proibitivo da carne.

Fermentado por sangue, assassinatos e perversidades, o enredo é tratado neste musical com leveza e à base de belas canções do produtivo compositor americano Stephen Sondheim. A fábula, que transcorre numa amoral Londres vitoriana, combina horror e humor ao tecer uma análise sombria da natureza humana. A essência do espetáculo, aliás, é explicitada durante a execução da primeira canção, The Ballad of Sweeney Todd, que apresenta um homem aviltado a serviço de um deus cruel e vingativo.

Na ágil e envolvente encenação de Zé Henrique de Paula, atores caminham entre mesas, a centímetros dos espectadores, e a trama se desenvolve em diferentes espaços cênicos. Às vezes a imersão, que encapsula o público nos terríveis atos a que testemunham, parece claustrofóbica, mas esta dinâmica age a favor da mis-en-scène. A demolição do molde convencional de se contar uma história não impediu a reverência ao livro O Colar de Pérolas (1846), dos britânicos Thomas Peckett Prest e James Malcom Rymer, que inspirou a obra escrita pelo romancista inglês Hugh Wheeler, com letras e canções de Sondheim. O diretor sublinhou o espírito intenso e estranho do teatro Grand Guignol, pautado por sua violência gráfica e tipos amorais. E criou sequências de forte impacto, como o coral de cenas simultâneas na abertura do segundo ato, pontuado por flashes de luz vermelha que inundam o ambiente a cada freguês despachado na barbearia.    

Uma das razões da bem sucedida montagem é o efeito de contraste que mobiliza os eventos. Uma canção com tons de epifania de Todd é imediatamente seguida por outra na qual os protagonistas usam trocadilhos sobre possíveis novos sabores de torta. Momentos de maior tensão, como a hora em que barbeiro se prepara para barbear o juiz Turpin, são definidos com melodias mais líricas. Uma caixa de lâminas de barbear é manipulada sob acordes sentimentais.  

Tanto na interpretação desafiadora do complexo repertório, quanto na composição dos personagens, o elenco entrega eficiência. Cada ator imprime suas personalidades aos seus respectivos papéis, formando uma máquina bem azeitada. Rodrigo Lombardi habita Todd com aparente contenção física, delineando um sujeito enraivecido que luta contra um sistema judicial degenerado. Andrezza Massei se revela assustadoramente cômica no desenho da despudorada Dona Lovett, que assume vender as piores tortas de Londres e descobre a chance de revitalizar a atividade ao não desperdiçar o corpo dos cadáveres.

Como o típico vilão, o agressor sexual Turpin é encarnado com estudada rigidez por Guilherme Sant’anna. O braço direito do juiz, também um tipo repugnante, ganha vida na atuação convincente de Gui Leal. Na pele de Tobias Ragg, uma criança de rua órfã em processo de perda de inocência, Mateus Ribeiro exibe performance comovente e perturbada. Amanda Vicente irradia potência na representação de uma mendiga, uma mulher misteriosa que tenta convencer os outros de que há coisas estranhas acontecendo no interior da loja de tortas.  

O marinheiro idealista Anthony Hope e a cândida Johanna, moça mantida em cativeiro pelo tutor, são os dois jovens amantes, um oásis de doçura em meio às atrocidades. Dennis Pinheiro e Caru Truzzi emanam química e sinceridade em seus desempenhos. Pedro Navarro se desincumbe com naturalidade do charlatão Pirelli, vendedor de um falso tônico capilar que se torna a primeira vítima de Todd – há um número musical delicioso entre os dois rivais. O ensemble transpira rendimento solar e valoriza a produção.

A mesma coesão e energia se aplica à orquestra, regida por Fernanda Maia, também diretora musical. Os músicos capturam habilmente o espírito dramático da ação. O desenho de luz de Fran Barros, o visagismo de Dhiego Durso e Feliciano San Roman e os figurinos de João Pimenta adicionam qualidade.  

A peça desembrulha algumas questões instigantes. Alijado de sua família por Turpin, o barbeiro é vítima de um homem empoderado pela lei que se vale da aparência de juiz respeitável conferido pelo cargo que ocupa. Por sua vez, Todd também se corrompeu ao se tornar uma espécie de vingador moral, uma figura tragicamente monstruosa. O texto também explora vários ângulos do amor. O personagem-central não esquece de sua ex-mulher, mesmo acreditando estar morta há muitos anos. Johanna e Anthony Hope se entregam de coração puro um ao outro. O juiz exercita uma percepção deturpada da afeição ao manipular a menina adotada. Dona Lovett mantém ternura cega por Todd, sonhando com o ideal da felicidade conjugal. A devoção da criança órfã por Dona Lovett, que externa o seu lado maternal, também é uma forma de apego filial. Amor e bestialidade podem caminhar paralelos.       

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Stephan Solon)

 

Avaliação: Bom

 

Sweeney Todd – o Cruel Barbeiro da Rua Fleet

Texto: Hugh Wheeler, adaptado do livro O Colar de Pérolas, de Thomas Peckett Prest e James Malcom Rymer

Letras e Músicas: Stephen Sondheim

Direção: Zé Henrique de Paula

Elenco: Rodrigo Lombardi, Andrezza Massei, Mateus Ribeiro, Guilherme Sant’anna, Dennis Pinheiro, Caru Truzzi e outros.

Estreou: 18/03/2022

033 Rooftop (Complexo do Shopping JK. Av. Juscelino Kubitschek, 2041, Itaim Bibi). Sexta 21h30, sábados 16h e 20h30, domingos 18h. Ingressos: R$ 75 a R$ 220.Em cartaz até 05 de junho.  

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