EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Cinema: Precisamos Falar sobre Kevin

Desde sua primeira infância, Kevin mostrou-se diferente, seja negando-se a brincar com a mãe, Eva, quando bebê ou insistindo em usar fraldas até os seis ou sete anos de idade.  Exibindo uma determinação assustadora em confrontar e provocar aquela que lhe deu à luz, o garoto confere uma nova dimensão à palavra detestável e sua postura agressiva acaba se apresentando não como um caso para terapia, mas para exorcismo. Não que Eva (Tilda Swinton) represente um modelo de maternidade: impaciente com o choro constante do filho recém-nascido, ela chega a encontrar conforto no som ensurdecedor de uma betoneira. E, por mais que Kevin seja de fato uma criatura irritante, nada justifica a violência com que o trata em determinado momento, mesmo que num incidente isolado. Assim, como o roteiro oscila entre o crescimento do garoto e a vida de sua mãe anos depois, no momento em que ela se tornou pária em função de alguma tragédia facilmente imaginada, o espectador consegue construir a relação entre causas e consequências de forma natural. Vivido por Jasper Newell na infância e por Ezra Miller na adolescência, Kevin é, naquela que talvez seja a grande falha do filme, uma criatura unidimensional: cruel e calculista desde o berço, ele é capaz, mesmo criança, de ocultar do pai uma determinada atitude da mãe apenas por saber que isto lhe dará algum poder sobre esta. Ciente também de que o pai (John Reilly) é um sujeito crédulo e que pouca atenção presta à família, levando meses para perceber que a esposa encontra-se grávida, por exemplo, Kevin não encontra dificuldades para enganá-lo enquanto posa de filho exemplar – mesmo que, diante da mãe, não se esforce para disfarçar as pequenas crueldades que inflige à irmã caçula.

O mais interessante, porém é perceber como o roteiro escrito pela diretora Lynne Ramsay e por Rory Kinnear, a partir do livro de Lionel Shriver, estabelece uma dependência quase patológica entre mãe e filho, algo que a cineasta ressalta através de diversas rimas visuais e transições que criam paralelos entre os dois. Exemplo disso é o instante em que Eva mergulha o rosto na água e o montador Joe Bini imediatamente corta para um plano similar de Kevin, transformando-a magicamente no garoto. Chega a ser comovente observar como a atriz, em mais uma belíssima performance, retrata a alegria de Eva em um raro momento de comunhão com o garoto, denotando sua esperança de criar um laço afetivo real com o filho. Mais tarde, mesmo quando tudo já entrou em colapso, ela não consegue se desligar de Kevin, que se torna, ao seu próprio modo, a prisão da mãe. A montagem do longa, aliás, destaca-se também ao saltar de maneira orgânica entre as diferentes linhas temporais por meio do uso de cortes secos, como aquele entre o plano que traz Eva caminhando grávida e outro no qual surge andando no corredor de uma certa instituição, e de raccords (ligação formal entre dois planos sucessivos) especialmente sonoros, que conectam passado e presente através de ruídos ou diálogos. Além disso, a trilha de Jonny Greenwood investe em melodias incômodas, quase dissonantes, que refletem a natureza angustiante daquele universo, ao passo que a fotografia de Seamus McGarvey acerta ao retratar o namoro de Eva e Franklin através de imagens trêmulas e desfocadas, que sugerem a destruição daquelas memórias agradáveis em função das tragédias que vieram em seguida.

Divertindo-se como realizadora ao conceber uma recorrência significativa do vermelho para compor um simbolismo que, mesmo nada sutil, é apropriado à narrativa, Lynne Ramsay já inicia a projeção trazendo Eva mergulhada naquela cor. Não é por acaso que ela passe boa parte do filme limpando um ato de vandalismo que cobriu sua casa e seu carro de tinta vermelha, já que aquilo reflete justamente o que tem buscado fazer com sua vida ao lavar seu passado de violência. Uma violência que, diga-se de passagem, diz muito sobre a ligação entre Eva e Kevin: afinal, por que o rapaz, mesmo aparentemente odiando a mãe, decide poupá-la de seus atos finais de crueldade? É possível que tirar sua família seja sua tortura definitiva, mas é igualmente provável que, de certa maneira, ele simplesmente a tenha poupado porque precisa de Eva. Nesse sentido, eliminar o pai e a irmã seria a manifestação de um complexo de Édipo que finalmente encontrou sua resolução de maneira extremada e absurda. Seja como for, o fato é que o olhar de vulnerabilidade inédito e final do garoto para a mãe, nos momentos finais do longa, traz em si ao mesmo tempo uma resolução apropriada para a ótima narrativa e a sugestão de que, afinal, talvez houvesse muito mais do que imagináramos por trás daquela caricatura de vilão.

(Pablo Villaça, do site Cinema em Cena)                                                                                                                            

(Foto Divulgação)                                                                                                            

 

Precisamos Falar sobre Kevin

Título Original: We Need to Talk About Kevin (EUA, 2011)                                                             

Gênero: Drama, 112 min.                                                                                                      

Direção: Lynne Ramsay                                                                                                     

Elenco: Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller e outros.                                            

Estreou: 27/01/2012

 

Assista ao trailer do filme:

 

 

 

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