EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Cabaret

No início dos anos 1930, em uma boêmia Berlim, o Kit Kat Club era uma espécie de emblema de um país em convulsão. Assolada pela crise econômica, ressentimentos sublimados da derrota na Primeira Guerra Mundial e a perigosa ascensão da ideologia nazista, a Alemanha vivia a atmosfera do medo. Decadente, o cabaré funcionava como espelho de uma sociedade hedonista e mergulhada em perversões. Não faltava material para uma história que entrelaçasse entretenimento e ingredientes sociais, o que veio a acontecer em forma de peça, escrita em 1966 pelo dramaturgo americano Joe Masteroff, com músicas de John Kander e letras de Fred Ebb. O musical acabou angariando fama no cinema (1972), em versão de Bob Fosse estrelada por Liza Minnelli, e faturou oito Oscar. Adaptada por Miguel Falabella e dirigida por José Possi Neto, a montagem oferece pontos de contato com a realidade atual, sublinhando as ressonâncias entre as duas épocas. Se o nazismo como força política desapareceu há mais de seis décadas, a mentalidade nazista disseminou-se de algum modo – em São Paulo, por exemplo, grupos de neonazistas costumam atacar minorias e os homossexuais estão entre suas principais vítimas. Grandiosa, impactante e com energia à flor da pele, a encenação não se deixou contagiar apenas pelas deliciosas músicas e enredo romântico. Está contaminada também pelo aroma da crítica social, pelo mundo do lado de fora, com personagens que transitam entre a ingenuidade útil e a patifaria.           

É no vulgar Kit Kat Club que toda noite um sinistro e andrógino mestre de cerimônias apresenta um menu de números musicais para o seu debochado público. Sãos os Kit Kat Girls e os Kit Kat Boys, dançarinos que transpiram vivacidade e garantem ótimas sequências. As canções, de certa forma, tecem comentários sobre a trama e a situação da Alemanha naquele conturbado período. O ator Jarbas Homem de Mello assume o apresentador empinando sensualidade e desenvoltura suficiente para dominar o palco, especialmente na abertura do show, ao interpretar Wilkommen de forma desafiadora. Neste ambiente vertiginoso, uma das estrelas do local é a sedutora prostituta inglesa Sally Bowles, viciada em gim e absolutamente alienada, vivida por Cláudia Raia, atriz de 44 anos e corpo ainda capaz de causar inveja a muitas jovens. Sua atuação acentua o registro da ironia, no lugar do temperamento depressivo e da energia nervosa, e mostra aptidão para a dança e o canto, desincumbindo-se sem fazer feio da partitura difícil. Bowles se envolve com o tímido e bissexual escritor americano Cliff Bradshaw, que desembarcou na cidade em busca de inspiração para o seu novo romance. Guilherme Magon faz do estrangeiro o típico sujeito que tateia um mundo que não pode e consegue entender. Há ainda uma trama paralela de amor, um romance maduro entre a alemã de coração mole Fraulein Schneider (Liane Maya)  e o solitário judeu  Herr Schulz (Marcos Tumura), relacionamento que irá sofrer pressão para se dissolver. Outra figura de destaque na trama, a insaciável Fraulein Kost, é interpretada com vitalidade por Kátia Barros. São personagens alheios ao momento e incapazes de lutar contra um sistema cada vez mais violento e hostil.          

A encenação de Possi Neto extrapola a condição de mero entretenimento para transformar-se em um espetáculo impactante, envolvente e charmoso. Sua tarefa foi simplificada ao reunir elenco afiado e empenhado, além de gabaritada equipe de criadores. O figurinista Fábio Namatame, nome consolidado na cena teatral, compôs  150 figurinos para os 21 atores. O cuidado com que se lançou ao trabalho é evidente. Um dos dez vestidos usados por Cláudia Raia, na cena em que canta Money, ganhou vinte mil pedras de cristal Swarovski bordadas a mão. A eficiente direção musical e vocal é assinada por Marconi Araújo e Beatriz de Luca pilota uma banda de 14 músicos – pena que o grupo permaneça escondido no fundo do palco. Alonso Barros, coreógrafo do recente musical As Bruxas de Eastwick, brilha mais uma vez, desenvolvendo números bastante inspirados, executados com brilho por todo o elenco. Os cenários de Chris e Nilton Aizner reservaram as quinas do palco para acomodação em mesinhas de parte do público, exatamente para que sessenta espectadores se sintam integrados ao que acontece dentro do Kit Kat Club. Na montagem a que este crítico viu na Broadway, em 1998, protagonizada por Jennifer Jason Leigh, o diretor Sam Mendes transformou o Henry Miller's Theatre em um transbordante cabaré. Não é exagero afirmar de que se trata de um dos maiores musicais de todos os tempos.    

(Vinicio Angelici - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: Daniel Klajmic)

 

Avaliação: Ótimo       

 

Cabaret

Texto: Joe Masteroff

Adaptação: Miguel Falabella

Direção Cênica: José Possi Neto

Direção Musical: Marconi Araújo

Elenco: Cláudia Raia, Guilherme Magon, Jarbas Homem de Mello e outros

Estreou: 28/10/2011

Teatro Procópio Ferreira (Rua Augusta, 2823, Jardim Paulista. Fone: 3083-4475). Quinta e sexta, 21h30; sábado, 117h e 21h30; domingo, 18h. Ingresso: R$ 40 a R$ 200. Até 16 de fevereiro de 2013.

 

Veja cenas do espetáculo:

 

 

 

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