EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Jesus Cristo Superstar

Espécie de álbum conceitual, o musical criado por Tim Rice (letras) e Andrew Lloyd Webber (música) em 1971 nasceu nas pegadas dos eventos de Maio de 68, quando a juventude ocupou as ruas para se manifestar contra a opressão do sistema. Na época, a obra provocou embates políticos e religiosos pela associação do rock à rebeldia e por contar a vida de Jesus Cristo sob estética hippie, além de transformá-lo numa celebridade pop. No cinema, ganhou elogiada versão (1973) assinada pelo cineasta Norman Jewison. No Brasil, chegou aos palcos um ano antes, em montagem estrelada pelo ator Eduardo Conde.

Na envolvente montagem brasileira, pilotada por Jorge Takla, um dos principais nomes brasileiros ligados ao gênero musical, buscou-se preservar aspectos políticos da obra original, sua textura religiosa e a pulsação narrativa - a peça aborda a última semana de vida de Jesus, desde sua chegada em Jerusalém, à traição de Judas e sua crucificação. A bem-sucedida adaptação contou também com o apurado trabalho da dupla Bianca Tadini e Luciano Andrey, egressos de alguns dos principais espetáculos musicais montados no Brasil. Por serem cantores e dominarem os segredos do ofício, as letras que verteram para o português fluem com incrível naturalidade, como se tivessem sido compostas originalmente na nossa língua. São canções que realçam a atitude, a irreverência e o espírito libertário do texto.

Para dar cabo de uma encenação que cresce em interesse e vibração conforme o andamento dos acontecimentos, Takla reuniu um afiado grupo de 28 atores dotado de grande preparo vocal. Trilha sonora da ação, o rock exige muitas notas agudas, algumas bem longas, o que requer intérpretes à altura. Não bastasse, nesta ópera-rock não há falas, a dramaturgia é integralmente amparada em música e dança. O diretor acerta o tom e manipula com habilidade todos esses elementos.

O elenco, que desfia uma trama que muitos ainda insistem em rotular de blasfema, como se viu nos cartazes empunhados por uma dúzia de anacrônicos manifestantes à porta do teatro no dia da estreia, dá vida a um espetáculo agradável de acompanhar. Na pele do atormentado protagonista, e com aparência semelhante à imagem eternizada de Jesus Cristo, o ator Igor Rickli tem forte presença cênica, economia de gestos e boa técnica vocal. O ator, que se destacou na recente montagem de Hair, cativa especialmente no número Getsêmani, no qual precisa se desincumbir de agudos dificílimos. Com voz de contralto, mas aqui obrigada a cantar no registro mezzo-soprano, Negra Li encarna uma Maria Madalena em registro delicado e sem excessos. Na sequência em que interpreta Eu não sei como amá-lo, sua voz suave e ao mesmo tempo sensual preenche o palco.

Em contraste ao personagem-título, e motor que impulsiona os eventos, Alírio Netto desembrulha um Judas Iscariotes cheio de culpas, dúvidas e questionamentos. Ele se apresenta com visual dark, vestido com roupas de couro e portando correntes. Visceral em cena, empenha todo o seu talento ao destilar rock pesado no limite, enfrentando os agudos mais complexos do espetáculo. Em um dos momentos mais arrebatadores, pilotando uma moto, ele invade triunfalmente o palco para entoar a mais famosa canção da obra, Superstar. No papel de Pôncio Pilatos, Fred Silveira aciona bom rendimento, inquieto por ter se omitido covardemente em situação crucial. Impagável como Herodes, Wellington Nogueira arranca gargalhadas do público numa cena de alívio cômico antes do momento mais doloroso da história, tecida em clara alusão à estética de Cabaret, um dos trabalhos mais vitoriosos na carreira de Takla. Os demais integrantes perfilam performances satisfatórias, com destaque para Rogério Guedes, que desfila seu vozeirão de baixo na incorporação de Caifás, Beto Sargentelli, um belicoso Simão, e Cadu Batanero, transbordante no desempenho do apóstolo Pedro.                                                                                                                                                         

A montagem funciona porque dispõe também de uma equipe técnica de primeira linha e sintonizada com a proposta. Comprovando seu talento multifacetado, Takla assina, ao lado de Mira Haar, os figurinos compostos de peças contemporâneas de grande efeito cênico, uma combinação de túnicas romanas e trajes militares. O diretor participou também, com Paulo Correa, da criação do cenário despojado e elegante, que permite ampla mobilidade dos atores pelo espaço. A luz elaborada de Ney Bonfante contribui para realçar os significados dos cenários e figurinos. No visagismo, Duda Molinos ratifica a habilidade já demonstrada em outros musicais brasileiros.                                                                                                                      

Com larga experiência como coreógrafo de importantes companhias de dança, Anselmo Zolla desenvolveu uma linguagem específica para a encenação, urdindo coreografias de evidente teatralidade, muito bem executadas pelo elenco. A diretora musical Vânia Pajares respeitou a trilha original, mas atualizou suas partituras, dando ênfase à orquestração impregnada de puro rock. Oportuna numa época de protestos de rua e debate sobre espiritualidade, a montagem cumpre a função de fornecer novas leituras para um texto com mais de quatro décadas de existência.

Vinicio Angelici (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: João Caldas)

 

Avaliação: Ótimo

 

Jesus Cristo Superstar

Texto: Tim Rice (letras) e Andrew Lloyd Webber (melodia)

Direção: Jorge Takla

Elenco: Igor Rickli, Negra Li, Alírio Netto, Fred Silveira, Wellington Nogueira e outros

Estreou: 14/03

Teatro do Complexo Ohtake Cultural. (Rua dos Coropés, 88, Pinheiros. Fone: 3728-4929) Quinta e sexta, 21h; sábado, 17h e 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 25 a R$ 230. Até 8 de junho. 

 

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