EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

Invasão de privacidade

Colunista do jornal The Denver Post, o escritor e articulista americano David Harsanyi, 41 anos, é autor do polêmico ensaio O Estado Babá – Como radicais, bons samaritanos, moralistas e outros burocratas cabeças-duras tentam infantilizar a sociedade, recém-lançado no Brasil (Editora Litteris, 280 pags). Em linguagem satírica e provocadora, ele critica as políticas intervencionistas que ameaçam seqüestrar as liberdades individuais. Tudo teria começado quando a maioria dos americanos aceitou uma lei que obrigava o uso do cinto de segurança no trânsito e nas estradas.

“O governo decidiu que era hora de proteger os cidadãos contra a sua própria estupidez”, diverte-se. Para Harsanyi, o Estado é tão demasiadamente protetor e paternalista que transforma as pessoas em crianças mimadas, sem capacidade de discernimento. Nessa lista de regras excessivas entrariam, por exemplo, medidas que soam bizarras. “Em um ano, Nova York proibiu as gorduras trans, o foie gras e a ida ao McDonalds. Em São Francisco, leis disciplinam o uso do quintal. No Colorado, o jogo de esconde-esconde das crianças foi banido”, enumera.

O autor afirma que, vistas isoladamente, as restrições não parecem graves. Observadas em conjunto, porém, configuram miniataques à liberdade individual. No lugar da coerção, ele defende a política do convencimento e da transparência total para os consumidores. “Há uma distinção entre proibir e explicar para alguém porque não se deve fazer isso ou aquilo”, diz, convencido de que o mundo é conduzido por elites que decidem o que é certo e errado. “Governos que impõem leis de tolerância zero, que desrespeitam direitos, prestam um desserviço à cidadania”, avalia ele que, nesta entrevista feita por e-mail, fustiga todas as intromissões que retiram do cidadão o direito de escolher como viver a sua vida.    

 

Edgar Olimpio de Souza

 

No Estado-babá, o cidadão acaba sendo a vítima?
Com certeza, seja pelo consumismo ou por sua própria falta de vontade de poder. O Estado-babá não consegue compreender que o indivíduo possa fazer uma escolha na vida que não seja saudável ou insegura. Muitas vezes, contudo, ele cria mais vítimas aprovando uma legislação que engana os cidadãos, fazendo-os acreditarem que o governo pode protegê-los deles mesmos. E o governo não pode porque não foi criado para “educar” os adultos. Sem essa rede de proteção, as pessoas criariam menos dependência e talvez pudessem se informar mais, tomando decisões que julgassem melhores para si.

É um movimento orquestrado?

Nunca antes os governos estiveram tão interessados nas atividades do cotidiano dos cidadãos. É uma forma de pensar e agir que tem contaminado os governos em todos os níveis. Eles coagem os cidadãos, limitam os direitos à propriedade e os importunam até a morte. Hoje, eles me dizem o que eu posso comer. Amanhã, vão controlar o que eu posso dizer.  Infelizmente, a maioria não se sente irritada com leis que por acaso afetam as suas vidas. Nem todo mundo desenvolve um pensamento crítico.  Isso não significa dizer que você esteja abrindo mão de seu direito de escolha.  A Constituição dos Estados Unidos não diz: “Todos os americanos são livres, exceto os burros”.

 

O livro deixa claro que o excesso de regulamentações está roubando o cidadão de seu livre arbítrio, mas há setores da população que desejam mais intervenção do governo...

Todas as regulamentações começam com boas intenções, mas isso não muda o significado coercitivo. Querem determinar onde se pode fumar, o que damos de comer aos nossos filhos e o que devemos assistir ou ouvir. Agora, se há cidadãos que querem babás, então eles deveriam procurar babás e não apontar babás para o restante da sociedade. Esse é o tipo do puritano autoritário que não pode tolerar alguém que vive de forma diferente da dele. As quatro palavras mais assustadoras que existem hoje são: algo precisa ser feito.

 

Não tem medo de ser acusado de extremista ou classificado de anarquista?

Claro que não. Temos milhões de leis. Os radicais com os quais devemos nos preocupar são aqueles que estão no governo, no Poder. Estes são perigosos porque querem ditar regras, dirigir o comportamento dos indivíduos, determinar um padrão moral para a sociedade. Eles acham que foram ungidos para nos proteger de nossa incompetência. No livro cito uma ensaísta que afirma entender o fato de que muitas pessoas rejeitem o fumo. Ela também não gosta de loção pós-barba, adultos que andam de patins, certos tipos de comidas, crianças que falam francês e de gente excessivamente bronzeada (foto ao lado). No entanto, não sai por aí promulgando leis e levantando bandeiras.

 

Proteger o direito de o cidadão tomar suas próprias decisões é uma questão de bom senso ou ideologia?

As duas coisas. O indivíduo acredita em determinada ideologia porque ela faz sentido para ele. Eu menciono o senso comum para mostrar que não há fórmula mágica. Algumas vezes nós, intuitivamente, sabemos quando o governo está indo longe demais, além do razoável. Estamos perdendo a pouca liberdade que temos em nosso cotidiano para os benfeitores moralizadores. Tais supostos benfeitores acreditam que esse é o seu trabalho e, conforme os poderes a eles atribuídos, dizem aos demais o que o vizinho deve fazer com sua vida ou suas vidas. Essas pessoas vão desde os ministros de Deus até os fanáticos ambientalistas.

 

De todo o material levantado de proibições, regulamentos e intromissões, quais foram as medidas e leis mais esdrúxulas e bizarras adotadas nos Estados Unidos?

Coibir “correria” nos parquinhos infantis, proibir festas com bolos nas escolas porque não se pode dar nada com açúcar para as crianças, determinar qual deve ser o tamanho das casinhas de cachorro (foto ao lado) e a quantidade de água a ser deixada na tigela. Alguns rótulos de advertência são ridículos. Um escorregador para a neve para crianças: “Cuidado, o escorregador pode atingir altas velocidades em determinadas condições de neve”. Um rack de 30 centímetros para armazenar CDs: “Não use como escada”. Na Flórida, a venda de lagostas vivas ainda é legal, mas a exportação de tomates feios foi proibida. Por que alguém gostaria de comprar tomates de má aparência?

 

No livro você cita que em Nova York há uma lei que proíbe dançar...

É verdade. Em 2006 um grupo de policiais, bombeiros e inspetores fez incursão em uma boate. Eles não estavam procurando prostitutas ou traficantes, mas pessoas comuns que dançavam. Quando a polícia chegou, um segurança deu o alerta para o técnico de som por meio de uma luz que piscava. Imediatamente, a boate se transformou de uma “orgia de dança ilícita” em um conjunto de pessoas imóveis.

 

Quando o Estado cria uma lei que proíbe dirigir após beber álcool, por exemplo, não seria uma intervenção positiva?

O problema é confundir “dirigir sob efeito do álcool” com “beber qualquer quantidade de álcool e dirigir”. Na verdade, dirigir nunca é um ato absolutamente seguro. Você não está livre de riscos se fala no celular enquanto dirige, conversa com um amigo, passa batom (foto ao lado), come um sanduíche, toma um café, liga o rádio, canta alto, repreende as crianças no banco traseiro. Não ficarei surpreso se logo surgirem leis proibindo tudo isso.

 

Quem costuma praticar mais a idéia de proibir, obrigar e se intrometer: a esquerda ou a direita?

A esquerda norte-americana é mais inclinada a acreditar em engenharia social, engenharia econômica e outras formas de intervencionismo. Já os conservadores têm uma tradição de destacar temas de valores morais, como a pornografia. Na era Obama, porém, os progressistas lideram proibições na saúde pública, ecologia e até na imposição de quais carros devemos comprar ou que tipo de lâmpada usar.

 

Todas as ações do Estado são sempre de natureza anormal, ilegítima e imoral? De certa forma, ao adotar uma lei, ele não está seguindo um princípio de legalidade?

Sim. A legalidade é estabelecida pela democracia. Na história, temos muitas leis equivocadas ou invasivas, mas que estavam de acordo com o princípio da legalidade. Na teoria, é fácil conseguir um equilíbrio entre a liberdade individual e a autoridade do Estado. Mas, na realidade, o equilíbrio adequado é quase impossível. Só acho que nada justifica o comprometimento dos direitos individuais e da liberdade. A liberdade é mais relevante que o problema.

 

Você disse certa vez que “fumar é mais saudável do que fascismo"...  

Algumas cidades começaram a proibir o fumo em todos os restaurantes, até mesmo naqueles voltados exclusivamente aos fumantes. Em algumas localidades na Califórnia é proibido inclusive fumar nas ruas. A intenção é a de proteger o não-fumante dos riscos e prejuízos da fumaça proveniente do fumante. Este tipo de lei mina não somente o direito de se reunir pacificamente como de tomar parte em um hábito legal. De certo modo é sarcástico dizer ou usar a palavra “fascismo”. Eu valorizo o direito do indivíduo de perseguir a felicidade mais do que o direito do Estado em definir o que é felicidade.

(Foto de abertura: Carol Guedes)

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %