EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: A Dama do Mar

Na peça escrita em 1888 por Henrik Ibsen,  uma mulher está acorrentada a um casamento sem amor com um sério e respeitável médico viúvo, Hartwig, pai de duas filhas. Sentindo-se desconfortável na província onde mora, Ellida ansia, com loucura crescente, pelo regresso de um misterioso marinheiro por quem havia se apaixonado no passado. Suas duas enteadas, Bolette e Hilde, também vivem, cada uma ao seu modo, o dilema de trocar o conhecido e banal cotidiano pelos riscos de uma nova vida em outro lugar. É a máquina do desejo em ação, o sentimento que instiga, intimida e desestabiliza o ser humano.

O diretor americano Robert Wilson assina a montagem, inspirada em uma versão da escritora e ativista americana Susan Sontag para o original do dramaturgo norueguês. A revisão da autora adicionou e subtraiu passagens e personagens. O novo enredo dá ênfase ao universo dos mitos nórdicos. Nesta mitologia, com deuses, valquírias e anões, existe a crença de que homens podem virar criaturas marinhas. Ela excluiu, por exemplo, a figura do adoentado artista plástico Lyngstrand - a sua remoção, por sinal, chega a comprometer relações interessantes deste com ambas as filhas do médico. Em sua releitura, Sontag reduziu cenas e calçou parte da dramaturgia em monólogos, sublinhando os momentos que desnudam o subconsciente turbulento de Ellida ou os estados emocionais dos demais, em clara leitura psicanalítica.  No texto, o mar é visto como símbolo tanto de um espaço de liberdade quanto de naufrágio e um dos personagens simboliza a sexualidade reprimida.  

A encenação é um exercício rigoroso de estetização, com uma liturgia visual (claros e escuros) e sonora (gritos de gaivotas e estrondos de ondas) que submete os atores a preencher uma espécie de quadro pictórico. Parece até não haver protagonismo. A linguagem que o diretor impõe no palco, que por pouco engolfa o interessante drama com pitadas simbólicas de Ibsen, é notadamente anti-realista. Os elegantes figurinos de Giorgio Armani buscam emular as cores do oceano. Simples e evocativo, o cenário faz alusão ao deck de um navio. Algumas cenas ganham novos significados apenas com a adição de um tecido semelhante a uma vela de barco. A climática música de Michael Galasso é uma partitura que adapta tradicionais canções folclóricas escandinavas.

Por conta da poderosa gramática visual onírica e os efeitos plásticos, adicionada por linguagens e expressões orientais, Wilson seduz o público pelas aquarela inebriante imagens. Não chega a alcançar, no entanto, a catarse em função da relativa frieza da moldura, racionalização e certa ausência de calor humano no comportamento dos personagens. Sob rígido desenho, o elenco está mergulhado em uma planilha de movimentos pré-formatados. O que salta então é uma perigosa distância entre um possível adensamento do texto e o jogo exibicionista. Há um excesso de blecautes demorados que, por vezes, desconecta emocionalmente o espectador da trama. Mesmo assim, ele apresenta um trabalho consistente e coerente, embora nada ali seja literalmente novo comparado ao que já se viu outras vezes em sua vasta obra. Com natureza detalhista, o diretor chega a apontar um foco de luz apenas para a mão de um ator e muitas vezes a cor da luz, que indica algum tipo de mudança emocional ou de rumo, é articulada em sincronia com um piscar de olhos do intérprete. Wilson valoriza o silêncio, forja os atores a representarem com maneirismos e tiques e os desloca lentamente pelo palco, uma de suas marcas registradas. Aqui, o procedimento tem também a função de expandir o tempo, como uma transgressão à fragmentação atual, como um contraponto ao ritmo veloz dos dias de hoje.

No elenco, Ondina Clais Castilho e Lígia Cortez se revezam no papel de Ellida e de uma de suas enteadas, Bolette. Na pele da ociosa e dependente dama do mar, Ondina desata feminilidade, elegância e técnica vocal. Sua gestualidade reforça o símbolo da sereia vivendo inquieta entre estranhos na terra, como se pertencesse a outro lugar. Em uma cena emblemática na trama original, ela se encontra com o antigo amante, representado por um personagem sem falas. Ellida está angustiada porque precisa decidir se vai continuar em seu casamento sem graça ou atender ao chamado do mar. É uma questão complicada que também aflige Hartwig, vivido com segurança e potência por Hélio Cícero. Caberá ao marido, um homem que mal se apercebe da ânsia de emancipação de suas filhas, reinterpretar a natureza do casamento e, quem sabe, reconhecer o direito da mulher de escolher o seu destino.

Com uma interpretação pontuada por gestos quebrados, caretas e estudados tiques infantilizados, Bete Coelho explora a comicidade de Hilde, uma jovem com fome de afeto. Sua inflexão vocal é estranhamente cativante. Na pele de Bollete, Lígia Cortez verte atuação vigorosa e exibe magnética presença em cena. Ao acolher a proposta de casamento sem amor de seu tutor Arnholm, ela captura e expressa a ironia trágica de quem está prestes a bisar o mesmo equívoco de Ellida. Luiz Damasceno, que em certos momentos circula como um clown em cena, transforma o educador em uma figura serena e de fibra. Mesmo com a justaposição da estética sobre o texto, este ainda prevalece pela pertinência e atualidade das questões que suscita. Como a angústia que acomete todo ser humano diante de um momento importante de tomada de decisão. Ou a ilusão do casamento, antes e hoje, como uma convenção em que gostos e leito são comungados, sem a mesma correspondência no desejo.   

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

A Dama do Mar

Texto: Susan Sontag

Direção: Robert Wilson

Elenco: Ondina Clais Castilho, Hélio Cícero, Lígia Cortez, Bete Coelho, Luiz Damasceno e Felipe Sacon

Estreou: 25/04/2013

Sesc Pinheiros (Rua Paes Leme, 195, Pinheiros. Fone: 3095-9400). Sexta, 21h; sábado, 20h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 10 a R$ 40. Até 07 de julho.

 

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