EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

A hora e a vez dos musicais

A Broadway nova-iorquina e o West End londrino são o epicentro do teatro musical, mas as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro também estão se tornando parte do circuito. O mercado musical brasileiro já é o terceiro maior do mundo. Nas duas capitais é possível assistir algumas das mais famosas produções musicais, na forma de franquia ou adaptadas ao jeito brasileiro, sem precisar viajar para os Estados Unidos ou a Inglaterra.

O fenômeno, que já dura uma década e está longe de saturar, gerou efeitos colaterais positivos, como a profissionalização do setor. A repetição não só permitiu o apuro técnico de figurinistas, cenógrafos, músicos, produtores e outros profissionais do ramo, como revelou ao grande público a existência no país de uma porção de atores capazes de interpretar, cantar e dançar. Ou seja, transitar do texto falado para o cantado sem maiores traumas e ainda arriscar passos de coreografia.

Em que pese o valor salgado dos ingressos – Mamma Mia!, por exemplo, custa até 250 reais o tíquete, os musicais arrastam multidões aos teatros. O Fantasma da Ópera (2005, SP) foi o mais visto até hoje no País, somando quase 900 mil espectadores, muitos deles desembarcando de caravanas organizadas em outras cidades, algo habitual durante as temporadas dessas superproduções. O negócio, inclusive, atiçou o carnaval. No desfile de 2012, a São Clemente vai levar para o sambódromo o tema Uma Aventura na Sapucaí, que pretende narrar a história dos musicais brasileiros ao longo das décadas.

Freqüentador da ponte aérea São Paulo-Broadway, o crítico de teatro Vinício Angelici, 64 anos, avalia que pontualmente a filial supera a matriz. “O Rei e Eu era tão sofisticada que botava a montagem que vi em Nova York em 1996 no chinelo”, compara, referindo-se à luxuosa produção dirigida por Jorge Takla no ano passado em São Paulo.

Nesse momento, estão em cartaz nos palcos cariocas Beatles num Céu de Diamantes (2008), que chegou a se apresentar na francesa Lyon e é um dos raros sucessos sem vínculo com a Broadway, Emilinha e Marlene – As Rainhas do Rádio (foto ao lado), de Julio Fischer e Thereza Falcão, e Tim Maia – Vale Tudo, o Musical, de Nelson Motta. Os dois últimos, aliás, seguem uma vertente comum no Brasil, o de encenar grandes nomes da música popular brasileira. Em novembro subirá ao palco Judy Garland – O Fim do Arco Íris.

Na cena paulistana destacam-se As Bruxas de Eastwick, adaptação cheia de efeitos especiais a partir do romance de John Updike, Mamma Mia!, de Catherine Johnson, e a ousada versão de Cabaret, estrelada por Cláudia Raia. Em janeiro próximo aterrissará o libelo pacifista Hair e em março Um Violinista no Telhado, baseado em contos judaicos de Sholom Aleichem, ambos escorados em boas carreiras no Rio de Janeiro. Ao longo do ano ganharão vida ainda as superproduções O Mágico de Oz, A Família Addams e Priscila, a Rainha do Deserto.     

As estrelas sobem. “Hoje temos condições de montar grandes musicais com a mesma qualidade da Broadway”, atesta o ator José Mayer, 61 anos, que interpretou o rústico e histriônico leiteiro judeu Tevye em Um Violinista no Telhado. Quem faz coro é Saulo Vasconcelos, 37, figura onipresente no gênero (Cats, em 2010, e A Bela e a Fera, em 2002, entre outros) e atualmente no papel de Sam em Mamma Mia!. “Já não é mais boom, mas uma realidade”, comemora.

Ele contracena com a protagonista Kiara Sasso (foto ao lado) que, apesar de seus 32 anos, pode ser considerada uma veterana no meio, enfileirando um trabalho atrás do outro, como Miss Saigon (2007), A Noviça Rebelde (2008) e Jekyll & Hide – O Médico e o Monstro (2010).  “O musical comove e emociona, por isso agrada tanto ao público”, acredita ela. Da mesma geração e, como a colega, com sólida formação no Exterior, Bianca Tadini (West Side Story e Evita), 31, ensina que o segredo em uma atividade cada vez mais rigorosa é estudar sempre “e cuidar da voz, não expondo-se ao frio, ao cigarro e à bebida.”

A nova geração, simbolizada por nomes como Kiara, Bianca, Alessandra Maestrini, Fred Silveira e Patti Amoroso, de carreiras consistentes, é reverenciada pelo ator Eduardo Galvão, 49, que vive o misterioso personagem que seduz três mulheres solitárias em As Bruxas de Eastwick.  “Esta galera é preparadíssima, bem diferente de outros tempos”, coteja ele, que atuou em Gloriosa (2008) e Gypsy (2010).

Quem sentiu na pele este upgrade técnico foi Aniela Jordan, 48, uma das sócias da Aventura Entretenimento, ao lado de Luiz Calainho, Charles Moeller e Cláudio Botelho – a dupla Moeller e Botelho, por sinal, contribuiu decisivamente para a consolidação do teatro musical no País, com mais de quarenta espetáculos na bagagem. Em apenas dois anos de existência, a produtora conduziu mais de dois milhões de pessoas ao teatro para ver superproduções como A Noviça Rebelde, O Despertar da Primavera, Hair e Um Violinista no Telhado.

“Foi um sufoco compor o elenco de A Ópera do Malandro” (2003, de Chico Buarque), recorda Aniela. Dos 500 atores que enfrentaram as audições, sobreviveram apenas 40%. “Não tínhamos gente que cantasse, interpretasse e dançasse a altura do exigido. Mesmo assim, ficamos onze meses em cartaz, com ingressos esgotados”, conta. “Hoje, daria para montar até dois grupos de primeiríssima qualidade”, garante. O divisor de águas, em sua avaliação, se deu a partir de A Noviça Rebelde, encenado no Rio de Janeiro e São Paulo com enorme sucesso de público e crítica. 

Perseverança. Atualmente, um anúncio para testes para um musical pode registrar até cinco mil inscrições, caso de Hair. Em O Despertar da Primavera (2010) (foto ao lado), por exemplo, dezenove atores têm entre 16 e 25 anos foram pinçados entre mais de três mil candidatos.  Os selecionados têm de exibir não só habilidade para interpretar, cantar e dançar como demonstrar fôlego de maratonista para encarar até sete sessões por semana de um espetáculo em cartaz.   

“Nosso material humano atual é tão bom que nos igualamos à Broadway”, afirma a produtora de elenco Marcela Altberg, 38, pioneira nessa função. “Um crítico escreveu que a cena do sonho em Um Violinista no Telhado é a mais bonita de todas as montagens desse texto que ele viu pelo mundo”, orgulha-se ela, que costuma receber emails diários de interessados em enviar currículos e saber de audições. 

Um dos militantes pela causa musical no Brasil, o diretor Jorge Takla, 60, do recente Evita, penou para fechar o time de Cabaret (1989), protagonizado por Beth Goulart e Diogo Vilela. A missão, hoje, ficou mais fácil. “Agora já sabemos levantar um musical sozinhos, sem a ajuda de profissionais da Broadway”, celebra.

Outro diretor conectado ao gênero, José Possi Neto (New York, New York e Emoções Baratas), 64, garimpou 38 atores e músicos para a sua versão de Cabaret, assinado pela Chaim Produções (Tim Maia – Vale Tudo, o Musical e Os Produtores), forte produtora no meio. “Parte do sucesso desse movimento deve-se à perseverança das atrizes Bibi Ferreira, Marília Pêra e Cláudia Raia”, elege ele, acrescentando que o teatro musical hoje tomou o lugar das grandes produções teatrais, cada vez mais escassas.

A gênese do gênero. Antes do chamado boom, a tradição musical brasileira estava restrita ao teatro de revista na década de 1920, ao primeiro espetáculo importado da Broadway, Minha Querida Lady (1963, com Paulo Autran e Bibi Ferreira) (foto ao lado), às montagens engajadas dos anos 1960 e 1970, exemplos de Roda Viva (1968) e Ópera do Malandro (1978), e musicais esforçados como A Chorus Line (1983), com uma então adolescente Cláudia Raia. Foi a encenação de Rent (1999) que detonou a primeira onda. O tsunami irrompeu de vez com Les Miserables (2001), inspirado no épico de Victor Hugo, que atraiu 350 mil espectadores em quase um ano em cartaz.

O êxito auferido por essa franquia da multinacional Time 4 Fun (ex-CIE), especializada em importar musicais enlatados, estabeleceu uma norma, o das superproduções que empregam mais de uma centena de profissionais, entre atores, bailarinos, músicos e equipe técnica, e chegam a custar até 12 milhões de reais, como Miss Saigon (2007), que abrigava um helicóptero em tamanho real no palco. O musical mais caro de todos os tempos da Broadway, o atual O Homem Aranha, teve um orçamento equivalente a 110 milhões de reais.

Como a demanda por musicais se anabolizou, com cachês que variam de 10 mil a 40 mil reais mensais ao longo da temporada ou por prazo de trabalho, brotaram cursos específicos de olho nesse mercado promissor, como a paulistana Casa de Artes OperÁria, que prepara atores nas três especialidades exigidas pelos musicais - canto, dança e interpretação.

Aulas particulares também são procuradas. “Os atores estão se especializando e quem chega entoando qualquer coisa não passa nos testes”, explica a preparadora vocal Amélia Gumes, 34. Uma das responsáveis por levar aos musicais a técnica de canto belting, ela educou as vozes de Arlete Salles e Danielle Winits para Hairsrpay (2010).

Nem só de superproduções musicais, no entanto, vive a temporada. Espetáculos de orçamento modesto, sem cenários e figurinos suntuosos, mas enaltecidos pela crítica especializada, também têm público cativo. Nara, sobre a musa da Bossa Nova Nara Leão, excursiona com sucesso pelo País. “Como não encontrava atores que tocassem bem instrumentos (percussão, piano e violão), tive que optar por músicos que soubessem atuar”, revela o autor (em parceria com Fernanda Couto, a protagonista) e diretor Márcio Araújo, 40.

Na mesma linha de encenar um musical com sotaque brasileiro, avesso às fórmulas da Broadway, a atriz Rachel Ripani, 34, em cartaz em Mamma Mia!, escreveu e atuou no sensual Cabaret Luxúria (foto ao lado), que deve retornar repaginado nos próximos meses. “Eu acho que a música aproxima muito o público da história”, resume. A explosão do gênero, ao que parece, parece cobri-la de razão. 

(Foto de abertura: Cabaret / Por Daniel Klajmic)

 

O QUE ELES DISSERAM

“O som é uma função complexa. Eu cuido das caixas acústicas, dos modelos, onde estarão posicionadas, os microfones, como serão usados. Não dou conta de tanto trabalho. Sou autodidata, tive que inventar a minha formação, até estudei na Alemanha.” 

(Marcelo Claret, 43, sound designer de Um Violinista no Telhado, Hair e Beatles num Céu de Diamantes)  

 

"Eu preciso estar atento ao equilíbrio da orquestra. Hoje o músico está mais preparado, antigamente muitos não sabiam o que era uma partitura. Não adianta o ator cantar bem e perder a voz durante a temporada. Eu o ensino a poupar o seu instrumento vocal.”

(Marcelo Castro, 35, diretor musical de As Bruxas de Eastwick e regente da orquestra em Um Violinista no Telhado)

 

“As atrizes voam por cima da platéia e é a primeira vez que essa técnica é desenvolvida na América Latina. Os cabos e cadeirinhas eu trouxe dos Estados Unidos. Eu posso fazer um personagem ficar gordo ou um carro explodir. Todo efeito envolve um risco.”

(Heitor Cavalheiro, 23, responsável pelos efeitos especiais de As Bruxas de Eastwick)

 

“No Brasil ainda não há uma indústria de cenografia. No musical, a cenografia precisa dialogar com a música, a coreografia e a intenção do diretor. Nesta montagem, disponho de quinze maquinistas para mudar os diversos ambientes da trama.”

(Rogério Falcão, 50, cenógrafo de As Bruxas de Eastwick)

 

“Como as temporadas são longas, os figurinos precisam ter durabilidade e resistência e isso envolve uma tecnologia específica. Sapatos acabam em um mês. Em O Rei e Eu importamos tecidos da Tailândia, China e Índia. Foi uma experiência de delírio.”

(Fábio Namatame, 52, figurinista de Cabaret) (foto ao lado)

 

“Eu monto toda a estratégia de produção. Nos ensaios, usamos três salas simultâneas e preciso maximizar o tempo para não deixar o pessoal esperando, se não viramos a madrugada. Quero que eles se sintam acolhidos e respeitados. É um quebra-cabeça.”

(Tina Salles, 40, coordenadora artística, que criou essa função ao lado de Charles Moeller e Cláudio Botelho)

 

“Como transitei por dramas, comédias e shows, acabei adquirindo cancha para musicais. No musical, a iluminação pode se permitir um nível de abstração grande porque as pessoas conversam cantando. Neste espetáculo, a luz virou um personagem.”

(Paulo César Medeiros, 45, iluminador de As Bruxas de Eastwick)

 

“Meu desafio é fazer o elenco dançar bem. A coreografia num musical ajuda a contar a história, por isso tenho de estudar muito o texto, entender a linguagem do diretor para casar com o tipo de movimentação. O segredo para o ator é ter inteligência corporal.”

(Tânia Nardini, 49, coreógrafa de May Fair Lady e Evita, entre outros)

 

Anote aí:

 

SÃO PAULO

As Bruxas de Eastwick. De John Updike. Adaptação e Direção cênica de Cláudio Botelho e Charles Moeller. Direção musical de Marcelo Castro. Com Eduardo Galvão, Maria Clara Gueiros, Sabrina Korgut, Renata Ricci e outros. Teatro Bradesco (Shopping Bourbon. Rua Turiaçu, 2.100, Perdizes. Fone: 11. 4003-1212). Quinta e sexta, 21h; sábado, 17h e 21h; domingo, 16h e 20h. Ingresso: R$ 10 a R$ 190. Até 11 de dezembro.

Cabaret. De Joe Masteroff (texto), John Kander (música) e Fred Ebb (letras). Adaptação de Miguel Falabella. Direção cênica de José Possi Neto e Direção musical de Marconi Araújo. Com Cláudia Raia, Jarbas Homem de Mello, Marcos Tumura e outros. Teatro Procópio Ferreira (Rua Augusta, 2.823, Cerqueira César. Fone: 11. 3083-4475). Quinta, 21h; sexta, 21h30; sábado, 18h e 21h30; domingo, 18h. Ingressos: R$ 40 a R$ 200. Em cartaz por tempo indeterminado.

Mamma Mia! De Benny Andersson, Björn Ulvaeus e Catherine Johnson. Adaptação de Cláudio Botelho. Direção geral de Robert McQueen e Direção local de Floriano Nogueira. Com Saulo Vasconcelos, Kiara Sasso, Patti Amoroso, Rachel Ripani  e outros. Teatro Abril (Avenida Brig. Luis Antônio, 411, Bela Vista. Fone: 11. 4003-5588). Quinta e sexta, 21h; sábado, 17h e 21h; domingo, 16h e 20h. Ingresso: R$ 80 a R$ 250. Até 18 de dezembro.

 

RIO DE JANEIRO

Beatles num Céu de Diamantes. Direção e Criação de Charles Moeller e Cláudio Botelho. Com Sabrina Korgut, Alessandra Verney, Ivana Domenico e outros. Teatro Clara Nunes (Rua Marquês de São Vicente, 52, Shopping da Gávea. Fone: 21. 2274-9696). Quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Ingresso: R$ 60 e R$ 70. Até 11 de dezembro.

Emilinha e Marlene – As Rainhas do Rádio. De Júlio Fischer e Thereza Falcão. Direção cênica de Antonio de Bonis e Direção musical de Marcelo Alonso Neves. Com Vanessa Gerbelli, Solange Badin, Stella Maria Rodrigues e outros. Teatro Maison de France (Avenida Presidente Antônio Carlos, 58, Centro. Fone: 21. 2544-2533). Quinta e sexta, 19h30; sábado, 20h30; domingo, 18h30. Ingresso: R$ 60 e R$ 70. Até 11 de dezembro.

Tim Maia – Vale Tudo, o Musical. De Nelson Motta. Direção de João Fonseca. Direção musical de Alexandre Elias. Com Tiago Abravanel, Isabella Bicalho, Lilian Valeska e outros. Teatro Carlos Gomes (Praça Tiradentes, 19, Centro. Fone: 21. 2232-8701). Quinta a sábado, 20h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 40.  Até 13 de novembro.

 

 

 

 

 

 

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %