EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Cinema: Tropicália

“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada."

Para entender o impacto do movimento tropicalista no país a partir de 1967 é preciso entender o seu contexto histórico. O discurso inflamado de Caetano Veloso no Festival de 1968 ao tentar cantar É Proibido Proibir debaixo de vaias é mais do que uma manifestação artística ou de gosto musical. É um símbolo, tanto a música, quanto as vaias, quanto o discurso. O Brasil vivia em meio a uma ditadura militar, que em parte foi patrocinada pelos Estados Unidos com medo que houvesse aqui um regime comunista. Por isso, Jango não pode assumir o poder, por isso a voz era calada a maioria das vezes. Então, para os jovens manifestantes qualquer coisa ligada aos Estados Unidos era símbolo de seu imperialismo e da ditadura.

A MPB era o símbolo de resistência com músicas de protesto e ufanismo nacionalista. Não por acaso Jackson do Pandeiro disse que só colocaria "bebop" no seu samba "Quando Tio Sam tocar um tamborim". Então, entre outras coisas, o rock, o jazz, o pop e o símbolo de tudo isso, a guitarra elétrica, eram proibidos entre os radicais. Chegou a existir uma passeata com vários artistas contra a guitarra elétrica em 17 de julho de 1967, na cidade de São Paulo. E nela estava entre outros nomes, Gilberto Gil. O mesmo Gil que pouco depois fundou o movimento tropicalista com Caetano Veloso e se apresentou no Festival de 1967 acompanhado do grupo Os Mutantes. Uma banda de rock irreverente até então desconhecida.

O tropicalismo foi uma afronta para os estudantes e o movimento de esquerda. Eles foram perseguidos, renegados, mas depois influenciados por tudo aquilo que não se resumia à música ou à guitarra elétrica. Mas, a um movimento de contracultura envolvendo música, cinema e teatro que sacudiu o país por esses dois anos e continua sendo um marco de influência até hoje. A quebra de padrões, o culto à liberdade de expressão, as misturas sonoras e de cores. As atitudes contra o pré-estabelecido. É difícil explicar toda essa efervescência, mas Marcelo Machado conseguiu com primor, não apenas pelo resgate de materiais raros e históricos, como pela forma didática e ao mesmo tempo inovadora com a qual costura seu filme. Sempre juntando estética e narrativa, contextualizando bem cada detalhe do passado, presente e, quem sabe futuro.

Após a abertura com Gil e Caetano em um programa de televisão em Lisboa e a vinheta que nos dá uma sensação de imersão, Machado, que também assina o roteiro junto a Di Moretti, nos leva até a posse de Costa e Silva em 1966 para começar sua história. E todo o filme vai intercalando questões políticas com arte, seja na música, no teatro ou no cinema. A maior parte do material que vemos em tela é de arquivo. Enquanto a Tropicália existe, os poucos depoimentos recentes são colocados em preto e branco, no centro da tela como uma televisão 4x3 em um muro rachado. Esse contraste do atual, reprimido ali, e o resto, aberto em tela cheia, já traz uma estética interessante. Que após o AI 5, que leva ao fim do tropicalismo e aos anos de chumbo, se modifica. Nessa parte, depoimentos recentes tomam a tela inteira, com apenas o depoente em um fundo preto e muitos fades para black total.

A montagem é pensada em detalhes. As fotos de arquivo nunca estão estáticas em tela. Há sempre um movimento de câmera para percorrê-la, ou um recorte que divide a tela ao ritmo da música, ou mesmo um recorte de um personagem com cores saltando à tela. Tudo é muito dinâmico, ágil, moderno, como não poderia deixar de ser ao retratar um movimento desse porte. Palmas para Oswaldo Santana pela montagem e Ricardo Fernandes pela direção de arte primorosas. Os detalhes são tantos que até a marcação de época, indicando os anos, tem uma vinheta criativa.

O longa também tem valor histórico pela reunião de tanto material raro, muitos com imagens deterioradas que uma mão animada com fita crepe ajuda a colocar em cena, em brincadeiras divertidas. Mas, assim, vemos reuniões com Rita Lee, Nara Leão e Gal Costa no mesmo palco. Imagens de uma tentativa de diálogo entre Caetano e Gil em uma universidade. Cenas diversas de festivais da canção. Programas de televisão. Filmes. A mistura de imagens de Terra em Transe com a música de Caetano mesmo traz efeitos incríveis.

Mas, o retrato mais marcante do que foi o impacto daquele movimento transgressor é Gal Costa cantando Divino Maravilhoso, música que inspirou Glauber Rocha a citar para definir o caminho do cinema mundial em um filme de Godard (Vento do Leste). Gal era uma menina tímida vindo da Bahia, se apresentava em palco quase estática, soltando apenas a voz. Aparecer em um festival vestida daquele jeito, cantando um rock e gritando que "é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte". Era mesmo sinal de que algo tinha mudado.

Os depoimentos atuais ajudam a construir o fio da narrativa, muitas vezes utilizados em voz over. E pela dinâmica que se impõe encaixam de uma forma tão fluida que tudo parece ter sido construído para aquilo. Mas, como não podia deixar de ser, Tom Zé rouba a cena ao tentar explicar o seu gráfico situacional. Parece mesmo que só ele continuou com o espírito daquela época. O filmeé mais do que um documentário musical. É um importante registro histórico de nossa cultura. Construído de uma maneira criativa, cuidadosa e encantadora. Então, "Viva a banda-da-da, Carmem Miranda-da-da-da-da".

(Amanda Aouad, do site Cine Pipoca Cult)                                                                      

(Foto Divulgação)


Tropicália

Título Original: Tropicália (Brasil, 2012)                                                                             

Gênero: Documentário, 82 min                                                                                       

Direção: Marcelo Machado

Elenco: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Gal Costa, Rita Lee e outros.

Estreou: 14/08/2012

 

Veja o trailer do filme:

 

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