EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: O Contrato

Como se fosse uma história de terror, ambientada em uma grande corporação, a peça do dramaturgo inglês Mike Bartlett aborda a dissolução da humanidade na vida atual. A atmosfera de pesadelo paira logo de cara, quando um gerente nunca nomeado, valendo-se de uma formalidade falsamente gentil, convoca uma subalterna para reunião de avaliação. Tudo parece banal, mas o que se verá ao longo de diversas cenas curtas e similares é uma espécie de marcha progressiva de ultrajes, afrontas e manipulações. A funcionária terá todos os aspectos da sua vida devassados a partir desses encontros que, no fundo, ganham contornos de interrogatórios. Emma é a personagem que precisa o tempo todo confirmar que não violou as obrigações contratuais da empresa referentes a relacionamentos amorosos com colegas de trabalho – em um determinado momento, é instada até a avaliar o desempenho sexual mantido com o namorado, que trabalha com ela e, ficamos sabendo, também é chamado para prestar depoimentos de ordem pessoal. De maneira tortuosa, ela começa a notar que não pode guardar segredos em uma empresa que quer preservar a todo custo a sua racionalidade produtiva. Por conta disso, estará sempre justificando o seu comportamento, submetendo-se a tudo para agradar e garantir seu salário mensal. Seu comportamento passa a ser ditado pela corporação, mesmo que isso destrua simbolicamente a sua existência – lá pelas tantas há uma cena de crueldade exasperante em que ela entra na sala do chefe portando uma caixa de papelão. O que o texto de Bartlett consegue, em registro tipicamente kafkiano, é transformar o risível em grotesco, o absurdo em algo plausível, o absolutamente chocante em trivial. É perturbadora a forma como o autor expõe o espírito Big Brother que assola a contemporaneidade e se infiltra sem cerimônia no universo corporativo, criticando a cada vez mais embaçada fronteira existente entre vida pessoal e privada.     

A encenação de Zé Henrique de Paula aguça o sentido claustrofóbico da trama. O escritório é desenhado como um cubo branco vazado, metáfora de que nada ali deverá estar oculto. Para ilustrar esse abuso de poder, o diretor buscou uma partitura corporal coreográfica, com gestos e movimentos que se repetem quase militarmente. A sensação de automação está presente, inclusive, nos diálogos secos, diretos e cortante, na tensão sexual implícita que envolve os personagens. Nesta peça, as palavras adquirem um poder brutal pela sua precisão cirúrgica e por serem usadas até contra si mesmo. A montagem escancara a lógica perversa de que, na ânsia de manter os seus empregos, os funcionários acabam tornando-se cúmplices de arbitrariedades e aviltamentos. Nesse sentido, não tem porque acreditar que Emma possa virar a mesa e partir para algum tipo de vingança. Ao contrário, no transcorrer das reuniões ela irá gradativamente incorporar o modo de pensar da empresa para atender às suas exigências, ainda que descabidas e infames. Renata Calmon interpreta Emma com elegância passiva, concedendo veracidade a uma personagem que vê sua identidade se espatifar até vender completamente sua alma à corporação. Se no início não dirfarça seu desconforto em ter de ler em voz alta um trecho do seu contrato de trabalho, mais adiante ela parece  achar natural que qualquer relação estabelecida entre os funcionários deva ser comunicada aos superiores, para se garantir que nenhuma peça se desengate da engrenagem. Sérgio Mastropasqua faz o chefe cordialmente neutro e manipulador, capaz de desfiar sua destrutividade por meio de gestos minimalistas. Nesta fábula sarcástica e sinistra, o autor tece uma alegoria cínica e sombria sobre um mundo baseado no extermínio das diferenças e na redução da vida a uma dimensão meramente técnica e funcional.  
(Edgar Olimpio de Souza - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Ronaldo Gutierrez)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Contrato

Texto: Mike Bartlett

Direção: José Henrique de Paula

Elenco: Sérgio Mastropasqua e Renata Calmon

Estreou: 19/08/2011

Instituto Cultural Capobianco (Rua Álvaro de Carvalho, 97, Centro. Fone: 3237-1187). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 30. Até 11 de dezembro.

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