EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Jacques e Seu Amo

Dois homens, um amo e seu criado, viajam a pé para destino desconhecido. No intuito de dissipar o tédio da longa jornada, o inteligente Jacques é instigado por seu desafortunado mestre a descrever as suas aventuras e desventuras amorosas. A narrativa, no entanto, é continuamente interrompida por outros personagens e vários percalços. Levemente subversivos, os dois protagonistas são como Dom Quixote e Sancho Pança, de Cervantes, ou como os vagabundos perdidos Estragon e Vladimir, de Beckett.

Escrita, em 1971, pelo romancista tcheco Milan Kundera (autor de A Insustentável Leveza do Ser), a refinada comédia é uma livre adaptação inspirada em Jacques, o Fatalista, do filósofo iluminista francês Denis Diderot (1713-1784). Durante a ocupação soviética na Tchecoslováquia, no final da década de 1960, Kundera foi convidado a criar versão para uma das obras do escritor russo Dostoiévski. Ele recusou o pedido, mas propôs no lugar uma leitura contemporânea do romance de Diderot, com a justificativa de que o protagonista poderia simbolizar a ruptura da ordem da sociedade vigente, tão regrada e estratificada que dificultava a migração de status social.

Inédita no Brasil, a única peça de Kundera ganhou montagem interessante assinada pelo diretor Roberto Lage, que resguardou os seus fundamentos e princípios básicos. A trama se localiza no século XVIII na França, porém o autor não fornece maiores detalhes do tempo e dos aspectos históricos daquele período. É um enredo que se desenrola durante uma viagem, empreendida por esta dupla sem rumo que se dispõe a contar casos românticos um para o outro. No início, inclusive, Jacques observa que há um público a espiá-los e é aconselhado pelo seu senhor a fingir que não existe ninguém ali.

São três episódios de amor, que invariavelmente versam sobre amizade, sexo e traição. O criado rememora como perdeu a virgindade com a amada de seu melhor amigo. O fidalgo se lembra da infidelidade cometida pela mulher por quem se apaixonara. Uma taberneira narra como uma marquesa se vingou do amante, depois deste ter passado a tratá-la como amiga, ao armar o casamento do próprio com uma meretriz.  

Enquanto os dois primeiros relatos se relacionam com os viajantes e a viagem, o terceiro, ouvido numa taberna, é uma narrativa à parte. As três crônicas se misturam e ocorrem simultaneamente, cada uma sendo uma variação das outras. E são facilmente desfrutáveis, por conta do dinamismo com que são desfiadas e vivenciadas pelos envolvidos e pelo vigor dos diálogos cruzados. Tudo embalado em humor clássico, com entrelaçamento de estilos narrativos e indistinção entre passado e presente. Não bastasse, os personagens também criticam uma suposta mediocridade do autor, invadem os papéis uns dos outros e comentam os acontecimentos.

A direção de Lage é rápida, leve e prioriza a comicidade, instituindo marcações simples e soluções eficazes – exemplo disso é a cena em que um personagem encarcerado ocupa uma cela desenhada por feixes de luz, resultado da competente iluminação de Wagner Freire. A opção do diretor em condensar em único ato o que originalmente dividia-se em três faz com que a encenação nunca perca a sua fluidez.

O elenco cumpre totalmente a proposta. Com presença esfuziante no palco, Hugo Possolo aciona o conhecido humor calçado em trejeitos corporais, peculiar entonação vocal e certeiros improvisos. Ele dá vida ao insolente e franco Jacques, que não se furta a dizer que o seu mestre é um bom sujeito porque costuma obedecê-lo. Eficiente, Edgar Bustamante incorpora um amo frágil, tímido e generoso. Em duplo papel, Renata Zhaneta convence tanto como uma taberneira polida e espirituosa quanto uma marquesa ressentida e ardilosa. A delicada Greta Antoine faz com ímpeto juvenil a pura Justine, uma conquista de Jacques, e a radiante prostituta impingida ao seu pretendente como uma noiva virtuosa. Com bons recursos expressivos, Ando Camargo se multiplica no palco e chega a roubar a cena em alguns momentos, especialmente na interpretação de uma falsa cortesã. Felipe Ramos, como o marquês enganado, e Angelo Brandini, comissário e amigo do criado, exibem performances cativantes.    

Sem ser ostensiva, a comédia é, na maior parte do tempo, apenas um proveitoso entretenimento. Nas entrelinhas, porém, emana reflexões congruentes sobre o tema da autoridade e submissão. Além disso, a peça tem algo a dizer sobre a moralidade contemporânea e o comportamento hipócrita do homem, independentemente de sua classe social. Ao cabo, a peça presta tributo carinhoso ao prazer impagável de se contar histórias.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto João Caldas)

 

Avaliação: Bom

 

Jacques e Seu Amo

Texto: Milan Kundera

Direção: Roberto Lage

Elenco: Hugo Possolo, Edgar Bustamante, Renata Zhaneta, Ando Camargo, Greta Antoine, Angelo Brandini e Felipe Ramos.

Estreou: 09/10/2015

Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Álvares Penteado, 112, Centro. Fone: 3113-3651). Quinta a sábado, 20h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 10. Até 13 de dezembro.

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