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Teatro: O Casamento Suspeitoso

O tradicional e velho golpe do baú é o fio que conduz esta divertida comédia de costumes (1957) escrita pelo dramaturgo e romancista paraibano Ariano Suassuna. Ancorado no típico humor do sertão brasileiro, marcado por tipos caricatos e espírito burlesco, a trama combina a ingenuidade de um noivo endinheirado e as intenções nada cristãs de uma noiva astuta. Com narrativa pontuada por um incessante ritmo cômico e situações que levam à fácil identificação da platéia, o enredo ilumina uma sociedade afetada, esnobe, em constante exercício da esperteza e difamação. O texto recebeu montagem inspirada de Sérgio Ferrara, cumpriu temporada em São Paulo e deve retornar ao cartaz no início do próximo ano. Como em suas outras obras, casos de O Auto da Compadecida e Farsa da Boa Preguiça, por exemplo, Suassuna extrai características de outras expressões artísticas para compor o seu universo ficcional. Do mamulengo, teatro de bonecos muito popular na cultura nordestina, buscou os jogos de palavras e a sensualidade simplória. Da italiana commedia dell´arte, os tipos inesquecíveis, que se valem de manhas e artimanhas para proveito próprio. Há traços ainda dos autos religiosos e a espontaneidade e crítica social da literatura de cordel. O que o autor faz é uma saborosa e genial alquimia de todos esses ingredientes e influências e transforma a mistura em um irreverente teatro popular brasileiro. Ele tem o condão de elevar o regional ao panteão universal.

Linear e direta, a peça pode não ser a melhor de seu repertório, mas mantém intacta a sátira desabrida aos membros da Igreja e da Justiça e a paródia das classes sociais. Na história, Lúcia Renata (Suzana Alves) desembarca em Taperoá, cidade da família de Suassuna e onde ele passou grande parte da sua infância, trazendo mala, cuia e sua interesseira família, formada pela mãe (Nani de Oliveira), a madrinha (José Rosa) e a voinha (Sonia Maria). A garota, que está acompanhada também de seu amante e cafetão, Roberto Flávio (Nicolas Trevijano), apresentado como primo, veio firmar casamento com o ingênuo e apaixonado Geraldo (Joaz Campos), filho único da rica matriarca Dona Guida (Bete Dorgam), desconfiada da índole da pretendente. Os planos da futura esposa, no entanto, esbarram na sagacidade dos empregados da família, Cancão (Marco Antonio Pâmio) e Gaspar (Rogério Brito), que se envolvem na história para atrapalhar o matrimônio e, claro, tirar vantagem da situação. Armada a confusão, que envolve ainda um padre e um juiz, personagens se passam por outros e tramóias são arquitetadas e desvendadas. As cenas absurdas e os qüiproquós recheiam a trama. Está instalada de vez uma comédia de erros, de inesgotável apelo cômico.

Experiente, o elenco reunido exibe atuação de gala e entrega-se com energia e vibração  aos seus personagens. Suzana Alves, ex-Tiazinha, não compromete em sua caracterização e aplica leveza e graça à moça interessada em se dar bem no casamento. No papel de Susana Cláudia, a atriz Nani de Oliveira é explosiva e um show à parte. Cada intervenção de Bete Dorgam e Nicolas Trevijano encerra uma sugestão para o riso. Joaz Campos desincumbe-se sem exageros do noivo aspirante à armadilha. Se não roubam as cenas, Pâmio e Brito dão brilho especial à farsa escancarada, caprichando na linguagem corporal e nas nuances vocais. Os criados Cancão e Gaspar, recriação de João Grilo e Chicó, célebres figuras de O Auto da Compadecida, são discípulos dos empregados manipuladores e independentes de Molière e da commedia dell’arte, que também animavam clássicos espanhóis como Dom Quixote, de Cervantes, e os autos do português Gil Vicente.  Ambos retomam uma tradição do teatro popular, a da dupla circense. Enquanto Pâmio faz de Cancão um malandro incorrigível, Brito injeta ingenuidade à Gaspar. É um equilíbrio que se mantém ao longo do espetáculo, cujo tom circense é privilegiado pela direção. Ferrara sublinha a malandragem, o cabotinismo, a sem cerimônia com que os personagens revelam suas precariedades. Nada na encenação escorrega para a caricatura. Na cenografia de J.C.Serroni, que reproduz a casa de Dona Guida, local da ação, espalham-se elementos simbólicos da cultura nordestina, como oratórios e retratos de santos. Ele também assina os figurinos, marcados pelo contraste – se a família da noiva é mostrada como uma pequena unidade mafiosa nordestina, gente de medalhão no peito e óculos escuros, os anfitriões se apresentam com roupas típicas do sertanejo, ainda que a matriarca receba todos com revólver em punho e bombinhas no bolso. Na montagem, os músicos (Breno Amparo e João Paulo Soran) permanecem o tempo todo em cena, dando ritmo a um espetáculo em que os personagens exibem suas fragilidades morais e nunca perdem a fé. Na obra de Suassuna, ninguém sai ileso e no embate entre explorados e exploradores o que emerge é uma deliciosa subversão da ordem.   

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Casamento Suspeitoso

Texto: Ariano Suassuna                                                                                                 

Direção: Sérgio Ferrara                                                                                                       

Elenco: Marco Antônio Pâmio, Bete Dorgam, Nani de Oliveira e outros.                       

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