EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Afogando em Terra Firme

O que emerge neste oportuno texto do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn é uma ácida crítica à louvação do fracasso absoluto. Basta acompanhar o protagonista, Charlie, transformado em celebridade justamente por ser um perdedor nato, sina superdimensionada por uma mídia disposta a glorificar o nada e celebrar a fama transitória. Ele é, ironicamente, o sujeito que tem fama por ser famoso. A montagem, dirigida por Eduardo Muniz, pode até não ser coesa na maneira como articula a fusão entre a sátira, a comédia física, o retrato dramático de um casamento, de tom strindberguiano, e os diversos aspectos simbólicos embutidos na peça, como a torre impossível de ser alcançada. No entanto, a encenação tem o mérito de não duelar contra o texto. Com elenco sintonizado e afiado, captura e expressa de forma convincente a percepção do autor de que, nos tempos de hoje, não ter feito nada de especial em sua vida pode até significar um passaporte para o estrelato.  

É o caso de Charlie, que se tornou nome midiático por não ter conseguido terminar uma maratona, embora bastante aplaudido pela multidão ao se estatelar no chão, por não ter acertado uma única resposta num quiz show, para delírio do público, e por não apresentar um único talento visível para alguma coisa. Ele, porém, tem certo carisma pessoal e alcançou a fama. Sua incompetência, por mais paradoxal, rendeu fortuna e ele se tornou a estrelinha da vez.

Logo no início, durante o aniversário de um de seus filhos, o espectador já nota que o casamento dele com Linzi não vai bem - ele, por exemplo, passa mais tempo com seu empresário, Jason, do que com a própria esposa. Ela já foi conhecida, curtiu seus quinze minutos de fama como apresentadora de programa infantil de televisão, mas parou de trabalhar para cuidar dos filhos. Hoje é apenas a Sra. Charlie. No fundo, ela alimenta a esperança de ressuscitar na mídia. No dia da festa, Charlie combinou uma entrevista com uma jornalista tipicamente inescrupulosa. No encontro preparatório, a repórter Gale irá alvejar o entrevistado com perguntas incômodas e ferinas sobre as razões de seu sucesso, apesar de seus fracassos sequenciais. Não bastasse a abordagem agressiva, no mesmo dia o mundo de Charlie irá desabar após ser apanhado em flagrante em atitude suspeita com a animadora de festa Marsha, travestida de palhaço Gargalhada. Coincidentemente, a jovem é sua fã número um – em uma cena hilária, Marsha confessa para o seu ídolo que, ao acompanhar a sua carreira, deixou de lado a preocupação de se sentir inútil.         

No segundo ato ambientado no jardim da mansão, Ayckbourn criou uma espécie de tribunal para julgar o comportamento do protagonista. É um dos momentos mais interessantes do espetáculo, em especial pelo vigoroso desempenho do destemperado  advogado Hugo, que demole a versão montada por Simeão, advogado de Marsha, que acusou Charlie de atentado ao pudor, algo nitidamente exagerado. É um interrogatório terrível, com jogos de palavras que servem como armas para humilhar um dos personagens. Charlie pode ter saído vitorioso nesse embate, mas a sua descida ao inferno prosseguiu irreversível.    

Toda a trama transcorre em um cenário com uma metáfora evidente. Duas portas levam, supostamente, os personagens para uma torre, tão engenhosamente construída que chegar ao seu núcleo parece uma ilusão de ótica. Uma escadaria que conduziria para o alto faz desembarcar estranhamente no mesmo lugar. Ninguém sai desse plano. A trama ágil, precisa e falsamente alegre, preenchida por diálogos espirituosos, é defendida com energia e desenvoltura pelos atores. Rafael Maia incorpora um Charlie atirado no olho do furacão da noite para o dia,  o sujeito que acreditou em sua própria publicidade e no que as pessoas disseram sobre ele. Bia Borin interpreta uma Linzi ressentida e resignada que, apesar do talento, está presa ao papel anódino de esposa de celebridade. Em atuação intensa e divertida, Henrique Schaffer agiganta-se na pele do ardiloso advogado que vai de helicóptero até a mansão para destruir as acusações perpetradas por Marsha. Esta é vivida por Luciana Ramanzini, hábil em exibir facetas diversas de uma personagem emocionalmente frágil. Atriz de amplos recursos, Chris Couto instila um caráter manipulador à jornalista, que também acaba desacreditada, representante de um tipo de mídia cruel. Com boa presença em cena, Sérgio Rufino é o agente Jason, um profissional astuto que trabalha duro nos bastidores para alimentar o circuito dos famosos. O bom ator Eduardo Estrella faz o advogado egoísta de Marsha, contratado para urdir uma outra narrativa aos fatos. 

A peça se revela rica em estampar a natureza transitória da fama e o que acontece quando esta se evapora. Ayckbourn trata dos males da cultura da celebridade, daqueles indivíduos catapultados para um mundo de muito barulho por nada. Ou seja, todos aqueles sem uma personalidade forte, que se deixam consumir pela ilusão da glória. Um retrato hilariamente amargo e triste de um homem tosco que nunca teve realmente o domínio de sua vida.

 (Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Lígia Jardim)

 

Avaliação: Bom

 

Afogando em Terra Firme

Texto: Alan Ayckbourn

Direção: Eduardo Muniz

Elenco: Bia Borin, Chris Couto, Eduardo Estrela, Henrique Schafer e outros.

Estreou: 25/01/2013

Teatro Jaraguá (Rua Martins Fontes, 71, Centro. Fone: 3244-4380). Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 50. Em cartaz por tempo indeterminado.  

 

 

 

 

 

domingo, 19h. Ingresso: R$ 50. Em cartaz por tempo indeterminado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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