EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: O Camareiro

A história se passa no interior de um camarim de teatro. Em meio ao bombardeio alemão desencadeado na Segunda Guerra Mundial, uma companhia teatral em turnê pelo interior da Inglaterra se prepara para mais uma apresentação de Rei Lear, um dos maiores clássicos de Shakespeare. A casa está cheia e a estrela principal, um veterano ator que comanda com mãos de ferro a trupe, está à beira de um colapso nervoso e com a saúde debilitada. Quem cuida dele é o seu fiel camareiro, que se desdobra para atender às exigências de seu patrão, elevar seu ânimo, lembrá-lo de suas falas na peça, certificar-se de que o seu traje, peruca e maquiagem estão adequados.

Escrita, em 1980, pelo dramaturgo britânico Ronald Harwood, a trama se tornou conhecida no Brasil graças à versão cinematográfica realizada em 1983 por Peter Yates, traduzida aqui como O Fiel Camareiro, que trazia interpretações magistrais de Albert Finney (Sir) e Tom Courtenay (camareiro). Ao contar o drama desse grupo que viaja encenando  Rei Lear, Ricardo III e Macbeth, o autor detona uma série de reflexões sobre a dificuldade de se fazer escolhas, se vale a pena desistir de um projeto no meio do caminho, se uma missão deve ser levada a cabo mesmo diante de uma realidade absolutamente adversa. São alguns dos dilemas que atormentam a mente do protagonista, assombrado ainda pela lembrança de seus grandes papéis.

A eficiente montagem assinada por Ulysses Cruz sublinha um texto que requer equilíbrio entre os temas que desnuda em cena. A encenação sustenta a atenção do público durante quase duas horas e sutilmente não se deixa asfixiar apenas em torno das disputas entre o tirânico intérprete e seu irascível criado. A ênfase também recai sobre o poder da arte como antídoto à barbárie.

A escolha de Tarcísio Meira para o papel de Sir foi mais do que acertada. Com quase 80 anos de vida, a se completar em 5 de outubro próximo, e uma longa trajetória vitoriosa na televisão, ele estava afastado dos palcos há quase duas décadas – não encenava desde E Continua... Tudo Bem, que interpretou ao lado de Glória Menezes em 1996. Dono de grande presença cênica e voz meticulosamente impostada, ele encarna o tempestuoso e egoísta personagem transpirando magnetismo. Basta observar sua entrada em cena: cambaleante, Sir acabou de fugir do hospital, porque não queria perder a sessão daquela noite, e sua súbita aparição transfigura a atmosfera no camarim. Meira faz do sujeito no crepúsculo da carreira uma figura forte, embora vulnerável emocionalmente.

Na pele do dedicado camareiro, que morre de medo de perder sua posição privilegiada e em torno do qual giram os acontecimentos, Kiko Mascarenhas aciona as nuances exigidas pelo papel e exibe grande habilidade na organização do cenário. No desfecho tocante, ao ler a autobiografia de Sir e descobrir um fato que o desagrada, Mascarenhas faz aflorar o ressentimento do escudeiro, num registro desapegado de qualquer estereótipo.  

Em que pese o foco estar na interação entre estas duas criaturas, que não podem viver uma sem a outra, a peça abre espaço para o incisivo trabalho do restante do elenco. Competente e atenta, Karin Rodrigues dá vida a uma administradora do teatro. Chris Couto interpreta com vivacidade uma das atrizes da companhia. Karen Coelho passa verossimilhança na composição da aspirante à jovem atriz que acaba sendo enfeitiçada pelo experiente ator. Silvio Matos e Ravel Cabral mostram segurança em pequenas e pontuais intervenções.  

Em harmonia com a proposta cênica, a equipe técnica contribuiu decisivamente para o dinamismo do espetáculo. André Cortez elaborou cenário que franqueia ao público as vísceras do teatro, com seus camarins e coxia. É interessante acompanhar o conjunto de máquinas artesanais criada com o propósito, por exemplo, de fazer o vento soprar para simular tempestade durante uma sequência de Rei Lear. A iluminação de Domingos Quintiliano alterna claro e escuro, num bom efeito estético. A bela trilha sonora original, engendrada por Rafael Langoni Smith, pontua a ação, revezando tons melancólicos e festivos – as vinhetas e efeitos sonoros são realistas e fazem o espectador se sentir em um teatro durante ataque aéreo. Beth Filipecki e Renaldo Machado conceberam figurinos adequados, destacando-se as vestimentas de Rei Lear.  A dupla Rose Verçosa e Emi Sato assina o correto visagismo.    

Montagem vibrante, que escancara os bastidores de uma produção teatral e toda a complexidade que a envolve. O texto tece uma homenagem carinhosa e comovente ao teatro e a todos que dedicam suas vidas para o ofício – que ganha novas camadas por transcorrer numa época em que subir ao palco, em meio a uma guerra, era um ato de resistência e amor. Não só à frente das cortinas se encena uma história. Por trás das cortinas, outras tramas se desenrolam também.   

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Gal Opido)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Camareiro

Texto: Ronald Harwood

Direção: Ulysses Cruz

Elenco: Tarcísio Meira, Kiko Mascarenhas, Chris Couto, Karen Coelho, Silvio Matos, Ravel Cabral e Karin Rodrigues.

Estreou: 04/09/2015

Teatro Porto Seguro (Alameda Barão de Piracicaba, 740, Campos Elíseos. Fone: 4003-1212). Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 80 e R$ 100. Até 13 de dezembro.   

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