EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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DVD: Um Conto Chinês

Existem momentos em que as aparências contam mais do que a realidade em si.  É o que ocorre entre o chinês Jun (Huang Sheng Huang) e o lojista argentino Roberto de Cezare (Ricardo Darin) neste filme do diretor Sebastián Borenzstein. Presos numa armadilha surrealista, ambos são obrigados a conviver, ignorando quem é o outro. Tal como o ocorrido em seu país, Jun cai na vida de Roberto, por obra do acaso. E terão, a partir daí, de viver por vias tortuosas, tolerando-se mais do que convivendo.

Esta forma de convivência forçada é o que dá sentido ao longa, motivado supostamente por um caso real. Um daqueles incidentes registrados pela mídia e a crônica policial uma vez a cada milhão de anos. Mas dotado de realismo fantástico suficiente para manter vivo o inusitado ficcional. Porém, não se dá na América Latina, mas na China. É a partir daí que Borenzstein coloca em cena o jovem chinês apavorado, clamando por proteção, e o ex-soldado argentino nas Malvinas, colérico, solitário, lutando para afastar dele qualquer ser humano.

É isto que interessa ao diretor/roteirista, não a busca desesperada de ambos para localizar o parente de Jun em Buenos Aires. As perambulações pela comunidade chinesa, a embaixada, um e outro imigrante asiático são meros recursos para matizar a relação forçada entre Jun e Roberto. Cria-se, assim, um tout force, um embate entre dois personagens de origens, culturas e personalidades tão adversas, que Jun está mais para ET e Roberto para um assustado eremita. Permitindo, desta forma, um instigante choque de estilos de interpretação e contextualização cultural.

Borenzstein constrói a relação entre ambos numa teia que se monta devagar. Jun tentando se localizar numa cidade e país estranho, sem falar castelhano. Roberto lutando contra desconhecidos sons em cantonês, para entender o que se passa com o asiático. Aos atropelos vão se entendendo, às vezes Roberto se impondo, noutras Jun mostrando sua fragilidade. As diferenças culturais confirmam estranhamentos: a comida exótica para Roberto tem o mesmo sentido para Jun. A bem elaborada sequência do chouriço bem o demonstra. O natural é apenas o que conhecemos.  

Através das mútuas descobertas a contemporaneidade se impõe. Ao ver-se Jun enredado em situações insustentáveis percebe-se o estreitamento dos espaços geográficos. A China está a um vôo de avião ou um atravessar de oceano. Os milhares de quilômetros desaparecem. O que leva Jun à Argentina foge a seu controle, lá permanecer foi garantido pelo deslocar de seu povo até a América Latina. É quase como se fosse: sou do espaço onde estou, mantidos traços físicos e culturais.

Para o irritadiço Roberto, curtido nas frustrações da derrota para a Inglaterra, o estrangeiro é verdadeiro intruso. Só mesmo por questões humanitárias o aceita. Nada nele vê, além de estorvo, alguém de quem deve se livrar, antes que sua vida perca o antigo equilíbrio. Nem Mari (Muriel Santa Ana), seu caso amoroso em potencial, rompe esta couraça. Menos ainda pode-se classificá-lo como pequeno burguês, interessado em acumular fortuna. Quando muito se insurge contra seus fornecedores por vender-lhe material em quantidade menor do que a especificada. E encontra no fragilizado Jun alguém para descarregar suas neuroses.

Como corre neste tipo de filme, mais centrado nos personagens que na ação, o diretor  se vale de seus atores, para manter o interesse do espectador. Huang Sheng Huang traduz o impacto de seu país, hoje, na geografia político-econômico-cultural, como segunda economia do planeta. Mostra para Roberto, travando com ele verdadeira luta de classe, suas qualidades, deixando sua marca nas paredes da casa do argentino.

Com grande esforço, Roberto divide com ele seu cotidiano. Entretanto, só o capta depois desta convivência. Tinha-se doado ao outro, sem o perceber. A passagem do estrangeiro pela vida de Roberto retira dele a couraça enferrujada, curtida em anos de cotidiano repetitivo, sem brotar nele qualquer indício de flexibilidade. Jun lhe dá o sentido e a validade do outro, a necessidade de apoiar-se nele e redescobrir-se. Vivendo de memórias, não as suas, mas as do pai, Roberto centra sua vida em fatos bizarros. Ele não é ele, é o pai, os recortes de jornais com fatos surreais que ficariam bem numa tela de Salvador Dalí. A cada frustração por Jun não ter encontrado o parente, ele, ao invés de ver-se derrotado, vai encontrando-se sem perceber.

Em “filmes de personagens” é comum centrar a ação nos confrontos, na luta encarniçada pelo objetivo, ignorando o senso humano. Às vezes, consegue-se fugir a este clichê: Peter Glenville, em Becket, O Favorito do Rei. Borenzstein segue a mesma trilha. Roberto tenta livrar-se de Jun, até ver-se nele. Sua couraça então se rompe, ele se redescobre como ser humano, abrindo espaço para Mari. Como se Jun lhe retribuísse a solidariedade e ele pudesse tornar-se não outro, quando muito mais próximo dos que lhes devolveram a humanidade. Assim, Borenzstein foge das falsas diferenças.
(Cloves Geraldo, do site Vermelho)

(Foto Divulgação) 

 

Um Conto Chinês

Título Original: Um cuento chino(Espanha / Argentina, 2011)

Gênero: Drama, 93 min

Direção: Sebastián Borenzstein

Elenco: Ricardo Darin, Huang Sheng Huang e Muriel SantaAna.

Distribuidora: Paris Filmes

 

Veja trailer do filme:

 

 

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