EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Folias Galileu

Os espectadores são recepcionados por uma polida anfitriã. Minutos após, eles irão protagonizar um inusitado passeio pelos recônditos do teatro, como o banheiro, a portaria, o café, os camarins, sala de figurinos. Até a rua e o boteco do outro lado fazem parte do périplo. Dividido em pequenos grupos, o público travará contato com figuras do clero e da aristocracia, cientistas, discípulos, opositores intelectuais, familiares, cada qual oferecendo um ponto de vista sobre o físico e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642). Em catorze esquetes, você irá escutar uma série de personagens falando sobre o homem que, amparado em suas observações de seu telescópio, acredita que a Terra gira em torno do Sol. Por conta dessa explosiva teoria, é perseguido pela Igreja Católica e acaba renegando os seus estudos científicos – na mentalidade reinante à época, todos os que discordavam das idéias aprovadas e difundidas pela Igreja Católica eram condenados. O caleidoscópio de opiniões, teses e antíteses é a substância que adensa e move o instigante espetáculo encenado pelo Grupo Folias.

Fruto da colaboração da trupe, a dramaturgia lapidada por Rafaela Penteado e Heloísa Cardoso é inspirada na famosa peça do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. A estrutura das cenas do texto original foi preservada, embora não sejam as mesmas. A companhia preferiu tergiversar a abordagem convencional e insuflar uma montagem itinerante que valorizasse uma narrativa mais multifacetada. Nesse sentido, a trama funciona como uma espécie de quebra-cabeça, cabendo ao espectador o papel de urdir sua visão dos fatos a partir do itinerário que seguiu – dependendo do caminho escolhido, sua percepção dos acontecimentos estará sujeita a novas leituras. Um personagem mais próximo ou mais distante, um som que vaza de uma cena para outra, tudo serve para construir ou desconstruir, rever, repensar, recriar a história. A direção inventiva, compacta e detalhista de Dagoberto Feliz explora de forma convincente esse rol de perspectivas.

O elenco de 23 atores exibe grande domìnio cênico e poder de concentração, afinado na proposta de desembalar mais perguntas do que respostas. Alguns intérpretes se destacam individualmente. Bete Dorgam transborda carisma na pele de uma irônica religiosa. Carlos Francisco representa com desenvoltura um sujeito que, ao manipular de maneiras variadas um balde e uma vassoura, prova que os dois objetos podem adquirir funções e significados outros, como defendia Galileu. Em cena curiosa, no interior do banheiro, um amargurado e invejoso padre astrônomo, performance sinuosa de Flávio Tolezani, reconhece os méritos do cientista, mas precisa encaminhar um processo contra os seus estudos. Quem irá acolher o documento é o representante da Inquisição, interpretado por Dagoberto Feliz, que o transforma em um sujeito sombrio, sarcástico e fanático, defensor do conceito de que as fogueiras são um mal necessário. Bira Nogueira incorpora Federzoni, personalizando o operário-oculista colaborador do cientista que, em sua oficina de trabalho, passa o tempo resmungando.  

Governanta na casa de Galileu e mãe do menino Andréa, a personagem Dona Sarti desponta em duas cenas. Na primeira, interpretada com competência e segurança por Nani de Oliveira, ela prepara um assado, enquanto discorre sobre o telescópio e revela a admiração de seu filho pelo patrão. Na segunda, a atriz Gisele Valeri, em hábil desempenho, desfia sua fala em um italiano impecável – ela reclama, por exemplo, da obsessão do cientista pela limpeza do laboratório e da sua preferência em gastar mais com livros do que com o leite. Outra figura diluída em duas sequências é Virgínia, filha do astrônomo. Em um quarto, ela mostra o vestido de noiva e revela a solidão do pai após a sua opção de renegar a sua teoria. É uma composição delicada de Kátia Naiane. Na bilheteria, tornada confessionário, e em uma divertida incursão pela rua que envolve até os freqüentadores de um boteco, é uma jovem enlouquecida pelo receio de que Galileu possa ser queimado na fogueira. A atriz Suzana Aragão infunde energia e ansiedade ao papel.

A parte técnica não deixa a desejar. Criados pelos integrantes do grupo, os figurinos são criativos e adequados. Na cenografia, Bira Nogueira soube explorar com maestria as possibilidades cênicas da sede da companhia. Marcela Donato também caprichou nos adereços. A luz de Lui Seixas contribui para instaurar a atmosfera de sutil suspense e tensão que permeia a trama. Mesmo exibindo desequilíbrio em alguns momentos, com um e outro monólogo ainda pesado, trata-se de um espetáculo que extasia, envolve e inquieta. E que expõe em cena questões importantes como o compromisso do homem para com a sua obra e para com a sociedade em que vive.

(Vinício Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo     

 

Folias Galileu

Dramaturgia: Rafaela Penteado e Heloísa Cardoso

Direção: Dagoberto Feliz

Elenco: Bete Dorgam, Ailton Graça, Gisele Valeri, Nani de Oliveira, Flavio Tolezani e outros.

Estreou: 13 de abril de 2013

Galpão do Folias (Rua Ana Cintra, 213, Santa Cecília. Fone: 3361-2223 / 3333-2837). Sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 10 a R$ 40. Até 01 de junho de 2014.

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