EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Um Violinista no Telhado

O tema central, embutido nesse cativante musical, é a desintegração das antigas tradições sob o impacto das mudanças sociais e políticas no interior das chamadas famílias comuns. Ambientada na conturbada Rússia czarista do fim do século 19 e início do 20, a trama de Joseph Stein flagra a rotina de Anatevka, uma simplória comunidade em processo de ruptura de valores e princípios. Uma das tradições em evidente dissolução é a dos casamentos arranjados, como descobrem, aturdidos, o leiteiro judeu Tevye (José Mayer) e sua mulher Golda (Soraya Ravenle). Suas três filhas moças irão renegar os maridos impostos, assumir outros romances e protagonizar seus próprios destinos – uma prefere o alfaiate pobre, a outra se apaixona por um revolucionário e a terceira pretende fugir com um não-judeu. Não sem relutar, os pais serão obrigados a reconhecer a liberdade e os novos ventos de modernidade que sopram ali. Se no âmbito familiar os rituais se despedaçam, no circuito externo o tecido se esgarça de vez porque um decreto do Czar obriga todos os judeus a abandonarem o lugar, numa prévia da violência a que este povo será submetido anos depois durante o regime nazista na Europa.

Inspirada em tradicionais contos judaicos de Sholom Aleichem, com músicas de Jerry Bock e letras de Sheldon Harnick, a história aterrissou na Broadway (1964), voou para as telas de cinema (1971) e se consolidou como clássico. No Brasil, foi montada pela primeira vez na década de 1970, estrelada por Oswaldo Loureiro e Ida Gomes, e agora ganha versão irrepreensível pelas mãos da dupla Charles Moeller e Cláudio Botelho, este responsável pela competente tradução da obra. O que o enredo ilustra é justamente o choque entre uma geração que se alimenta do passado e uma nova que se rebela contra os antigos costumes, pondo em risco a existência desse remoto e austero povoado judaico. Não à toa, em uma das cenas mais pungentes, Tevye pergunta a Deus o que ele deve fazer. O espetáculo, é bom ressaltar, não desliza pela discussão sociológica. Toda a abordagem é feita de forma suave e bem humorada. O leiteiro, por exemplo, conversa com Deus como se Ele fosse um de seus vizinhos.

A vigorosa e sedutora encenação exibe acabamento requintado em todos os seus detalhes. A direção de Moeller é fluída e deixa a história se impor sem precisar criar artifícios desnecessários. Os 160 figurinos de época desenhados por Marcelo Pies, com tecidos de tonalidades sóbrias, são belos, detalhistas e adequados. Recriadas por Janice Botelho, as elaboradas, difíceis e impactantes coreografias, originalmente compostas por Jerome Robbins, é um dos pontos altos do espetáculo. Rogério Falcão, responsável pelas nove trocas de cenário, concebeu uma estrutura emoldurada com madeira rústica – as casas da aldeia, instaladas nas laterais do palco, desaparecem quando a ação se desloca para o interior. Várias plataformas verticais deslizam por trilhos que se movimentam levando os personagens para vários ambientes. Os detalhes impressionam. Uma estação ferroviária, com um trem que cruza o horizonte sob o despertar do sol, exala belíssima plasticidade. A luz de Paulo César Medeiros é sensível na criação dos climas de cada cena. À frente da direção musical, Marcelo Castro extrai ótimo rendimento da orquestra de 14 músicos, regida por Marcio Telles. Ao longo do espetáculo é notório o cuidado que a produção teve de representar os hábitos e costumes judaicos com bastante precisão.  

O elenco reunido é magistral. Debutando no teatro musical, José Mayer interpreta, canta e dança com desenvoltura, conferindo brilho a um personagem que dialoga com Deus e se equilibra entre a força da tradição e a irrupção do novo. Com o mesmo grau de carisma e técnica refinada, Soraya Ravenle solta a bela voz ao interpretar uma personagem que se destaca pela língua ferina. Experiente em musicais brasileiros (Ópera do Malandro e Sassaricando, entre outros), crava estréia em grande estilo em um musical internacional. Júlia Fajardo (Chava) e Germano Pereira (Fyedka), Rachel Rennhack (Tzeitel) e André Loddi (Motel), Karina Mathias (Hodel) e Nicola Lama (Perchik), os três jovens casais do enredo, oferecem desempenhos cheios de energia e vibração. A casamenteira Ada Chaseliov, mesmo em papel pequeno, valoriza sua participação com performance irresistível. Silvio Boraks, com sua pequena estatura, arranca gargalhadas na pele do rabino craque em pronunciar provérbios óbvios. Na montagem paulistana, ingressaram dois atores veteranos, Luiz Carlos de Moraes (Chefe de Polícia) e Sylvio Zilber (o açougueiro Lazar Wolf). O segundo foi protagonista em versão do mesmo texto levada aos palcos em 1992 por Iacov Hillel. Trata-se de um espetáculo impecável, que diverte e emociona na mesma freqüência, ratificando mais uma vez o agudo nível alcançado pelas produções de musicais no Brasil. O público nem percebe as quase três horas de encenação.

(Vinício Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Guga Melgar)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Violinista no Telhado

 

Texto: Joseph Stein

Adaptação: Cláudio Botelho

Música: Jerry Bock                                                                                                                 

Direção: Charles Moeller

Elenco: José Mayer, Soraya Ravenle, Luiz Carlos de Moraes e outros

Estreou: 16/03/2012

Teatro Alfa (Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Jardim Dom Bosco. Fone: 5693-4000). Quinta a sábado, 21h; sexta, 21h30; domingo, 17h. Ingresso: R$ 40 a R$ 200. Até 15 de julho.

 

Veja cenas do espetáculo:

 

 

 

 

 

 

 

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