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Teatro: A Lua Vem da Ásia (RJ)

Nesta peça de Campos de Carvalho, o narrador-personagem não pode mudar o mundo. Inconformado com o funcionamento das coisas, sua luta será para preservar a sua individualidade em meio ao caos da existência. O que ele quer é o direito, simplesmente, de ir e vir, de ser livre e dar asas à sua fértil imaginação. Sua trajetória pode ser descrita como a de um louco num mundo ilógico ou de alguém que não consegue se libertar da infância. O monólogo estrelado por Chico Diaz capta e expressa a prosa em fragmentos deste escritor mineiro (1919-1998) pouco conhecido e eventualmente encenado. Publicado em 1956, trata-se do diário de um homem chamado Astrogildo, que assume uma legião de criaturas ao longo de sua rocambolesca jornada, iniciada aos 16 anos com o assassinato de seu professor de lógica em legítima defesa. A partir desse desconcertante episódio, o personagem, que se acredita estar refugiado em um hotel de luxo, depois num campo de concentração e, por último, num manicômio, enveredará por geografias inusitadas e surpreendentes. Neste tresloucado percurso, irá desdobrar-se em mil atividades. Como viver sob uma ponte do rio Sena, embora nunca tenha estado em Paris, cruzar o deserto na companhia de um casal de borboletas, conquistar o segundo lugar num concurso para coveiros na Bolívia, caçar elefantes na África, traduzir Virgílio para o alemão, ser colunista social, negociar diamantes falsos, abrir prostíbulo e até virar mulher, recrutado para trabalhar no harém de um sultão em Marrocos.  

Campos de Carvalho (O Púcaro Búlgaro) segue um princípio de Machado de Assis que afirmava existirem mais loucos fora do que no interior dos hospícios. Seu texto é uma avalanche de relatos sem conexão entre si, reflexões descontínuas e acontecimentos fantásticos, tudo num curto espaço de tempo. Sem ordem cronológica tradicional,  divide-se em capítulos ou episódios independentes. Ou seja, o embaralhamento é proposital e faz parte da proposta incomum. O público habituado a narrativas lineares deve estranhar esse universo regido pela lei do absurdo, temperado pelo surreal e embalado por humor ácido e nonsense. “Fui ao médico e ele me perguntou: O senhor tem fígado? Tinha, respondi, quando era criança; agora já nem sei mais, a vida tem me roubado tanta coisa!“, diz a certa altura o personagem, em melancólica ironia. O espectador, na verdade, chega a se atordoar frente ao peculiar niilismo do autor. Assinada por Moacir Chaves, a montagem vence o desafio de transpor para o palco uma obra literária narrativa destituída de ação física. O diretor não se deixa fascinar pelos efeitos e truques fáceis de uma história levada por um suposto louco. Às vezes, no entanto, revela dificuldades em dar conta dessa enxurrada de informações aparentemente aleatórias, dessa alternância entre passado e presente e do fluxo mental do próprio personagem. É uma encenação que desliza lentamente, na contramão da velocidade dos fatos, reminiscências e desvarios.             

É impressionante a performance de Diaz na pele desta figura algo ingênua, dividida e confusa que vaga pelo mundo, não acredita em Deus e flerta com a morte. O ator desvia-se dos clichês e tiques óbvios tateando com brilho e maestria pelas mais delirantes, doloridas e intrigantes experiências vivenciadas pelo personagem. Um desempenho orgânico, que parece roçar a exaustão física e psicológica. Até mesmo a perspectiva de um tom melodramático ou apelo ao humor fácil são sumariamente neutralizados pela atuação carregada de nuances e matizes. É uma interpretação que dialoga com projeções de vídeo que reiteram a torrente de idéias, palavras e raciocínios. A platéia é fisgada aos poucos. A bela iluminação, a onipresente trilha sonora e a versátil cenografia estão a serviço das situações expostas. Sensível, irônico e pungente, o espetáculo se esforça em dar teatralidade a um texto de certa complexidade sobre as incertezas e incongruências da vida, a necessidade de se criar artifícios para sobreviver em uma realidade hostil. Como lembra o personagem, no prólogo acrescido ao original, vive-se hoje em um estado de angústia que persegue o homem até durante o sono. Ou como afirma no epílogo, transpirando sarcasmo, durante dia e noite estamos irremediavelmente cercados de tolos e tiranos.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )                                                                      

(Foto: Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

A Lua Vem da Ásia

Texto: Campos de Carvalho

Direção: Moacir Chaves

Elenco: Chico Diaz

Estreou: 06/01/2011

Teatro Sesi (Avenida Graça Aranha, 01, Centro. Fone: 21.2523-4163). Sexta a domingo, 19h. Ingresso: R$ 40. Até 25 de setembro.

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