EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Ricardo III (RJ)

Não é à toa que a cenografia plagia uma sala de aula. Como se fosse aluno, o espectador está acomodado para assistir a uma palestra. Na lousa, estão registrados nomes de vários personagens e suas ligações familiares e de conveniências. Outros ainda serão acrescidos, ao longo da encenação. Em linguagem coloquial, o ator Gustavo Gasparani esmiúça os eventos em torno da dinastia Plantageneta, que reinou por três séculos na Inglaterra. A linhagem divide-se entre os ramos York (simbolizado pela rosa branca) e Lancaster (rosa vermelha), ambos engolfados em feroz disputa pelo trono inglês. Numa relação direta e didática, o intérprete desenvolve o relato para este simulacro de classe. Ou seja, o espectador/aluno é estimulado a interagir ativamente e mergulhar no rol dos acontecimentos descritos. A arrojada proposta leva a assinatura do diretor Sergio Módena, que no ano passado trouxe aos palcos paulistanos o elogiado espetáculo A Arte da Comédia.  

O que esta cativante montagem desprende é uma leitura despojada, informal e inovadora da tragédia do rei Ricardo III, um dos mais populares textos do dramaturgo inglês William Shakespeare. Sozinho no palco, Gasparani incorpora 27 personagens, pinçados entre os mais de sessenta da obra original. Ele assume tal missão intricada com desembaraço, carisma, bom humor e um punhado de aptidões técnicas. A moldura intencional de uma aula de história, com espaço inclusive para uma sessão de perguntas e respostas, de maneira alguma incomoda. Ao contrário até, porque o formato empregado afronta a rigidez com que muitas vezes os clássicos são enfrentados. Além de romper um possível caráter solene e circunspecto, a concepção aqui é cristalina – simplificar a compreensão do enredo, o que não significa cometer o pecado do reducionismo. O expediente se mostra perspicaz para lidar com uma trama que se alimenta de dezenas de personagens, duas guerras, ciladas e uma espiral de assassinatos. Certa diluição até existe, nada temerário, mas o grau a menos de vigor e um suave deslize para o registro farsesco não chegam a comprometer a adaptação. A direção consegue reger a ousadia da leitura ao mesmo tempo em que presta reverência à criação shakespeariana.

É surpreendente como a linguagem adotada dá conta da complexidade da obra, evitando que ela se amesquinhe ou vire pó. Estão integralmente intactos o contexto histórico e a trajetória voraz do monarca, uma figura cruel que, assolada pela ambição desmedida em sua escalada ao poder, promove um banho de sangue ao aniquilar adversários e tecer uma rede de intrigas. Com atuação prodigiosa, prosa certeira e calibrada movimentação cênica, Gasparani empenha mínimos recursos de voz e interpretação para compor o rei coxo e amoral. Exibe força suficiente ainda para encarnar, sem cair no estereótipo ou caricatura, uma série de outros personagens masculinos e femininos, de diversificados perfis, além de narrar a aventura. Num eixo entre o delicado, o exasperante, o cômico e o pueril, sua performance se escora em pequenos detalhes. Para interpretar Lady Anne, cujo marido e pai foram mortos por Ricardo, ele usa echarpe. Uma criada que trabalha no palácio fala com dicção nordestina. Na hora de entrar na pele do conde Stanley, que veio do sul, emprega sotaque gaúcho.    

Calçada em soluções bastante inventivas, a encenação é pontuada por imagens simbolicamente poderosas, que afloram no cenário absolutamente clean concebido por Aurora dos Campos. Canetas pilot, por exemplo, são utilizadas para representar tanto os filhos pequenos de Elisabeth e Edward IV, que acabam aprisionados em uma torre, quanto soldados em campos de batalhas, em embate violento sobre uma mesa. A torre de Londres se materializa por meio de um spot virado para cima. Lúdica, a montagem faz estável travessia pela representação e narração, sem descuidar do âmago da peça.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Nil Caniné)

 

Avaliação: Ótimo

 

Ricardo III

Texto: William Shakespeare

Direção: Sergio Módena

Elenco: Gustavo Gasparani

Estreou: 09/04/2015

Teatro Café Pequeno (Avenida Ataulfo de Paiva, 269, Leblon. Fone: 21. 2294-4480). Sexta a domingo, 20h. Ingresso: R$ 20. Até 25 de setembro. 

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