EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Chacrinha, o Musical

Trata-se de uma deliciosa homenagem a um dos nomes mais populares da televisão brasileira, José Abelardo Barbosa de Medeiros (1917-1988), notabilizado como Velho Guerreiro. Na pele desse personagem iconoclasta, vestido com figurinos extravagantes e uma estridente buzina pendurada no pescoço que aterrorizava os calouros, ele eternizou bordões como “na televisão nada se cria, tudo se copia”, “quem não se comunica se trumbica”, “eu não vim para explicar, vim para confundir”. Mais do que celebrar um mito, a montagem é uma inebriante viagem por uma das mais férteis épocas (1970 e 1980) da música popular brasileira. Tudo embalado em uma superprodução de 12 milhões de reais, elenco de 23 atores e nove músicos.

Escrito a quatro mãos, o texto convencional de Pedro Bial e Rodrigo Nogueira segue a cronologia da vida do homenageado, embora cometa a pequena ousadia de criar situações em que o criador (Abelardo Barbosa) e a criatura (Chacrinha) conversam entre si. A peça navega nesse leito seguro ao emaranhar episódios biográficos, momentos líricos e pura celebração ao personagem. A fórmula funciona e resulta em um espetáculo agradável de ver, assinado por Andrucha Waddington, diretor de cinema que estréia na direção teatral.  

A obra se desdobra em dois atos. No primeiro, o jovem pernambucano Abelardo Barbosa (Leo Bahia) cresce influenciado por uma figura popular da literatura de cordel e exercita sua criatividade ao trabalhar nos negócios da família. Após abandonar o curso de medicina, acaba seguindo por acaso para o Rio de Janeiro, onde dá seus primeiros passos, como comunicador de massa, ao descolar emprego de radialista na rádio Tupi (1939).

A emocionante passagem do bastão de Abelardo para Chacrinha (Stepan Nercessian) marca a transição para a sequência seguinte. O segundo ato se concentra praticamente no Cassino do Chacrinha, programa que ele apresentou na televisão, em especial na Rede Globo, até morrer de câncer no pulmão. Com atmosfera apoteótica, desfilam pelo auditório as inesquecíveis chacretes, o amalucado ajudante de palco Russo, os exóticos jurados, uma fauna de artistas. O troféu abacaxi é oferecido aos aspirantes a cantor e pacotes de bacalhau são jogados para a platéia. Até o público interage – duas arquibancadas montadas no palco são reservadas aos espectadores que optarem pela experiência. 

A direção de Waddington imprime fluidez ao espetáculo, que transcorre sem maiores percalços, e as marcações estabelecidas garantem o dinamismo adequado à movimentação cênica do enorme grupo reunido. O diretor tem o mérito de reproduzir à perfeição no palco a atmosfera de caótica alegria da atração comandada por Chacrinha que, entre outras bizarrices, promovia concursos como o dos cães mais pulguentos do País.

Sobra empolgação ao elenco. Com carreira ainda incipiente, Leo Bahia mostra vitalidade no desempenho do jovem Abelardo. Ele exibe bons recursos de interpretação, tem carisma e sua performance não soa artificial. O ator foi revelado dois anos atrás em uma montagem universitária da comédia musical americana The Book of Mormon, sucesso de público e crítica nos palcos cariocas. Em atuação preciosa, Stepan Nercessian impressiona na composição de Chacrinha, ao reviver a voz ligeiramente rouca, o andar compassado e o tique de ajeitar os óculos sempre com a mão direita.

Os demais cumprem com correção os seus papéis, que não requerem muitos esforços de interpretação e canto. Vale ressaltar alguns nomes. Erika Riba distingue-se como Florinda, a mulher em sua fase mais madura do Velho Guerreiro. Em esfuziante participação, Livia Dabarian encanta na pele de Rita Cadillac, a chacrete que já virou lenda. Na composição de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Saulo Rodrigues demarca o temperamento difícil e intransigente do ex-poderoso executivo da Rede Globo – ele foi responsável pela contratação do Velho Guerreiro em 1967, sua demissão em 1972 e reconvocação em 1982. O duelo verbal entre os dois é um dos pontos altos da montagem.

Visualmente, o trabalho é deslumbrante. Os 34 cenários de Gringo Cardia reproduzem poeticamente a estética do cordel, no primeiro ato, e a ambientação psicodélica observada na reprodução fiel de um auditório de televisão, com destaque para objetos infláveis como bananas e peitos gigantes. Cláudia Kopke assina o conjunto de quinhentos figurinos, caracterizado por peças de luxo e brilho. A iluminação de Paulo César Medeiros é eficiente. O alvoroçado caldeirão sonoro criado por Delia Fischer, que responde pelos arranjos e direção musical, reúne mais de sessenta canções do repertório regional e pop. Passam pelo cassino artistas tão díspares como Sidney Magal, Ney Matogrosso e Titãs – em estilo carnavalizado, todas as interpretações são intencionalmente caricatas. As coreografias de Alonso Barros ganham ares festivos, principalmente nas sequências em que as chacretes invadem a plateia.

O musical não ignora fatos marcantes na vida de Chacrinha, como o acidente com o filho Nanato, ex-marido da cantora Wanderléa, que ficou tetraplégico nos anos 1970 após mergulhar numa piscina. A bipolaridade do apresentador, muito alegre frente às câmeras, mas irritadiço e disparando palavrões fora da tela, está presente no enredo. No entanto, o seu temperamento perfeccionista é pouco esmiuçado e um dado embaraçoso de sua trajetória artística some por completo – ele era acusado de negociar a presença de alguns artistas no programa que, em troca, tinham de se apresentar gratuitamente nos shows que pilotava pelo Brasil. Pontuais dissonâncias em uma montagem que produz catarse no público saudosista.    

 (Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Chacrinha, o Musical

Texto: Pedro Bial e Rodrigo Nogueira

Direção: Andrucha Waddington

Direção Musical e Arranjos: Delia Fischer

Elenco: Stepan Nercessian, Leo Bahia, Stephanie Serrat, Erika Riba e outros.

Estreou: 27/03/2015

Teatro Alfa (Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Jardim Dom Bosco. Fone: 5693-4000). Quinta, 21h; sexta, 21h30; sábado, 16h e 20h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 50 a R$ 180. Até 26 de julho.

 

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