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Teatro: Ridículos Ainda e Sempre

O mundo do poeta russo Daniil Kharms (1905-1942) é imprevisível, desordenado e nada linear. Precursor do futurismo, movimento artístico do início do século passado,  ele  constrói enredos que não necessariamente começam de algum lugar e chegam a parte alguma. São pequenas tramas que flertam com o absurdo, realçam a estranheza dos acontecimentos cotidianos e cultuam o inusitado da vida. A montagem levada aos palcos pelos Parlapatões, em comemoração aos vinte anos de estrada de uma das mais prestigiadas companhias da cena teatral brasileira, adiciona irreverência, improviso e ingredientes circenses ao universo surrealista do autor. Não se trata de um espetáculo de riso desbragado. O humor servido é fino e sutil o suficiente para abrir frestas para algum tipo de reflexão. Morto pela ditadura stalinista por ter sido considerado subversivo, Kharms passeia por situações aparentemente desconexas, desprovidas de causa e efeito e não subservientes ao padrão de se narrar com começo, meio e fim. Quando uma história tem início, ela pode ser bruscamente interrompida por conta de alguma reviravolta ou imprevisto. Sob a camada mais visível do que se vê, esconde-se uma crítica cortante às arbitrariedades políticas da época do autor, aos rituais da sociedade, aos paradoxos do destino e à irracionalidade do comportamento humano.                          

Numa interpretação mais abrangente, o poeta celebra a falta de sentido da existência humana e o desejo que as pessoas nutrem por um significado em suas vidas. Nada disso, no entanto, é vazado de forma melancólica ou pessimista. Kharms explora o nonsense sem um pingo de resignação e os Parlapatões tratam de adorná-lo sem cerimônia. Há sequências como um homem todo espetado de seringas que impede que outros dois assistam televisão, em cujo interior arde uma vela. Em outro momento, um jantar preparado com capricho é literalmente estragado pela visita inesperada de um personagem que discute como seria se no lugar do cabelo crescesse arames de cobre. Numa cena, enquanto duas pessoas curtem um banho de sol, ao lado deles um mendigo é incendiado – aqui, o riso inicial é substituído pelo desespero. Em uma bela sequência, com janelas que se abrem e ilustram a narração, é desfiada a trama de três figuras que se encontram tempos depois e desconhecem as ligações do passado.  Um homem que carrega um maço de flores, pisa em cocô de cachorro e, por uma série de ações desencontradas, acaba se sujando inteiro, rende boas gargalhadas. Narrada, a história de um homem ruivo que não tinha olhos, orelhas, nariz, braços, pernas e outros órgãos é uma crítica ácida à tradição descritiva.

O que o espetáculo levado pelos Parlapatões consegue é equilibrar porções de lirismo, irreverência e anarquia, uma fusão de linguagens que há muito a trupe persegue e aqui parece mais resolvida. Com este texto provocativo, que emaranha cenas fantásticas e de ímpeto realista, é quase inevitável a comparação com o universo do escritor tcheco Franz Kafka. Especialmente a sequência em que um sujeito perde a mulher e não consegue enterrá-la, enredado que está nas teias da corrupção para legalizar a certidão de óbito. A diferença é que, ao observar o cotidiano, Kharms prefere rir da vida e rejeita qualquer registro de angústia. Por vezes, durante a encenação, o nonsense e o absurdo ficam sobrecarregados e encaixotam as idéias, comprometendo os efeitos das reflexões. Uma saída poderia ser a condensação dos quadros em um tempo mais palatável, o que favoreceria também o ritmo. Trata-se, enfim, de uma montagem alicerçada numa questão cara ao autor, a de não saber se a lógica da vida pode servir para a arte.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )                                                        

(Foto Lucas Arantes)

 

Avaliação: Bom

 

Ridículos Ainda e Sempre

Texto: Daniil Kharms

Adaptação: Antonio Abujamra e Hugo Possolo

Direção: Hugo Possolo

Elenco: Hugo Possolo, Raul Barretto, Jaqueline Obrigon, Abhiyana e Hélio Pottes

Estreou: 11/09/2011

Espaço Parlapatões (Praça Roosevelt, 158, Consolação. Fone: 3258-4449). Sexta, 24h. Ingresso: R$ 30. Até 23 de março de 2012.           

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