EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

  • Font size:
  • Decrease
  • Reset
  • Increase

Cinema: A Caça

O explosivo tema da suposta inocência infantil, ou o poder das palavras e sua repercussão, é o motor do vigoroso filme do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg, um dos nomes, ao lado do compatriota Lars Von Trier, que assinaram o Dogma 95. O movimento, hoje esfarelado, pregava um cinema mais realista e menos comercial, com uma série de restrições ao uso de técnicas e tecnologias. Ele estreou com o incendiário Festa de Família, que desnudava a hipocrisia de uma reunião familiar feliz na qual um dos filhos expôs o abuso sexual que sofrera do pai na infância.

Nesta atual produção, que no ano passado perdeu a Palma de Ouro em Cannes para Amor, de Michel Heineke, o cineasta radiografa uma pequena e aprazível cidade dinamarquesa que destrói um homem acusado de pedofilia. Ele é Lucas, um homem com vários amigos na comunidade, respeitado e amoroso professor de jardim de infância (Mads Mikkelsen, em desempenho sóbrio e contido), que sem encontra em processo de reconstrução da vida após um divórcio conturbado. Sua ótima reputação irá desmoronar no momento em que uma de suas alunas, a frágil e problemática Klara (Annika Wedderkopp), filha de seu melhor amigo, inventa para a diretora da escola que Lucas teria exibido para ela suas partes íntimas. Uma onda de histeria coletiva se desenha a partir daí, recheada de relatos e maledicências nada consistentes e incongruentes sobre outros supostos desvios amorais do acusado.

Em determinada circunstância, sentindo-se rejeitada pelo professor, alvo de suas carências, Klara criou uma história imaginosa, que ela praticamente esquece no momento seguinte. No fundo, ela acaba sendo vítima de suas próprias fantasias. Dias antes ela vira involuntariamente uma cena pornográfica no tablet do seu irmão adolescente exibicionista e escutou do próprio um comentário sobre “pipi apontado para o alto”. A tal frase será repetida pela menina, o que irá deflagrar as desconfianças dos habitantes, solidários com a pequena e sua família, e a escalada de acontecimentos devastadores. Embora todos conhecessem Lucas e sabiam tratar-se de uma pessoa generosa e íntegra, ele será gradativamente esmagado pelo rolo compressor.Pais aconselhados a procurar sinais de trauma em seus filhos começam, de repente, a vê-los em toda parte.          

Cruel e sufocante, o filme se desenvolve sob tensão constante e quase insuportável, expondo a cegueira geral da comunidade, sem roçar no dramalhão deslavado, caso adicionasse estresses artificiais, ou apelar para elementos de um thriller convencional, como esconder informações importantes do espectador ou sustentar um clímax para prendê-lo. Ao contrário até: o tempo todo o público sabe que a história contada pela criança tem pés de barro. Em uma cena símbolo, o pai de Klara diz para o professor que conhece sua filha o suficiente para saber que ela nunca mentiu. Instaurada a caça às bruxas, Lucas, de poucas manifestações de raiva apesar do redemoinho, é o bode expiatório que precisará ser abatido para o funcionamento daquela sociedade selvagem. É emblemática a analogia entre a caçada humana em andamento e o hábito arraigado de alguns moradores de dedicarem-se à tradicional atividade da caça de veados. O calvário do protagonista é palpável: entre outras humilhações, será espancado no supermercado e o seu cachorro de estimação morto impiedosamente. A mesma brutalidade pode ser vista nos perturbadores longas A Fita Branca, de Michel Haneke, e Dogville, de Lars Von Trier. 

Com desfecho enigmático, Vinterberg se vale da história para sondar uma cidade unida apenas na fachada e ilusoriamente fraterna. Não há camaradagem ali, como parecia existir nos encontros festivos entre Lucas e seus amigos. Interessante observar o contraste entre a beleza da paisagem dinamarquesa e a feiúra da natureza humana. Mesmo que nunca seja condenado, o professor continuará carregando uma cruz. O diretor parece escancarar o discurso de como a irracionalidade, a violência latente, a fulanização do mal e a decretação de verdades absolutas explicam o mundo de hoje.   

 (Edgar Olimpio de Souza)

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

A Caça

Título Original: The Hunt (Dinamarca, 2012)

Gênero: Drama, 117 min

Diretor: Thomas Vinterberg

Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Annika Wedderkopp e outros.

Estreou: 16/03/2013

 

Veja o trailer do filme:

 

 

 

Comente este artigo!

Modo de visualização:

Style Sitting

Fonts

Layouts

Direction

Template Widths

px  %

px  %