EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Médicos mais humanistas?

Marcelo Coltro é especializado em Medicina de Família e Comunidade. Concursado, trabalha na Prefeitura de Florianópolis. Em fevereiro deste ano, esteve em Cuba com um grupo de médicos brasileiros para trocar experiências no setor. Viveu outra particularidade: depois de formar-se na Universidade Federal de Pelotas, foi o único médico residente em Protásio Alves, na serra gaúcha, experiência que muitos cubanos viverão agora, em cidades do Norte e Nordeste brasileiros.

Sem a histeria que tem caracterizado a reação de alguns médicos à chegada dos cubanos, Coltro conta como foi sua experiência. Fala das similaridades e diferenças entre os dois sistemas de saúde, sobre o que o Brasil pode ensinar a Cuba e vice-versa.

Trechos da entrevista, em que Marcelo fala também sobre o que Cuba pode aprender com o Brasil no setor e conta a história de um provável erro de médico brasileiro corrigido em Cuba, que ele testemunhou.

“Como o número de médicos em Cuba é maior em relação médico/habitante do que no Brasil, eles conseguem ter uma capacidade de cuidado muito melhor do que os médicos brasileiros aqui no sistema público. Por exemplo, a cidade que eu visitei, onde eu estive, tinha um médico dentro do sistema de saúde para cada 800 habitantes. Então, eles conseguiam organizar através da sua área de atuação a população de uma forma muito melhor estruturada do que a gente consegue organizar aqui no Brasil, em que cada médico de família é responsável por 4 mil, 6 mil, 7 mil habitantes e tem cidades onde o médico de família é responsável pela cidade inteira.”

“Eu acho que se fosse uma força de trabalho médica para vir para o País e permanecer para sempre, eles deveriam fazer o Revalida. Mas eu entendi que no Mais Médicos eles vem para cá não com interesse de substituir a mão-de-obra médica brasileira. O programa traz médicos estrangeiros para o Brasil até que o Brasil consiga se adequar à sua própria formação médica. Enquanto isso vai acontecendo, esses médicos estrangeiros seriam temporários e, por isso, talvez não precisem fazer o Revalida. Eles têm experiências em outras missões internacionais.”

“Quanto à formação médica dos médicos cubanos, me pareceu que eles têm uma formação muito semelhante à dos profissionais brasileiros. Eu diria que é bem rígida por eles serem militarizados e super-estruturados. Eles têm o mesmo número de anos que a gente tem aqui na formação médica. Eles também têm especialidades lá, mas todos os médicos formados inicialmente têm de ser médicos de família, de comunidade. Precisam ter experiência médica para depois passarem para as especialidades. São muito bons cirurgiões, são bons oftalmologistas, são bons ortopedistas, mas, principalmente, são bons médicos de família e de comunidade.”

 “Talvez os médicos cubanos possam ensinar para a gente como usar melhor a tecnologia. Talvez a gente use a tecnologia muito precocemente quando cuida das pessoas. Ao andar pelas ruas de Ciego de Ávila, em Cuba, você não encontra farmácias como as encontra aqui no Brasil. Quando você encontra farmácias em Cuba você tem muitas medicações que são fitoterápicas, medicações que a gente encontra aqui no Brasil numa quantidade um pouco menor. Assim como aqui no Brasil nós temos dificuldades de ter concentração de tecnologia, por exemplo nos postos de saúde, por conta de ser muito caro, eles têm uma otimização de tecnologia muito maior. Quando uma pessoa lá em Cuba é submetida a uma tomografia é porque realmente ela tem necessidade de fazer essa tomografia.”

“Lá não é frequente a questão de você fazer check-up como é muito comum aqui no Brasil. Ou fazer exames laboratoriais de rotina para as pessoas ficarem medindo colesterol quando tem queixas de dor-de-cabeça ou tem queixas super inespecíficas para exames que são muito difundidos na mídia. Então eu vi que lá talvez tenha uma racionalização do uso da tecnologia que, por conta da influência da indústria farmacêutica e da indústria dos insumos de saúde no Brasil desde a década de 60, nós perdemos. A questão do ampliado raciocínio clínico que os médicos têm lá e uma otimização da tecnologia.”

“Aqui a gente vê cada vez mais a mercantilização da medicina. Eu diria que os médicos brasileiros são bons médicos, mas existe dentro da formação médica, nas escolas de medicina, uma grande inclinação para você fazer uso de muita tecnologia, exames laboratoriais, exames de imagem e também uso de medicamentos de uma forma talvez um pouco mais precoce. Que faz com que a gente não avalie esses pacientes com um olhar um pouquinho mais holístico ou humanista, com uma percepção de poder compreender um pouquinho mais esses pacientes antes de usar tecnologia, antes de usar um medicamento precoce, antes de pedir um exame laboratorial que muitas vezes a gente sabe que vai dar normal e está pedindo porque tem uma orientação protocolar para isso.”

“Talvez os médicos cubanos possam trazer para nós um resgate do raciocínio clínico que as escolas de medicina e as profissões, ao longo dos anos, foram perdendo por conta de um adensamento tecnológico muito grande.”

“A gente tem alguns estudos que mostram que 75% dos médicos brasileiros recebem visitas de laboratórios, para medicamentos. São pessoas que visitam os consultórios médicos com frequência. Ao visitar tais consultórios, existe muita informação dos laboratórios para estes profissionais. Alguns outros estudos mostram que até 41% dessas pessoas visitadas têm como referência essa visita da indústria para prescrever as medicações. Você tem uma grande influência da indústria farmacêutica dentro da prática médica no Brasil. Isso também se expande para o uso da tecnologia, como exames laboratoriais.”

“Você tem muitos professores de faculdade de medicina no Brasil que têm vínculo empregatício com indústrias farmacêuticas ou com indústrias que produzem tecnologia em saúde. Isso acaba influenciando seguramente a formação médica e o uso de tecnologia. Necessária, que bom que a gente tem essa tecnologia, mas muitas vezes precoce e diria até que de certa forma indiscriminada, sem uma boa indicação, sem um raciocínio clínico adequado.”

(Luiz Carlos Azenha, do site Viomundo) 

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