EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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"Ser vegetariano não é comer saladinha"

Quem afirma isso, de forma irônica, é o chef de cozinha Augusto Pinto, que pilota o Goa Gourmet Vegetariano, um descolado e bem freqüentado restaurante no bairro de Pinheiros que subverteu o clichê da culinária vegetariana ao servir pratos que fogem da surrada receita natureba, popularizada na época hippie, de arroz com lentilhas e soja. Ou da trivial saladinha, como muitos imaginam. Nem os garçons do lugar se vestem com o visual de um típico bicho-grilo. “Ser vegetariano hoje é mais do que um estado de espírito, significa incorporar outros conceitos, como o compromisso com a sustentabilidade, por exemplo”, ensina ele.

 

No Goa, o preço único do almoço dá direito a entrada, prato principal (se o cliente quiser, pode pedir mais meio prato), suco natural e sobremesa. As opções vão de uma deliciosa feijoada vegetariana (ensopado de feijão com legumes, proteínas vegetais, tofu e seitam) a uma lasanha vegetariana de dar água na boca. “O cozinheiro trabalha com a memória degustativa, para se lembrar do sabor e da textura do alimento”, explica o paulistano Augusto, 47 anos, que volta e meia vai para a cozinha também. “Um prato é como uma aquarela de ingredientes, uma tela para se pintar. A comida tem o condão de produzir ótimas relações afetivas”.

 

Dá para afirmar, sem medo de errar, que o sucesso da casa e seu menu inventivo e bem contemporâneo é resultado não só da vocação para a gastronomia de Augusto como de uma trajetória de vida cheia de experiências. No início dos anos 1980, então adolescente cheio de dúvidas, passou no concorridíssimo vestibular da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, na cidade mineira de Barbacena, classificando-se entre os trezentos aprovados em meio a trinta mil candidatos.

 

Durante os três anos do curso, ele se diferenciava dos colegas nem tanto pela facilidade com que dedilhava um violão ou cantava MPB, mas pela habilidade que exibia na cozinha. Sua família tinha tradição na área de gastronomia. O avô havia sido um inveterado boêmio no Rio de Janeiro dos anos 1930 e seu pai chegou a comandar uma churrascaria nas décadas de 1960 a 80.

 

Logo após abandonar a incipiente carreira militar, estudar publicidade por um ano na ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing e trabalhar como contato publicitário, decidiu fazer as malas e desembarcar na Europa, onde permaneceu por três anos. O quartel general era Londres, mas, sempre que possível, escapulia para Marrocos, Portugal, Holanda, França, Espanha e outros países vizinhos.

 

Para sobreviver, depois de perceber que seu inglês não era suficiente até para a prosaica função de lavar pratos em restaurantes, arriscou-se a tocar violão nas escadarias do metrô londrino. Foi quando descobriu, pela indiferença dos transeuntes que mal o percebiam em Picadilly Circus, que havia um esquema clandestino montado para os músicos de rua. Não era qualquer ponto que funcionava. Só conseguiu furar o bloqueio ao conhecer outro músico brasileiro, que ensinou o caminho das pedras.

 

No divã. A virada, no entanto, aconteceu ao conhecer o maestro Carlos Galvão, que estava recrutando músicos para compor um grupo brasileiro naquele país. “Nós nos apresentamos no Royal Festival Hall, em uma das mais importantes salas de concertos de Londres na época”, recorda. Galvão, porém, acabou convocado pelo então presidente Sarney para voltar ao Brasil e dirigir a Universidade de Música de Brasília. Sem outra opção, Augusto juntou-se a uma banda colombiana de salsa. “Chegamos a tocar num hospital de Amsterdã, ficamos no pátio e os doentes acompanhavam das janelas de seus quartos”, conta. Alguns imprevistos depois, se viu sozinho em Amsterdã, quando chegou a passar fome e dividir apartamento com um chileno viciado em heroína.

 

Em 1987, após conhecer a primeira mulher, uma pernambucana de passagem por Londres, mudou-se com ela para Tenerife, nas Ilhas Canárias. No arquipélago espanhol, por quase um ano, tocou bossa nova em hotéis para turistas ingleses. Então retornou para o Brasil e casou-se formalmente. Teve um filho, atualmente com 18 anos, apaixonado por literatura russa. Sem espaço para tocar em bares, no complicado final do governo Sarney, passou a vender sanduíche natural e outros quitutes, durante a semana em escritórios comerciais em São Paulo, e no litoral paulista, aos sábados e domingos. Quem o acompanhava era o fotógrafo e artista plástico espanhol David Dalmau, hoje nome conhecido no circuito das artes visuais e seu sócio no Goa. 

 

Foi nessa ocasião que uma amiga o apresentou para o consultor cultural Yacoff Sarkovas, dono da Articultura, que o contratou para ser produtor executivo da empresa. Augusto estreou no espetáculo Elsinore, um concerto cênico dirigido por William Pereira. “Nunca mais vou me esquecer das montagens e desmontagens do cenário, era coisa de gente maluca”, diverte-se. Após breve período na nova atividade, preferiu trabalhar por conta própria e abriu a sua produtora, a APPART. Um de seus feitos foi pilotar a elogiada restauração do Páteo do Colégio, além de ter coordenado turnês e apresentações internacionais de músicos como Sérgio Mendes (1993, em Porto Rico) e Toquinho (1994, na Alemanha).

 

Em 2001, separou-se e demorou alguns meses para reorganizar a vida. Enjoado de depender de terceiros para tocar seus negócios, sonhou abrir um restaurante, seguindo o histórico familiar. Com Dalmau e um amigo inglês, inaugurou o Eugênia Restaurant & Music Bar, de cozinha internacional, fechado dois anos após por falta de clientes. Aí Augusto, no intuito de reciclar seu malsucedido negócio, transformou o ponto no Gaia, já com culinária vegetariana, que no final de 2007 virou Goa. O nome homenageia uma região do oeste da Índia, ponto de encontro dos hippies nos anos 1960.

 

Um dos fatores que o impulsionaram nessa mudança foi a psicanálise lacaniana, apresentada pela sua atual mulher, Rejane Arruda, atriz e doutoranda em artes cênicas pela USP. “A psicanálise me ensinou a enxergar as coisas com mais profundidade, a eliminar o péssimo hábito de responsabilizar os outros pelos nossos fracassos, a evitar a repetição de um padrão”, resume ele, que desde 2002 reserva ao menos um dia da semana para deitar-se no divã.

 

Respeito à natureza. Neste mês de abril Augusto abrirá outro restaurante, o Yam, na Vila Madalena, cujo nome vem do mantra do chakra do coração e que servirá comida vegetariana em regime fast-food. A decoração terá como base o reaproveitamento de materiais reciclados, como uma luminária feita com latas de ervilhas e garrafas de coca-cola. Outra novidade será um estacionamento móvel, feito a partir de uma carcaça de automóvel, com capacidade para guardar até dez bicicletas.  

 

A psicanálise e o segundo casamento, aliás, não foram os únicos responsáveis pela reviravolta que motivou Augusto a abraçar de vez a gastronomia vegetariana. Em 2004, numa comunidade mineira formada por remanescentes hippies seguidores do Mestre Saint Germain, ele passou 21 dias meditando e sem se alimentar. A experiência foi tão transformadora que ele borrifou todo o conhecimento acumulado na criação e nos princípios que regem a administração do Goa.

 

Na casa trabalha-se com o conceito da sustentabilidade – tudo o que gera lixo, como garrafas de refrigerante e materiais descartáveis, é banido do cardápio. Portanto, quem gosta de coca-cola, por exemplo, deve correr para o bar da esquina. O menu segue a risca a doutrina. “Podem me chamar para ser cozinheiro no Greenpeace pelo Amazonas, mas não para ir ao mercadão comprar carne para churrasco”, avisa ele, que também atende a domicílio e pode preparar, por exemplo, um coquetel à base de canapés vietnamitas.

 

O que Augusto não digere é o que chama de processo de produção predatório, aquilo que implica maltratar animais e interferir na saúde e bem estar do meio ambiente. “Você sabia que a população suína em Santa Catarina é maior que a população brasileira? Para se produzir 1 kg de carne são necessários vinte mil litros de água, enquanto a produção de grãos requer só quatro mil litros”, compara.

 

Em relação aos refrigerantes, é taxativo. “O elemento mais poluidor dos rios do planeta são as garrafas pet de refrigerantes e as sacolas plásticas”, sentencia ele, que não se julga um militante ecológico chato nem ambientalista xiita, mas afirma ter uma visão de responsabilidade do negócio que comanda. “Não acho que as pessoas deveriam virar vegetarianas, mas se a maioria preferisse comer em lugares com responsabilidade ambiental já seria uma vitória”, acredita.

 

A filosofia que orienta o cardápio do Goa é largo o suficiente para permitir a inclusão de elementos das culinárias baiana, vietnamita, tailandesa, judaica e de várias outras culturas, fruto de pesquisas e das viagens de Augusto pelo mundo atrás de novidades. “Quando me perguntam qual é o estilo da comida que sirvo, eu simplesmente respondo que é a comida que eu gosto”, assinala. Ele avalia que os freqüentadores da casa são, em sua maioria, pessoas especiais. “São aqueles que buscam qualidade de vida, exercitam a generosidade, ligam-se em ecologia e defendem projetos pacifistas.”

(Fotos da fachada e do interior do restaurante: Gladstone Campos)     

 

Goa Gourmet Vegetariano. Rua Cônego Eugênio Leite, 1152, Pinheiros. Fone: 3031-0680. Funciona de terça a sexta, das 12h às 15h30; sábados, domingos e feriados, das 12h às 16h30. R$ 21 (terça a sexta) e R$ 26 (sábado e domingo).

www.goavegetariano.com.br  

 

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