EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Ele está entre nós

Parece até que ele não morreu em 16 de agosto 1977, vítima de colapso fulminante associado a uma disfunção cardíaca, porque o homem continua vendendo discos como nunca e fazendo outros nomes famosos ainda vivos comerem poeira. Elvis Aaron Presley vendeu 700 milhões de discos em sua carreira, iniciada em 1954 na pequena gravadora Sun Records, e outros tantos depois de sua morte física, totalizando quase 1,5 bilhão de cópias. É como se um em cada cinco habitantes do planeta tivesse um álbum do Rei do Rock.

De acordo com a lista anual da revista Forbes de artistas que mais faturaram depois de morrer, os herdeiros de Elvis Presley receberam US$ 55 milhões apenas em 2011, com discos, produtos licenciados e ingressos para Graceland, a mansão onde viveu por duas décadas em Memphis, no Tennessee, que hoje funciona como museu e Meca dos seus seguidores. E o mais incrível: a legião de admiradores continua a crescer, mesmo 35 anos depois de sua despedida, especialmente no Brasil.

São fãs-clubes, covers, colecionadores, comunidades no facebook, casais que selam matrimônio em Las Vegas, cidade onde o ídolo mais se apresentou e casou com Priscilla Presley em 1967, fora gente que viaja todo ano para Graceland. Pessoas aficcionadas como o ator Alexandre Borges, 46 anos, o polígamo Cadinho da recente novela Avenida Brasil, que costuma decorar os camarins de teatro com referências ao artista pop, como um baralho estampado. “Ele sempre foi uma figura forte, de existência curta, mas intensa”, avalia Borges.

Dois grandes eventos ligados ao roqueiro, aliás, movimentaram a agenda cultural do País nas últimas semanas e ajudaram a manter a lenda viva. Por conta do estrondoso sucesso, The Elvis Experience, uma exposição que reúne uma penca de artigos raros e pessoais do mito, prorrogou temporada até dezembro próximo. Em outubro, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo sediaram a megaprodução Elvis Presley in Concert, que o trouxe de volta, num telão, acompanhado ao vivo pela banda original. Quem viu, amou.

Tudo do Rei. Autoproclamado o maior admirador de Elvis Presley no Brasil, o assistente social aposentado Walteir Terciani (foto à direita, ao lado de Priscilla Presley), 66, desde 1980 desembarca todo agosto em Memphis para participar da chamada Elvis Week. Lá ele assiste shows que celebram o personagem, bate perna por Graceland, visita o hospital construído em seu nome, dá uma esticada até Tupelo (Mississipi), onde Elvis nasceu, e engrossa uma vigília à luz de velas no aniversário de morte do artista.

Uma de suas maiores relíquias é um miniposter autografado pelo cantor, conquistado às duras penas, depois de enviar-lhe cartas diárias durante meses implorando por uma dedicatória. “Nessas viagens, encontro amigos do mundo inteiro, choramos juntos, é uma grande família”, afirma ele, que preside o fã-clube Gang’ Elvis, fundado em 1966 em São Paulo e hoje com 1.800 associados.

Maluca pelo ícone pop, a curitibana Renate Úrsula Lampe dirige o fã-clube Elvis Presley´s Kingdom e organizou em agosto passado mais uma festiva excursão até Memphis. “A primeira vez que fui para lá teve o mesmo sabor de uma criança que vê o Papai Noel de perto”, compara ela, que tatuou a imagem do músico no pé e reservou um cômodo na sua casa para reverenciá-lo. Os cinqüenta viajantes desembolsaram R$ 4 mil cada um para, durante onze dias, peregrinarem pela região, incluindo visita à cópia em cera do artista no Museu Madame Tussaud.

Outro adorador é o psicólogo Marcelo Neves (foto à esquerda, ao lado de Vivian), 41, mentor do fã-clube paulistano Elvis Triunfal, que reúne 1.200 membros com carteirinha. Ele mantém um site sempre atualizado com mil acessos diários, que virou referência entre os elvismaníacos por conta de seu conteúdo enciclopédico. Há desde uma cronologia histórica do artista, que começa com o nascimento de sua avó paterna, Minie Mae, em 1888, e continua até hoje, incluindo a cobertura de eventos de Elvis no País e a sua discografia completa, além da edição de um fanzine trimestral e a realização de reuniões beneficentes. Sua mulher, Vivian Ondir, 31, divide a direção do projeto. “Não consideramos um trabalho, fazemos por amor”, conta ele.

Viu ao vivo. Autor do livro Elvis – Mito e Realidade, que está em sua quarta edição e desconstrói teses mirabolantes como a de que Elvis teria forjado a própria morte e se refugiado em uma ilha, o ex-dentista e agora músico Maurício Camargo Brito viu um show do ídolo ao vivo, em 1976. Ficou petrificado. “É difícil descrever a sensação, foi um sonho”, conta ele, amigo do roqueiro Raul Seixas, outro alucinado pela estrela pop, que costumava freqüentar a casa de Brito e interpretar Elvis enquanto o anfitrião dedilhava o piano.

Ao menos uma vez por mês, o espaço cultural Elvis Arts, na capital paulista, vira sede de um animado encontro de apaixonados pelo mito, que surgem ali ostentando camisetas com imagens do ícone pop. Nesse ambiente temático, eles dão uma canja no karaokelsvis, curtem pocket-shows, assistem a filmes relacionados e trocam figurinhas.  “Ele é tudo, a vida toda respirei Elvis, cheguei a visitar a sua mansão e levar um fio do carpete de recordação”, revela o cantor Ângelo Máximo, que nos anos 1970 interpretava versões em português do cancioneiro do artista e está prestes a lançar um álbum em sua homenagem, Elvis não Morreu.

A anfitriã do local, a artista plástica Berenice Dib (foto acima, ao lado de Ângelo Máximo), casou-se com Jacob Meyer Neto em 1999 em uma capela de Las Vegas e foram abençoados por um cover de Elvis. “Ele citou trechos de músicas, foi arrepiante”, recorda-se ela, que chegou a pintar uma tela com o retrato do roqueiro e ganhou elogios de gente próxima ao ídolo quando a expôs em Memphis. Já o engenheiro Luciano dos Santos, 37, e a arquiteta Patrícia Durso, 34, se uniram há quatro anos em São Paulo e surpreenderam os convidados. “Na festa, entrou um sósia do Elvis Presley e teve um senhor que quase infartou ao vê-lo cantar”, relembra.

Neymar? Marilyn? Elvis! E nem adianta achar que o fanatismo é coisa de gente mais velha, das viúvas do rockabilly. Eduardo Machado (foto à esquerda, com o pai, Laerte), 7 anos, o Elvisinho, desfia canções do mito como gente grande e costuma se exibir em aniversários e encontros dos fãs, metido em camisa bufante de gola alta. Em sua casa, coleciona miniaturas de carros inspirados nos modelos pilotados pelo artista. “Às vezes, levando-o para a escola, eu quero ouvir noticiário e ele me pede para tocar as músicas dele”, conta o pai, o músico e editor de vídeo Laerte Machado, 40, que também o venera. Machado guarda com carinho um vídeo caseiro de 1959 recheado de imagens pouco vistas do Rei passeando por Paris, na época em que servia o Exército americano na Europa. 

Na agência de sósias paulistana O Gordo e o Magro, são dezessete imitadores do rei do rock para sete Neymar e duas Marilyn Monroe, entre outras personalidades, requisitados para eventos com cachês de R$ 800 a R$ 4 mil. “Toda semana tem gente me pedindo um Elvis. Recentemente, um deles viajou para Portugal e outro foi recrutado para um cruzeiro marítimo”, conta a proprietária Nilce Costomski.

Segurança em uma empresa, Alex Alexandre Elvis, 40, gosta de aparecer nos encontros dos elvismaníacos vestido de jumpsuit, o macacão que o artista trajava nos seus shows, sem contar acessórios como óculos, anel e corrente. Eventualmente é chamado para entoar em festas Kiss me Quick, It´s Now or never e Hound Dog, entre outros hits. “A música dele toca direto no coração”, acredita. Nesses trabalhos, o que fatura supera o seu salário mensal. Sua maior glória, exulta, foi ter sido reconhecido na rua por alguns fãs e até dar autógrafos.

O fascínio pela figura mítica contagiou o publicitário e ilustrador Leandro Spett (foto à direita), 36, que tem cerca de 500 vinis, CDs, álbuns, gravações de shows e compilações raras que adquiriu no Brasil e no exterior. “Todo colecionador de Elvis precisa ter discos do mundo inteiro, até em russo, japonês e romeno”, brinca ele, que em uma excursão para Israel, a caminho do aeroporto, implorou para o motorista do ônibus desviar o caminho para uma visita-relâmpago ao restaurante Elvis Inn, localizado dentro de um posto de gasolina. “Sou tão louco que já desembolsei US$ 800 por uma caixa de trinta CDs com todas as gravações dele. Só existem mil dessas no mundo”, orgulha-se. 

Aqui entre nós. No Brasil, imitadores de Elvis Presley multiplicam-se. Seja pela paixão pura e simples ou como uma forma divertida de garantir algum dinheiro – os profissionais chegam a cobrar até R$ 10 mil por performance. Vestem réplicas e acessórios oficiais, cultivam costeletas e topetes e se apresentam com banda ou playback em eventos sociais, corporativos, casas noturnas e teatros. Eles sustentam a idéia de que prestam um tributo, e não uma mera imitação.

É o caso de Renato Carlini, 36 anos, que chegou a cantar duas vezes em frente à mansão de Graceland. “Tudo o que ele fez, do visual à música e ao comportamento, foi diferente”, afirma ele, cover desde 1997. Em 2010, Carlini se apresentou no programa do Faustão, num concurso de imitadores. “Na minha vez, rebolei tanto que rasgou o fundilho da minha calça. Pela primeira vez o Elvis Presley saiu de costas de um palco”, diverte-se.

A fidelidade do microempresário Júlio César Mantovani (foto à esquerda), 41, se estende ao seu meio de transporte. Ele costuma viajar com sua banda a bordo de um Chevrolet 1953 Belair, o mesmo modelo pilotado pelo mito. No palco desde 1986, prefere se caracterizar como o Elvis ator, atividade a que o roqueiro se dedicou mais em meados da década de 1960. “Eu sou o único cover com o visual dos filmes: calça, paletó ou jaqueta, sem costeletas”, aponta.

Edson Galhardi (foto à direita), 43, que trabalhava no comércio de material de construção antes de virar cover, em 1985, faz um estilo mais “low profile”. “Evito ser Elvis no dia a dia, não uso costeleta e deixo o cabelo desalinhado”, avisa. Cinco anos atrás, ele voltou para a sua cidade natal, Maringá (PR), e engatou um show para celebrar o aniversário de trinta  anos da morte de Elvis. “Lotei um teatro de mil lugares, com uma banda de dezoito músicos”, orgulha-se.

Assim como o ídolo, o ex-caminhoneiro Álvaro Martins Alonso, 32, o Elvinho, trocou a vida solitária nas estradas pelos holofotes, em 2001. Ele confessa se emocionar com os presentes que recebe do público, como echarpes e ursinhos de pelúcia. “O fã acha que está entregando ao próprio Elvis”, acredita ele, que pinta o cabelo loiro de preto. “Transformei o quarto de casa em um camarim temático. Três paredes são voltadas ao Elvis e a quarta dedicada à minha carreira”, conta.

Na rua, quando o abordam, Ronnie Packer, 46, costuma brincar que “Elvis não morreu, apenas envelheceu”. “Eu interpreto todas as suas músicas no mesmo tom”, garante ele, que encarna o personagem desde 1984.

Em um mercado competitivo, os sósias estão fazendo o que podem para se destacar. Neste ano, o ex-projetista industrial, Helder Moreira (foto à esquerda), 39, montou um grandioso show com banda de nove músicos, dezesseis bailarinas e 36 figurinos. Ele não se considera cover, mas alguém que faz uma releitura de Elvis Presley. O repertório clássico está lá, mas com ousadias, como a inserção de trechos da Aquarela do Brasil na canção Viva Las Vegas. “É uma nova maneira de se relacionar com a sua música”, justifica ele, que também ministra palestras com base nas canções idealizadas pelo ídolo e, vestido de Elvis ou de terno e gravata, realiza cerimônias de casamento personalizadas. “Uma vez encontrei o Pelé numa festa e ele, no meio do alvoroço, se voltou para mim e disse que me conhecia. Foi inesquecível”, revela.

O fenômeno da elvismania não surpreende o psicólogo Alexandre Rivero, 56. Na sua ótica, a adoração ao herói serve de inspiração para transpor as barreiras do dia a dia. “Elvis teve uma infância humilde, virou artista, conquistou reconhecimento, lançou modas, influenciou os costumes. Nós precisamos consumir um herói. Na infância, ele funciona para a criança enfrentar o mundo adulto. Na adolescência, para romper barreiras. Para o adulto, ele encarna a possibilidade de suplantar as adversidades da vida”, ensina.

Nas ruas, nas casas, nos encontros de amigos, nos batizados e festas de aniversário. O Rei é onipresente. Sem falar que volta e meia há um homônimo fazendo campanha política ou um Elvis Presley da Silva dá o ar da graça na lista de aprovados de alguma faculdade. Fato é que ele não está mais entre nós, mas eles estão por aí. Cantando, requebrando, casando pessoas ou simplesmente curtindo um som que, a julgar pelos números, não vai sair jamais de moda. Elvis está mais vivo que nunca.

 

Herança bendita

 

John Lennon: “Só existia uma pessoa que os Beatles queriam conhecer nos EUA: Elvis!"

Mick Jagger: “Ninguém, mas ninguém, é igual ou será igual. Elvis era e é supremo”

Frank Sinatra: “Eu sou apenas um cantor, mas Elvis era a materialização de toda a cultura americana. A vida não seria a mesma sem ele”

Bono Vox: “Rock´n´roll sempre foi Elvis, não somente porque ele era Elvis, mas porque ele era a estrela maior”

Erasmo Carlos: “Eu fui apresentado ao Roberto Carlos porque eu tinha a letra de Hound Dog, que ele estava atrás. No início eu imitava as roupas e o estilo de Elvis. Ele foi um cara que influenciou o meu trabalho”

Raul Seixas (foto à direita) homenageou o artista em 1976 com Can´t help falling in Love (1961). Eu nasci há dez mil anos atrás (1976), parceria com Paulo Coelho, foi inspirada na música I was born about ten thousand years ago (1970). 

Jerry Adriani lançou em 1990 o álbum Elvis Vive, tributo com quinze versões de canções de Elvis Presley em português, entre elas, Hotel Inferno (Heartbreak Hotel), Me beija assim (Kiss me quick) e Vira lata (Hound dog).

Caetano Veloso releu no cd A Foreign Sound (2004)o clássico Love me Tender (1956), canção com maior número de versões e regravações por brasileiros.   

 

(Reportagem de Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Matéria publicada na edição de setembro da Revista Gol )

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