EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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A voz da rua

Embora para muitos não pareça, não existe apenas uma população de rua. Por isso, é possível afirmar que não será uma política pública única que dará conta sozinha de quem se encontra nessa situação. E mais: deve-se trabalhar com a hipótese de que continuamente haverá um contingente de pessoas que irá morar na rua por motivos variados e, por mais isso que seja difícil de aceitar ou compreender, acabará ficando ali por opção, por estar como que institucionalizado às avessas. Trata-se de sua casa, de seu trabalho, onde encontra uma nova família, companhia. Ou seja, vamos conviver sempre com “gente de rua”, o que requer a implementação e permanência de qualquer política pública para e com este povo.

Encontramos na rua até famílias inteiras. Homens, mulheres, velhos, jovens, ex-trabalhadores formais ou não, ex-presidiários, gente que não conseguiu retornar ao mercado de trabalho, gente envergonhada de retornar para casa ou para sua terra, gente que não tem para onde voltar, bêbados de todos os graus, pacientes psiquiátricos variados, desiludidos que se deixaram derrotar ou foram derrotados, gente que resolveu que não queria mais continuar do jeito que estava, seja lá como estivesse. Certamente não se foi para a rua porque deliberadamente se quis, mas, no caso de alguns, de alguma forma foram permitindo que a coisa assim acontecesse. Existe também a população das drogas, especialmente os usuários de crack. E há quem não é necessariamente da rua, mas as consome, já sem nenhum pudor ou domínio, junto a eles.

Nesse ponto das escalas, vamos pegar um tipo clássico para estudar resumidamente o caso. É muito comum quando se trabalha com esse povo perceber quem acabou de chegar. Normalmente constatamos de que a coisa não precisava ser desse jeito. Ele sente que não é desse mundo, fica afastado, não quer se misturar. É interessante observar que ele não queira ajuda também, ainda mantém um certo tipo de orgulho, aposta ser temporário estar naquela condição. O sujeito ainda não se encontra com a roupa puída, o sapato encardido, as unhas de carvoeiro, o cabelo ensebado. Não deixa de ser triste, no entanto, vê-lo despencando, perdendo a trouxa e demais objetos, depois os documentos, apanhando dos outros companheiros por não conhecer as regras, da polícia que o chama de pudim, dos muitos milicianos. Estes recém-chegados à rua são os clientes mais tradicionais dos albergues. Eles ainda crêem na organização da vida, principalmente dentro do sistema que nós acreditamos e propagamos, mesmo que efetivamente nunca tenham tido nada. Mas, o tempo começa a jogar contra e os albergues são representantes da ordem e disciplina. Como não sabem que existe hora para tudo e não se pode chegar alcoolizado, por desconhecimento acabam se atrasando e começam a ficar bêbados porque dói dormir na rua. Afinal, afundar-se na cachaça ameniza o sofrimento.

Às vezes, ele tem vergonha de pedir, diz que é trabalhador, porém vai aprendendo como funcionam as bocas de rango, quais os melhores trechos para transitar, as estratégias mais eficientes para pedir esmola. No meio da noite, aos poucos, perde o controle sobre tudo, incluindo seu sono. Descobre ser melhor dormir debaixo de uma marquise em lugar claro e movimentado, que não deve urinar e defecar ali, mantendo o local todo limpo de manhã para que o proprietário não mande bater nele. Toma banho nas frestas dos barrancos com vazamentos e, se der, lava a sua roupa.  Aprende como funcionam as entidades que oferecem algum apoio, principalmente como usufruir da culpa de muitas delas ou de como responder adequadamente ao que querem para conseguir alguma coisa. Se puder ainda controlar alguns traços da personalidade que esse tipo de vida vai lhe impondo, talvez obtenha algo mais dessas instituições.

Aliás, percebe que pode comer muito na rua. Até demais e que trocaria a maior parte dessa fartura por um sabonete ou papel higiênico de vez em quando, nem que seja para se lembrar de como era antes. Alguns escovam os dentes, mas poucos dos que levam comida para o povo da rua os lembram disso. Vai descobrindo a importância de demarcar seu território, se associar, ter um ou mais cachorros, deixar as paradas pelos trechos, quem é do bem e de quem é bom fugir. Sabe quais os comerciantes que dão coisas por serem legais ou porque não o querem por perto. Fica doente da boca, olhos, pele, estômago, fígado, ânus, separadamente, aos pares, tudo ao mesmo tempo. Às vezes é tratado na saúde pública, em outras permanece na porta sendo castigado porque é um bêbado, mijado e cagado. Para a maioria, é um beco sem retorno.

Não se pode confundir essa população com a dos consumidores de crack. Todos são povos de rua, mas a primeira é minoria. O problema principal dos que não consomem esse tipo de droga é com o álcool. Usuários de crack pertencem a um perfil diferente, cujo resultado pode ser a rua, mas não é o que apontam trabalhos específicos nessa área. A maior parte que aceita tratamento para o vício ou volta para casa ou é acompanhada por algum familiar durante o processo. Para quem é do outro espectro, dificilmente se achará alguém da família. E, se encontrar, será difícil retomar a vida anterior.

Assim, políticas públicas para moradores de rua não é uma tarefa policial, para qualquer tipo de polícia. Claro que ela pode oferecer apoio em muitos casos, mas não é de sua alçada se responsabilizar pela elaboração ou aplicação de qualquer projeto que seja. Entidades de todo tipo, grupos e pessoas de boa vontade também podem e devem ser chamados para colaborar, se possível, de forma integrada. Porém, o protagonismo cabe tão somente à população de rua. Eles têm e sabem o que dizer a seu respeito.

Para começar, é necessário se retomar a atividade com o povo de rua no seu próprio habitat. Articular os grupos interdisciplinares de estudo e trabalho, mapear novamente os trechos e concentrações, estabelecer os pontos de apoio a esta população no âmbito em que ela circula. Além disso, reativar os centros que existiam e distribuí-los melhor, reorganizar a rede de entidades que já atuava nesse campo, apoiar voluntários dispostos a colaborar com os seus “louquinhos” de estimação – quase todo mundo conhece pedintes em ação próximos de suas casas. Por fim, rever as estratégias de albergamento, casas de apoio, rede de saúde especializada, Boracea, centros de convivência, cooperativas. Para o crack idem, ibidem.

Geralmente fazemos excessivo juízo moral sobre quem mora na rua. Até aí, tudo bem, pois hoje em dia todo mundo tem opinião para tudo, mesmo sabendo muito pouco. O que não é possível, no entanto, são os agentes públicos agirem assim. Não é qualquer profissional que deve encabeçar, elaborar ou executar tais políticas e estratégias. Há muita gente que conhece do riscado e naturalmente voltará a participar se notar seriedade por parte do governante e dos responsáveis por esse trabalho.

O importante é repudiar com veemência formas de higienismo, controle ou remoção forçada, qualquer tipo de afirmação de prevalência de modelos de vida como premissa moral para a ação do estado. É urgente reconhecer esses homens e mulheres como sujeitos com direitos assegurados, que estão apenas em situação vulnerável. Eles não necessitam de pena jurídica, física ou moral. Precisam de políticas públicas que o façam viver felizes, em paz e da maneira que julgarem melhor.  

Professor Armando Tambelli (trecho do texto publicado originalmente no site do Luis Nassif)

Pressa médica

Reclamam-me muitos leitores que comparecem a consultas médicas, pelo SUS ou por convênios, de que os médicos não os examinam, nem os tocam.

Sei disso mais do que o Eclesiastes. Recentemente, por esse vezo de os médicos não examinarem seus clientes, decretaram falência e fecharam suas portas várias fábricas de estetoscópios.

Antigamente, todo médico que se avistava trazia o estetoscópio pendurado no pescoço.

Sabem por que grande parte dos médicos não examina mais os pacientes, nem os toca? Porque os médicos de hoje só sabem solicitar exames de seus clientes.

Os laboratórios de análises clínicas e as clínicas radiológicas nunca ganharam tanto dinheiro como hoje: claro, os médicos na sua maioria só sabem pedir exames.

Um hábito médico antigo era observado em todas as consultas, hoje tornou-se raro: o médico portava o seu estetoscópio e escutava com ele as costas do paciente, perscrutando os pulmões.

Depois de perscrutá-los, dizia ao paciente: “Diga trinta e três”. Acabou: hoje não mandam mais dizer nem onze, quanto mais trinta e três.

Há alguns médicos que desprezam tanto examinar os pacientes, que já não colocam cadeiras para seus pacientes sentarem nos consultórios, os pacientes são atendidos de pé.

E as macas que se viam em todos os consultórios já não se as veem mais.

Tudo em nome da rapidez. Há médicos que recebem mais de 50 pacientes numa tarde. É tudo no vapt-vupt.

O diabo é que muitos convênios pagam muito pouco por consulta ao médico e este precisa faturar. Então é na base do vapt-vupt!

Vai daí que, pelas mesmas razões, muitos médicos nem olham os resultados dos exames perante os clientes. Comentam os resultados pelo telefone.

Vocês, meus leitores e leitoras, já pararam para analisar que vivemos o tempo da pressa? E a medicina foi atingida infaustamente pela pressa.

Claro que existem reações a esse sistema de pressa entre os próprios médicos.

O gastroenterologista Luiz Edmundo Mazzoleni, por exemplo, marca todas as suas consultas com duração de uma hora e meia cada. Antes de 90 minutos de duração da consulta, ele não dispensa o cliente. Nem de apalpá-lo nem de conversar com ele. E por isso só marca quatro consultas por dia.

Extraordinário exemplo.

Não quero condenar esses médicos que não examinam seus clientes. Sei que a medicina ficou de um jeito, que determinados médicos, se não empunharem três ou quatro empregos, não têm como se sustentar.

O defeito está em que os empregos de médicos pagam muito mal a eles. O sindicato dos médicos tem lutado muito contra essa grave distorção.

Paulo Sant’Ana (Publicada no Jornal Zero Hora)

Sexalescentes

Se estivermos atentos, podemos notar o surgimento de uma nova faixa social, a das pessoas em torno dos sessenta/setenta anos de idade, os sexalescentes. É a geração que rejeita a palavra “sexagenário" porque, simplesmente, não está nos seus planos se deixar envelhecer.

Trata-se de uma verdadeira novidade demográfica semelhante a que se deu com a consciência da idade da adolescência, em meados do século XX, responsável pela fixação de uma identidade a uma massa de jovens oprimidos em corpos desenvolvidos. Até então, estes não sabiam onde se meter nem como se vestir.

O novo grupo humano, que hoje ronda os sessenta/setenta, levou uma vida razoavelmente satisfatória.

São homens e mulheres independentes, que trabalham há muitos anos e conseguiram mudar o significado tétrico que tantos autores deram, durante décadas, ao conceito de trabalho. Que procuraram e encontraram há muito a atividade de que mais gostavam e que com ela ganharam a vida.

Talvez seja por isso que se sentem realizados. Alguns nem sonham em se aposentar. E os que já se aposentaram gozam plenamente cada dia sem medo do ócio ou da solidão. Desfrutam da situação porque, depois de anos de trabalho, criação dos filhos, preocupações, fracassos e sucessos, sabem bem olhar para o mar sem pensar em mais nada ou seguir o voo de um pássaro da janela de um quinto andar.

Neste universo de pessoas saudáveis, curiosas e ativas, a mulher tem um papel destacado. Traz décadas de experiência de fazer valer a sua vontade, quando as suas mães só podiam obedecer, e de ocupar lugares na sociedade que as suas mães nem sonharam ocupar. Esta mulher sexalescente sobreviveu à bebedeira de poder que lhe deu o feminismo dos anos 1960. Naquela época, em que aconteciam tantas mudanças, ela parou e refletiu sobre o que, na realidade, desejava. Algumas optaram pela vida solitária, outras escolheram ter filhos, muitas seguiram carreiras “exclusivas” para homens. Vimos mulheres se tornarem jornalistas, atletas, juízas, médicas, diplomatas. Não foi fácil e, mesmo assim, continuam a fazê-lo todos os dias.

Estes homens e mulheres não são pessoas que estejam paradas no tempo. É uma turma que lida com o computador de forma absolutamente natural. Escrevem aos filhos que estão longe e até se esquecem do velho telefone para contatar os amigos – preferem mandar e-mails para contar suas novidades, expressar ideias e falar de suas vivências.

De maneira geral, estão satisfeitos com o seu estado civil. Caso contrário, não se conformam e procuram mudá-lo. Raramente se desfazem em prantos sentimentais.

Ao contrário dos jovens, os sexalescentes conhecem e pesam todos os riscos. Ninguém se põe a chorar quando perde: apenas reflete, toma nota e parte para outra.

Os homens não invejam a aparência das jovens estrelas do esporte ou dos que ostentam um Armani. Nem as mulheres ansiam ter as formas perfeitas de uma modelo. Em vez disso, ambos conhecem a importância de um olhar cúmplice, de uma frase inteligente ou de um sorriso iluminado pela experiência.

Hoje, como tem sido ao longo da sua vida, os sessentões e setentões estão estreando uma idade que não tem nome. Antes, seriam velhos e agora já não o são. Hoje exibem boa saúde, física e mental, e se recordam da juventude sem nostalgias ingênuas. Isso porque a juventude, ela mesma, também está cheia de nostalgias e de problemas.

Celebram o sol em cada manhã e sorriem para si próprios. Talvez por alguma secreta razão que só sabem e saberão aqueles que chegarem aos 60/70 no século XXI!

Mirian Goldenberg, antropólogatropóloga e professora do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.    

(Blog do Luis Nassif) 

Cafonice intelectual

Intelectuais gostam de dizer o que é bom ou ruim em termos artísticos. São tão severos quanto os inquisidores medievais. Também como eles, costumam prejulgar a partir de crenças pessoais. Houve uma época em que a MPB merecia todos os elogios. Ninguém tem coragem de falar mal da MPB, é claro. Mas grandes interprétes como Gal Costa e Maria Bethânia pouco interessam à crítica atual. Chico e Caetano ainda ocupam seus espaços. Os críticos preferem, porém, falar de bandas de rock inglesas. Há alguns anos, a escritora Ana Maria Machado ganhou o prêmio Hans Christian Andersen. É considerado o Nobel da literatura infantojuvenil. Só vi algumas linhas a respeito. Enquanto isso, já li centenas de vezes a história de J.K. Rowling, autora deHarry Potter, pobre, escrevendo o primeiro livro num café... Um bom sotaque causa arrepios na intelectualidade brasileira. Há muitos anos, uma intérprete de jazz americana veio ao Brasil. Admirou-se com a quantidade de reportagens a seu respeito. Nos Estados Unidos, nunca merecera tal atenção. Começou a apresentação dizendo:

 

– Sei que vocês não me conhecem...

 

Há um preconceito generalizado contra o teatro musical. Cheguei a ler uma crítica aconselhando o público a gastar o dinheiro do ingresso em três peças experimentais. Como se entretenimento fosse pecado. Alguém não pode ir ao teatro, ler um livro, assistir a um filme só para se divertir? Sem nenhum compromisso com os destinos da humanidade? Estudantes da USP torcem o nariz. “É muito comercial”, dizem quando um espetáculo é criado para fazer sucesso. Qual o problema, se as pessoas gostam?

Houve uma época em que o bom ou ruim tinha inspiração política. Durante o governo militar, no Brasil, entre os artistas, ser a favor era péssimo. Contra, dava um atestado de qualidade. Os filmes de Gláuber Rocha, perseguido pelos militares, receberam um lugar de honra no panteão da cultura nacional. Terra em transe é chatérrimo. Além do mais, a frase “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão” acaba com a profissão de roteirista. Sinceramente, como roteirista, fico muito irritado ao ouvi-la. Raramente alguém diz que os monumentos de concreto criados por Niemeyer são áridos. Niemeyer sempre foi um corajoso homem de esquerda. Recebeu carteirinha de ótimo.

Antes, a divisão entre esquerda e direita definia o que era bom. Hoje o preconceito é a partir do meio. Ou seja: filme nacional é em princípio ótimo. Convivo com atores que contam, de peito estufado como pavões:Talvez a maior injustiça já cometida pela intelectualidade brasileira tenha sido durante a ditadura. Havia uma escritora, Cassandra Rios, que vendia aos borbotões, inclusive em bancas de revistas. Era uma literatura erótica, fortemente apoiada no lesbianismo. Pelo menos um de seus livros foi adaptado para o cinema: Ariella, com Christiane Torloni e Nicole Puzzi. O governo militar também perseguiu Cassandra Rios. Seus livros desapareceram, sob a pecha de imorais. Ninguém abriu a boca. Era considerada “ruim”, por que defender? Tratava-se, porém, do princípio da liberdade de expressão, esquecido em nome do preconceito intelectual. Conheci Cassandra Rios já com idade, lutando para recuperar o espaço perdido. Morreu praticamente esquecida.

– Estou fazendo cinema.

– E daí? –, pergunto.

Ninguém recusa um convitezinho para fazer novela. Mas muitos agem como se TV fosse menor que cinema e teatro. Televisão é um meio, simplesmente. Obras artísticas ou de entretenimento convivem, como em outros meios. Ou se mesclam, unindo arte e diversão. Glória Perez já ganhou o Emmy com a novela Caminhos da Índia. Quantos prêmios da mesma importância o cinema nacional conquistou nos últimos tempos? Temos filmes, peças, novelas, séries, bons e ruins artisticamente. O preconceito é fruto da falta de profundidade intelectual. A pessoa valoriza o que os outros valorizam, para não ser tachada de ignorante. Melhor não ir contra a corrente. Não dizer, por exemplo, que adorou Cabaret, com Cláudia Raia, só porque é um musical. Embora seja um dos espetáculos mais competentes que já vi. Chamo isso de cafonice intelectual. É a maior tendência cultural de nossos tempos.

Ninguém pense que advoguei em causa própria, porque sou autor de televisão. Meu maior prêmio aconteceu no teatro. É o Shell, o mais respeitado do país. Poderia ficar quieto. Mas prefiro ter minha própria opinião, o que parece ser raro ultimamente.

Walcyr Carrasco (Publicado na Revista Época)

Mãe nua e crua

"Qual é o nosso conceito da maternidade?" e "Como a sexualidade se adapta a ele?" são algumas das incômodas questões que o fotógrafo norte-americano Leigh Ledare propõe em uma série de retratos de sua própria mãe em poses explícitas, exibida em Bruxelas em sua primeira grande mostra.

Ledare, nascido em Seattle em 1976, retrata sua mãe nua perante o espelho, transando em várias posições com homens visivelmente mais jovens, em poses de stripper e com as pernas abertas voltadas para a câmera.

Nas imagens, a mesma mulher aparece com atitude sóbria, lânguida e angelical. A dicotomia mãe versus objeto de desejo "perturba o espectador" e o obriga a se fazer perguntas sobre a identidade da mãe, segundo Elena Filipovic, curadora da mostra, em entrevista à agência Efe. A exposição poderá ser vista no centro Wiels, em Bruxelas, até 25 de novembro.

Os retratos, intitulados em sua maioria Mom (mamãe), abordam a questão materna "em toda a sua complexidade" e evidenciam "que a mulher pode ser ao mesmo tempo mãe, uma referência para seus filhos e um objeto sexual, embora para algumas pessoas seja problemático admitir", segundo Elena.

"A sexualidade da mãe é a última fronteira do tabu", acrescentou a curadora, que concorda que a relação materno-filial da mulher e o fotógrafo "não é a mais habitual", devido à experiência prévia da mulher como modelo, dançarina e stripper. "Mas o que é a normalidade sexual quando falamos da mãe?", questiona.

Ao mesmo tempo, Ledare interpela o público em sua função de "voyeur" ao fazê-lo participar de um exibicionismo que não se materializaria sem seu olhar. "Não se trata de uma provocação gratuita. Também não é pornografia ou erotismo, porque as imagens de Ledare não suscitam desejo ou atração sexual", analisou Elena.

A curadora acredita que a exposição seria "muito mais provocadora, mas menos perturbadora" se incluísse unicamente os retratos explícitos, e nesse sentido chama à reflexão sobre o que se pode mostrar em uma imagem e o que não. "Hoje em dia estamos bombardeados por imagens pornográficas e semipornográficas na televisão, na internet e na publicidade, e ninguém se coloca perguntas a respeito", comentou.

As imagens pertencem à série Pretend You're Actually Alive (Finja que você está realmente vivo) e fazem parte da centena de obras reunidas na primeira grande mostra dedicada exclusivamente ao artista, que também inclui vídeos e colagens.

Outra de suas séries inclui retratos de uma ex-mulher de Ledare feitas por seu novo marido e pelo próprio artista, e também oscilam entre a ternura e a crueza. O título da exposição Leigh Ledare, et al (Leigh Ledare e outros) foi feito pelo próprio autor para mostrar "o papel central que esses outros (mãe, amigos, ex-mulheres, colecionadores e clientes anônimos) desempenham em seu trabalho", segundo o site do centro Wiels.

Apesar das imagens transgressoras, a exposição não suscitou por enquanto queixas ou reações negativas, segundo a curadoria. A maioria das pessoas se mostra "incomodada ou perturbada" ao sair da mostra. "Seria preocupante se não gerasse nenhum tipo de reação no espectador", acrescenta Elena.

(Foto: Leigh Ledare)

(Matéria publicada no portal IG)

Amar. Partir. Voltar

Há uma canção de John Denver que ouvi várias vezes (está no YouTube sob o nome de Leaving on a jet plane http://youtu.be/BhebvUZ7wGQ ). Aí, ele narra que o amante está se despedindo da amada para pegar um avião. Parece coisa normal e bastante atual. Não é de hoje que os amantes se despedem. Mas há algo mais. Ele diz que suas malas estão prontas do lado de fora da porta, o táxi está esperando, buzinando, e ele está chateado de ter que acordar a amada para partir. Então, ternamente, ele canta o estribilho pedindo que a amada o beije, sorria e o abrace  como se ele nunca fosse partir. Contudo, infelizmente, o avião o espera e ele não sabe quando vai voltar. Ele odeia fazer isto, mas não tem jeito, tem que ir, o avião etc.

Na outra estrofe, ele lembra quantas vezes teve que abandoná-la, entregou-se a outros amores, mas isso não significou nada, porque em toda parte ele pensava nela e, quando voltar, vai lhe trazer a aliança de casamento. Portanto, que ela o beije uma vez mais, porque ele está tendo que pegar o avião etc. Mas ele voltará, não a deixará mais sozinha, mas agora, de novo, tem que ir, pegar o avião e não sabe quando voltará.

O tema do amante que parte é antigo na poesia das canções. Na Idade Média, o amante partia para a batalha e a princesa ficava na torre do castelo sonhando, esperando. Na bela canção de John Denver o avião substitui o cavalo, a carruagem, o trem e o navio. Modernizou a estória que, milenarmente, é a mesma. Amar. Partir. Voltar. E partir de novo… Como no drama de Romeu e Julieta, muitos se perguntaram: e se eles tivessem se casado? O amor acabaria? Ou: e se ele não tivesse partido?

Há algo corriqueiro e intrigante nesta história: o homem parte, a mulher fica. Era assim na cultura romântica. Era assim na sociedade em que o homem ia à caça e a mulher cuidava da colheita. A mulher sempre estática, passiva. O homem agindo, partindo. O mundo interior versus o mundo exterior. O lar e a batalha. A casa e o mundo dos negócios. Papéis diferentes para a fêmea e o macho. Aliás, a famosa história de Ulisses e Penélope retrata a espera, a viagem e o retorno do herói.

Os tempos mudaram. Mudaram?

As mulheres são executivas, andam com pastas e projetos. Também pegam o avião e deixam seus amados e amantes. E as letras ficaram mais ríspidas, brutais, realistas. Já nos anos 1960, Bob Dylan compôs It aint me babe, na qual despachava a mulher dizendo claramente: “Você está procurando alguém que nunca parta! Não sou eu, baby”.

Nosso cancioneiro está cheio de boêmios que partem e voltam. Vinicius de Moraes, que era não só romântico, mas um macho descarado, fez uma peça de teatro na qual a mulher se chamava Cordélia e o poeta era o Peregrino, que vivia solto por aí. A mulher tinha que ficar ali, igual a um cordeiro para ser sacrificada no altar do amor.

Curioso que na canção de John Denver temos só a voz do amante, daquele que parte. O que a mulher pensa, não sabemos. O que pensam as mulheres? Não estou me lembrando de canções e poemas em que a mulher parte e o homem fica esperando. Como seria esse tema nas canções compostas pelas mulheres depois dos anos 60?

O fato é que, metafísica e psicologicamente, o ser humano é descontínuo. 

E há a biologia: o espermatozoide é irriquieto, o óvulo é repousante. Um procura, o outro aguarda. Mas também se diz que a fêmea é que escolhe o macho.

Seja como for, há um poema famoso de Claribel Alegria, no qual Penélope, cansada de esperar, diz a Ulisses que é melhor ele não voltar, porque já deu um jeito na vida. Ou seja, Penélope não é mais aquela.

Affonso Romano De Sant'anna (Crônica publicada no Jornal Estado de Minas)

Fim do mundo?

Poucas vezes tantos indícios, anunciados profeticamente por religiões diferentes, coincidiram como neste fim de ano. Não só A Sentinela, dos Testemunhas de Jeová, como o Apocalipse, as profecias muçulmanas sunitas e xiitas e, inclusive, os bárbaros pagãos maias anunciam o fim do mundo para breve.

Para os cristãos, a anunciada próxima guerra de Israel contra o Irã irá convulsionar o Oriente Médio e provocar a III Guerra Mundial. Será o Armagedon tão temido, mas paradoxalmente tão esperado pelos evangélicos, porque anunciará o retorno de Jesus Cristo à Terra e seu reinado teocrático de mil anos de paz.

Para os iranianos xiitas, a transformação da região num braseiro fará ressurgir o "imã escondido", genro do profeta Maomé, desaparecido em 874. Para os sunitas, o Mahdi, o imã oculto, que terá o mesmo nome do Profeta, surgirá no fim dos tempos. Como um ataque israelense ao Irã poderá ser devastador, consta que o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad crê na profecia do retorno do imã escondido e espera mesmo ser o seu braço direito nessa batalha do fim do mundo.

Os judeus continuam esperando a chegada de seu Messias, pois rejeitaram há dois mil anos o chamado Jesus, que anunciava o cumprimento das profecias de Isaias e de outros profetas do Velho Testamento ou Torá. Atualmente, talvez sejam os únicos a não anunciarem para breve o surgimento do Messias. Para o hassidismo fundamentalista, o Messias voltará quando as origens das lições de vida se expandirem pelo mundo.

Nisso, há uma certa semelhança entre o hassidismo, os protestantes e as seitas adventistas pois, baseadas num versículo dos Evangelhos, creem na volta de Jesus quando o Evangelho for pregado em todo o planeta. "Então virá o fim", com o julgamento dos vivos e mortos.

De uma maneira geral, existe uma concordância na expectativa das religiões de que quanto pior ficar a situação mundial mais perto se estará do fim do mundo - crises, catástrofes, crimes, corrupção, decadência moral, imoralidade, deboche, mais guerras e populações assassinadas, tudo isso será o sinal do fim dos tempos e do retorno de Jesus, do imã escondido ou do Mahdi e do Messias.

Depois de terem errado diversas previsões, os Testemunhas de Jeová não se arriscam mais a prever qualquer coisa e, reajustando erros passados, preferem dizer que Jesus já retornou em 1914 e está julgando o mundo.

Na verdade, a humanidade parece precisar de profecias que funcionam como válvulas de escape diante de situações difíceis, aparentemente sem escapatória.

Foi o caso da Primeira Guerra Mundial, depois da Segunda e das "guerras e rumores de guerras", das quais a mais espetacular foi a guerra contra o Iraque, desfechadas pelos Bush pai e filho. Um dos sinais do próximo fim teria sido o ataque islamita às Torres Gêmeas de Nova Iorque.

Em outras palavras, as profecias do Apocalipse e de tantos profetas de credos diferentes, valem tanto quanto as profecias de Nostradamus, atualmente desmoralizadas depois da chegada do Ano 2000 sem problemas.

Entretanto, nesse fenômeno das religiões e religiosos serem atraídos pela iminência da destruição do mundo e dos homens, como numa grande peste da Idade Média, desta vez pelo fogo e bombas nucleares, ressalta um paradoxo. Os evangélicos americanos apoiam Israel por acreditarem ser um pilar da crença cristã e, no seu inconsciente, esperam o pior, ou seja, o ataque israelense ao Irã para se provocar assim a concretização da profecia do Armagedon, narrada pelo discípulo João numa visão na ilha de Patmos.

Mas, quase nada do que provém da mitologia religiosa e suas predições ditadas aos iluminados, se realiza. E entre os fiascos mais terríveis está o acontecido em 1648, quando um rabino turco, Sabattai Zevi, se proclamou o Messias judeu. Alguns anos depois foi capturado pelo muçulmanos e obrigado a se converter ou a ser degolado. Sabattai Zevi frustrou todos seus fiéis, preferindo continuar vivo.

(Adir Tavares, publicado no blog do Luis Nassif)

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