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Teatro: Morte e Vida Severina

O tempo não empoeirou a obra. Está certo que os movimentos migratórios provocados pela seca e miséria, tão bem retratados neste poema de 1955, foram substituídos por outros tipos de deslocamentos geográficos, mas a expectativa de uma vida melhor ainda é um impulso permanente no ser humano. Transposto para o teatro, o poema virou um clássico. Silnei Siqueira assinou montagem lendária em 1965, premiada no ano seguinte no Festival de Teatro de Nancy, na França. Outras produções relevantes se sucederam.    

Décadas depois o auto de Natal mantém a potência temática e a expressividade originais, por conta da bem engendrada combinação entre o texto de caráter social e político de João Cabral de Melo Neto e a inspirada música de Chico Buarque. A sua mais nova versão teatral, com direção de Elias Andreato, é um trabalho que transpira beleza poética ao narrar o percurso ziguezagueante do retirante Severino, um sujeito que, como ele mesmo informa no início de maneira peculiar, “tem o mesmo nome, a mesma cabeça grande e o mesmo destino trágico do sertão: morrer de emboscada antes dos vinte anos, de velhice antes dos trinta e de fome um pouco a cada dia.”

Escorado em versos secos, cortantes e sonoros, escritos em linguagem regionalista, acompanha o percurso do protagonista do sertão pernambucano até o litoral de Pernambuco, guiado pelo rio Capibaribe. Nesse trajeto por paisagens inóspitas, a presença de situações de morte, pobreza e subnutrição é constante.  Mal começa a jornada e ele se depara com homens conduzindo um defunto na rede, morto em uma cilada. Mais adiante e a cantoria de uma novena, em reverência a um falecido, desperta a sua atenção.

Coeso e vibrante, o espetáculo é nutrido por cenas de forte intensidade. Ao tentar ocupação em uma pequena vila, Severino é informado pela mulher da janela de que suas habilidades com a terra não servem de nada. Só quem trabalha com ofícios ligados à morte, e há muitas ali, consegue sobreviver. Em passagem pungente, ele presencia o funeral de um lavrador, um número musical desenhado como um manifesto dos oprimidos. Em seu destino final, resignado, descobre que o cenário não é mais a terra seca e sim o mangue, também espaço de carências e indigências - retirantes enlameados caçam caranguejos. O suicídio passa ser uma possibilidade. Uma das chaves de entendimento da narrativa é a conversa que ele trava com um morador local, subitamente interrompida pelo anúncio do nascimento de uma criança, em clara alusão ao advento de Jesus. Trata-se de uma nova vida que teima em surgir em meio à tanta escassez, sofrimentos e mortes.

Na encenação, Andreato mantém a natureza coral da obra e valoriza as diversas camadas da história, o encanto dos versos, os diálogos milimétricos reveladores e a riqueza dos personagens. Em momento algum despeja rodeios e ingredientes supérfluos à montagem. A abordagem é sofisticadamente minimalista.

Não existe discrepância no elenco formado por treze atores e cinco músicos. A naturalidade da locução, em sentido contrário à reles declamação das palavras, e a assimilação de cada um sobre os papéis representados elevam o patamar da mis-en-scène. Dono de voz pujante, cumplicidade com a plateia e emoção calibrada, Dudu Galvão é tocante na pele de Severino. Badu Morais incorpora a mulher da janela derramando autenticidade e paixão. Jana Figarella aciona energia e teatralidade na cena do funeral. Os coveiros vividos pelos competentes atores João Pedro Attuy e Raphael Mota transpiram ironia em suas falas. As atrizes Patrícia Gasppar e Andréa Bassitt são insinuantes na composição das ciganas. Jonathan Faria, o Mestre Carpina, é uma figura proeminente e dá credibilidade em seu momento. Os demais intérpretes oferecem bons desempenhos e são afeitos ao território poético. 

Percebe-se uma produção esmerada. A equipe criativa captura o sentido do que é contado e expressa no palco todas as sutilezas e nuances da peça. Os adequados figurinos de Fabio Namatame e a luz lírica de Andreato e Júnior Docini transportam o espectador para o calor e as geografias do semiárido nordestino e do mangue. Na direção musical, Marco França modernizou os arranjos originais de Chico Buarque e adicionou discretamente à trilha os cantos melancólicos do vaqueiro dirigidos à boiada. Falecido neste ano, o artista plástico Elifas Andreato criou um cenário marcado por uma enorme circunferência alaranjada, símbolo simultâneo do sol e da lua. 

Bem-sucedido e de vigorosa plasticidade, o espetáculo descreve o cotidiano paupérrimo no sertão e nos mangues de Recife. Vítimas da fome continuam a sina de abandonar seus lares em busca de uma existência mais digna. Não é por acaso que o elemento morte é tratado com desconfortável normalidade por todos. No desfecho, exausto da viagem, Severino vê seus sonhos desmoronarem. No fundo, ele viera de longe seguindo o próprio enterro.   

(Edgar Olimpio de Souza- O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(foto João Caldas)

 

Avaliação: ótimo

 

Morte e Vida Severina

 

Texto: João Cabral de Melo Neto

Músicas: Chico Buarque

Direção: Elias Andreato

Elenco: Dudu Galvão, Andréa Bassit, Badu Morais, Patricia Gasppar, Jonathan Faria e outros.

Estreou: 15/04/2022

Tuca (Rua Monte Alegre, 1.024, Perdizes). Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Ingresso: R$ 40 a R$ 100. Em cartaz até 26 de junho.

Teatro: Cock

O confuso John mantém relacionamento emocionalmente abusivo de longa data com o possessivo namorado, mas acabou indo para cama pela primeira vez com uma mulher divorciada, que conheceu durante um intervalo na relação. O que ele sente é amor ou encanto por alguma coisa diferente? Está dada a senha para questionar a sua identidade sexual e decidir com quem deseja ficar. Haverá consequências. O curioso é que, se ele começa indeciso, à medida em que a trama evolui e o contexto adquire mais camadas, ele vai continuar sem muita certeza de nada.

Dirigido sem redundâncias por Nelson Baskerville, o afiado texto do dramaturgo inglês Mike Bartlett apresenta o provocativo triângulo amoroso como uma renhida batalha por afetos, estimulada por inseguranças, manipulações, recriminações e (in)tolerâncias, muitas vezes com ar de interrogatório. A temperatura chega a passar do ponto em um jantar, agora com a introdução de um quarto convidado. Ao mesmo tempo comprometido com as duas partes, John é finalmente pressionado a optar. Tudo transcorre em um espaço cênico minimalista e claustrofóbico, desenhado por Chris Aizner, que faz o espectador se sentir na sala de estar do casal.    

Inspirada em rinhas de galo tradicionais no México, daí o título, a dramaturgia é construída por cenas breves – rounds? -, mediadas por blecautes, e avança oferecendo sutis mudanças de tom. Baskerville mantém o jogo fluente e descomplicado, valorizando as interações, os diálogos babélicos e os sentimentos conflitantes. Cria algumas boas sequências, como a do sexo no meio da história. Trata-se de uma encenação bastante teatral, que permite a expressividade dos personagens e dá destaque à série de confrontos cada vez mais incisivos, em especial na contenda final.

Há desempenhos vigorosos de todo o elenco. Sem usar truques supérfluos, Daniel Tavares enfrenta o desafiador papel de John (único que tem nome), o jovem dividido entre o que a sociedade espera dele e o que ele pensava querer para si. A partir da escolha feita, ele parece não compreender como irá se identificar de agora em diante. Na verdade, John gostou da experiência heterossexual e essa constatação desequilibrou o seu mundo. Por isso, ter de tomar uma decisão o está destruindo. O ator enriquece o trabalho com nuances e é convincente em modular temor, indignação, desconforto e bem-estar. 

Marco Antônio Pâmio adiciona energia e profundidade na pele do indignado e amargurado companheiro de John, o homem mais maduro impactado pela dubiedade do amante. Com segurança, o ator ilumina a vulnerabilidade de seu personagem, de início autoconfiante, que conforme os acontecimentos se sucedem, acaba se deixando abater  pela mágoa.

Na pele da mulher envolvida com John e que ainda lambe as feridas de um relacionamento passado, Andrea Dupré infunde delicadeza, força e determinação. A atriz evita a armadilha potencial de encarnar uma sedutora vulgar e consegue transmitir a ansiedade de alguém que precisa de uma definição para seguir a vida. Afinal, o relógio biológico está correndo e ela não pode perder tempo.  

Como pai afetuoso do filho que está na iminência de ser abandonado pelo namorado hesitante, Hugo Coelho concede veracidade e leveza ao personagem. Ao surgir pouco antes do desfecho, provoca ondas gigantes na dinâmica do enredo ao desembrulhar um discurso binário que reflete a divisão geracional. Argumenta que John precisa escolher entre ser gay ou hetero.    

Bartlett tece uma peça cruel sobre as expectativas da sociedade, as construções sociais sobre gênero e sexualidade, a natureza fluida da vida e a ideia de que o amor é reservado ao indivíduo e não circunscrito a determinados grupos. As criaturas aqui estão atônitas e angustiadas. O vacilante John oscila entre o ideal feminino e o conforto de sua sexualidade aceita. À certa altura, ele diz ao namorado que a mulher com quem se deitou é masculina, na vã tentativa de suavizar a infidelidade. O texto escancara as maneiras como ferimos e enganamos uns aos outros e a nós mesmos no curso dos relacionamentos amorosos.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Pedro Bonacina)

 

Avaliação: bom

 

Texto: Mike Bartlett

Direção: Nelson Baskerville

Elenco: Andrea Dupré, Daniel Tavares, Hugo Coelho e Marco Antônio Pâmio

Teatro: Sweeney Todd – o Cruel Barbeiro da Rua Fleet

Um barbeiro regressa à sua terra natal, após cumprir quinze anos injustamente em uma colônia penal em outro país. Com nova identidade, e informado sobre o terrível destino de sua família, o determinado Sweeney Todd começa a executar um plano maquiavélico contra o juiz que forjou sua condenação e violou a sua companheira. Em sua reaberta barbearia, no andar superior de uma decadente torteria, ele corta a garganta dos seus clientes e os lança para um moedor. Dona Lovett, proprietária do local e sua cúmplice, encontra uma solução perspicaz para contornar o custo proibitivo da carne.

Fermentado por sangue, assassinatos e perversidades, o enredo é tratado neste musical com leveza e à base de belas canções do produtivo compositor americano Stephen Sondheim. A fábula, que transcorre numa amoral Londres vitoriana, combina horror e humor ao tecer uma análise sombria da natureza humana. A essência do espetáculo, aliás, é explicitada durante a execução da primeira canção, The Ballad of Sweeney Todd, que apresenta um homem aviltado a serviço de um deus cruel e vingativo.

Na ágil e envolvente encenação de Zé Henrique de Paula, atores caminham entre mesas, a centímetros dos espectadores, e a trama se desenvolve em diferentes espaços cênicos. Às vezes a imersão, que encapsula o público nos terríveis atos a que testemunham, parece claustrofóbica, mas esta dinâmica age a favor da mis-en-scène. A demolição do molde convencional de se contar uma história não impediu a reverência ao livro O Colar de Pérolas (1846), dos britânicos Thomas Peckett Prest e James Malcom Rymer, que inspirou a obra escrita pelo romancista inglês Hugh Wheeler, com letras e canções de Sondheim. O diretor sublinhou o espírito intenso e estranho do teatro Grand Guignol, pautado por sua violência gráfica e tipos amorais. E criou sequências de forte impacto, como o coral de cenas simultâneas na abertura do segundo ato, pontuado por flashes de luz vermelha que inundam o ambiente a cada freguês despachado na barbearia.    

Uma das razões da bem sucedida montagem é o efeito de contraste que mobiliza os eventos. Uma canção com tons de epifania de Todd é imediatamente seguida por outra na qual os protagonistas usam trocadilhos sobre possíveis novos sabores de torta. Momentos de maior tensão, como a hora em que barbeiro se prepara para barbear o juiz Turpin, são definidos com melodias mais líricas. Uma caixa de lâminas de barbear é manipulada sob acordes sentimentais.  

Tanto na interpretação desafiadora do complexo repertório, quanto na composição dos personagens, o elenco entrega eficiência. Cada ator imprime suas personalidades aos seus respectivos papéis, formando uma máquina bem azeitada. Rodrigo Lombardi habita Todd com aparente contenção física, delineando um sujeito enraivecido que luta contra um sistema judicial degenerado. Andrezza Massei se revela assustadoramente cômica no desenho da despudorada Dona Lovett, que assume vender as piores tortas de Londres e descobre a chance de revitalizar a atividade ao não desperdiçar o corpo dos cadáveres.

Como o típico vilão, o agressor sexual Turpin é encarnado com estudada rigidez por Guilherme Sant’anna. O braço direito do juiz, também um tipo repugnante, ganha vida na atuação convincente de Gui Leal. Na pele de Tobias Ragg, uma criança de rua órfã em processo de perda de inocência, Mateus Ribeiro exibe performance comovente e perturbada. Amanda Vicente irradia potência na representação de uma mendiga, uma mulher misteriosa que tenta convencer os outros de que há coisas estranhas acontecendo no interior da loja de tortas.  

O marinheiro idealista Anthony Hope e a cândida Johanna, moça mantida em cativeiro pelo tutor, são os dois jovens amantes, um oásis de doçura em meio às atrocidades. Dennis Pinheiro e Caru Truzzi emanam química e sinceridade em seus desempenhos. Pedro Navarro se desincumbe com naturalidade do charlatão Pirelli, vendedor de um falso tônico capilar que se torna a primeira vítima de Todd – há um número musical delicioso entre os dois rivais. O ensemble transpira rendimento solar e valoriza a produção.

A mesma coesão e energia se aplica à orquestra, regida por Fernanda Maia, também diretora musical. Os músicos capturam habilmente o espírito dramático da ação. O desenho de luz de Fran Barros, o visagismo de Dhiego Durso e Feliciano San Roman e os figurinos de João Pimenta adicionam qualidade.  

A peça desembrulha algumas questões instigantes. Alijado de sua família por Turpin, o barbeiro é vítima de um homem empoderado pela lei que se vale da aparência de juiz respeitável conferido pelo cargo que ocupa. Por sua vez, Todd também se corrompeu ao se tornar uma espécie de vingador moral, uma figura tragicamente monstruosa. O texto também explora vários ângulos do amor. O personagem-central não esquece de sua ex-mulher, mesmo acreditando estar morta há muitos anos. Johanna e Anthony Hope se entregam de coração puro um ao outro. O juiz exercita uma percepção deturpada da afeição ao manipular a menina adotada. Dona Lovett mantém ternura cega por Todd, sonhando com o ideal da felicidade conjugal. A devoção da criança órfã por Dona Lovett, que externa o seu lado maternal, também é uma forma de apego filial. Amor e bestialidade podem caminhar paralelos.       

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Stephan Solon)

 

Avaliação: Bom

 

Sweeney Todd – o Cruel Barbeiro da Rua Fleet

Texto: Hugh Wheeler, adaptado do livro O Colar de Pérolas, de Thomas Peckett Prest e James Malcom Rymer

Letras e Músicas: Stephen Sondheim

Direção: Zé Henrique de Paula

Elenco: Rodrigo Lombardi, Andrezza Massei, Mateus Ribeiro, Guilherme Sant’anna, Dennis Pinheiro, Caru Truzzi e outros.

Estreou: 18/03/2022

033 Rooftop (Complexo do Shopping JK. Av. Juscelino Kubitschek, 2041, Itaim Bibi). Sexta 21h30, sábados 16h e 20h30, domingos 18h. Ingressos: R$ 75 a R$ 220.Em cartaz até 05 de junho.  

Teatro: Estilhaços de Janela Fervem no Céu da Minha Boca

Os temas da peça são esfregados na cara. As cidades se transformaram em campos de concentração e tensão. Movimentos imobiliários em bairros escolhidos a dedo disparam os preços dos imóveis, um processo que expulsa antigos moradores para acomodar confortavelmente os novos donos do pedaço. É a falácia do discurso das obras que beneficiam a todos. Praças públicas ganham cercas para usufruto privado. Gente já sem moradia é despejada de seu canto. Empregos são dizimados e o desempregado cai na informalidade, perdendo direitos trabalhistas clássicos. Vira camelô, faz bicos, se torna motorista de aplicativo, ideia mistificadora de empreendedorismo.  

O texto do dramaturgo Victor Nóvoa não tem medo de cutucar o vespeiro da gentrificação, da precarização do trabalho, da falta de empatia. A itinerante e imersiva montagem é dirigida com rigor de relógio suíço por Eliana Monteiro, que precisa equilibrar vários elementos em espaços públicos de controle instável. Trata-se de mais um trabalho oportuno da inquieta companhia A Digna (Condomínio Nova Era / Entre Vãos), que costuma desatar reflexões sobre as relações de poder e suas implicações no contexto urbano das metrópoles.  

Há um mal estar latente numa sociedade em que muitos patinam na informalidade e lutam pela moradia própria, sem perspectivas de alcançá-la, e poucos têm o privilégio dos bons empregos e de morar em requintados condomínios residenciais. Não por acaso, o convidado para a festa de lançamento de um desses enclaves planejados de luxo, no tradicional bairro paulistano da Barra Funda, é pego no contrapé. Ao confirmar sua presença, ele passa a ser assediado em seu whatsapp por mensagens publicitárias e vídeos curtos que o familiarizam com o empreendimento Ilhas dos Sonhos Barra Funda. “Descubra essa nova forma de viver e conviver na cidade”, anuncia pomposamente o sorridente empresário do ramo (papel de Victor Nóvoa), uma dessas criaturas engomadinhas que vendem sonhos, fantasias e fetiches. Somos apresentados ainda para algumas das figuras do idílico oásis imobiliário, presumíveis moradores felizardos que visitaremos no dia da sessão.

Curioso e sob o efeito anestesiante da publicidade do novo projeto que o espectador aguarda em sua residência, no horário combinado, a chegada de um motorista de aplicativo – são doze contratados pela produção. Ele o levará até à idílica ilha. Como não se trata de uma obra convencional, a provocativa experiência dramatúrgica começa quando se entra no veículo.     

Ao longo do trajeto, o participante é atiçado a interagir com o condutor, treinado para acionar gatilhos de conversa que de alguma forma tratam dos assuntos relacionados à proposta. “O que você acha da segurança pública?”, ele quebra o gelo. Logo emenda um episódio de discriminação que vivenciou. Um diálogo sobre a desigualdade social se estabelece. Os que têm mais dinheiro podem escolher onde desejam morar. Para os mais pobres, a escolha é restrita. Aflora uma discussão sobre a sobrevivência difícil em empregos transitórios, desprotegidos, incertos. Pela janela do carro avistamos entregadoras de bicicleta que, sem tempo em meio a uma pilha insana de encomendas, precisam almoçar quentinha no meio fio – as cinco ciclistas engajadas à encenação são do coletivo Señoritas Courier. A estação de rádio fictícia toca músicas, vomita propagandas e transmite entrevistas com os bem-aventurados do tal bairro projetado. Apreensão: de repente a emissora veicula a notícia do atropelamento de um desses trabalhadores sem carteira assinada (papel de Ícaro Rodrigues). Todos sabem que a empresa para a qual o desafortunado presta serviço não irá se responsabilizar.

Aos poucos, o que parecia ser um mosaico de cenas soltas e fragmentadas adquire sentido e nexo. Ficção e realidade se fundem naturalmente. É bom que se diga que o texto, de expressão épica, não reinventa a roda. Em sua sintaxe, escancara mais um capítulo do processo de desumanização em curso nos tempos atuais. Em dado momento, o automóvel circula por alamedas internas de um desses paraísos da classe média com posses. Trezentos metros adiante, ficamos chocados ao saber de famílias sem teto que foram retirados da pracinha onde haviam armado suas barracas. Claro, elas não podiam macular a paisagem utópica. Mal o relato é digerido, distingue-se um cantinho de flores brancas e velas acesas, homenagem às vítimas da barbárie institucionalizada.      

Desembarcados no showroom do Ilhas dos Sonhos Barra Funda, os 24 espectadores da sessão são divididos em dois grupos e assistem simultaneamente, por meio de vídeos gravados, duas histórias de incomunicabilidade. São protagonizadas por aqueles personagens que ouvimos a respeito durante a corrida ou previamente pelo aplicativo de mensagens instantâneas. Em uma delas, um casal disfuncional (Helena Cardoso e Paulo Arcuri) se afunda em discussões sobre religião, sexualidade e consumo. Na outra, um trauma do passado abala o convívio entre uma mãe autoritária (Eliana Bolanho) e sua filha emudecida (Ana Vitória Bella).  

Nóvoa não se limita a cutucar o vespeiro da desigualdade econômica. Esta e outras patologias decorrentes estão bem evidenciadas na dramaturgia. O envenenamento se dá também no interior das famílias de bem. Violência, truculência, agressão e morte foram naturalizadas. Quem se importa com o homem atropelado? A acumulação de capital de uns acaba por fazer recrudescer as hostilidades e intolerâncias. Riqueza e pobreza são igualmente tóxicas para a coletividade. A cena final na rua deserta passa longe do panfletário. Se não chega a ser contundente, dá contornos a um modelo de sociedade que, a bem da verdade, não funciona para ninguém. Quem tiver ouvido e olhos que ouça e veja.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Victor Nóvoa)

 

Avaliação: Bom

 

Estilhaços de Janela Fervem no Céu da Minha Boca

 

Texto: Victor Nóvoa

Direção: Eliana Monteiro

Elenco: Ana Vitória Bella, Eliana Bolanho, Helena Cardoso, Ícaro Rodrigues, Paulo Arcuri e Victor Nóvoa

Estreou: 09/10/2021. Em cartaz até 28 de novembro.

Sábado e domingo, 18h30. Ingresso: R$ 20. Venda: https://adigna.com

Teatro: Terremotos

Uma ministra de Estado pode estar prestes a trocar de lado. Uma grávida receia dar à luz. Uma jovem não encontra um propósito na vida. Um cientista se tornou profeta do apocalipse ambiental. Nesta operística peça escrita em 2010 pelo dramaturgo inglês Mike Bartlett, o chão treme e o mundo caminha para o precipício. Resultado de abuso e negligência irrecuperáveis, o planeta se encontra condenado pelas mudanças climáticas, aquecimento global, corrupção corporativa, embate entre meio ambiente e economia, relação despedaçada entre irmãos, pais e filhos, marido e mulher.  

A fábula de advertência é intencionalmente excessiva no palco, como pleiteado pelo autor, e o público acompanha a trajetória de três gerações de uma família problemática, com início no mítico ano de 1968 até um futuro longínquo. Não se engana quem pensou em Love, Love, Love, também de Bartlett, contundente crítica à geração baby boomer, aquela que teria substituído o futuro de seus descendentes por interesses de curto prazo.

A trama peculiar, assinada por Marco Antonio Pâmio, combina questões pessoais e públicas e é movimentada por criaturas açoitadas por traumas, medos, fraquezas e escapismos. O prestigiado intelectual Rubens Kramer, que despontou no meio acadêmico no final dos anos 1960 ao disparar vários alertas sobre a gravidade ambiental da emissão de carbono das aeronaves na atmosfera, acabou aliciado pela indústria aérea na década seguinte. Hoje residindo em outro país, virou uma espécie de porta-voz do armagedom, chamando a atenção para a crise climática e o excesso populacional da Terra. Ele também se afastou de suas três filhas, que continuaram vivendo na mesma metrópole após a morte da mãe.

O contraste entre as irmãs é claro, às vezes um pouco desajeitado e nauseante. A mais velha, Sara, atua no governo de coalizão e sofre assédio de tubarões de companhias aéreas - curiosamente, ela enfrenta tentações similares às de seu pai. Ao mesmo tempo, luta para manter seu casamento com um marido desempregado, que parece ter perdido o desejo pela vida após a demissão. A do meio é Maya, que espera um bebê e tem pulsões suicidas. Ela nutre sérias dúvidas sobre a conveniência de parir uma criança em uma época ecologicamente hostil. Solitária, perambula pela cidade acompanhada de um ser imaginário, enquanto o seu transtornado companheiro investiga o paradeiro do sogro. A caçula Yasmin, uma estudante hedonista que faz strip performático, distribui drogas e pratica sexo livremente, não sabe o que quer ser ou fazer.

O cardápio de temas, os grandes choques e o clima de suspense atraem o espectador, que deve se preparar para uma estrutura narrativa anárquica. Histórias simultâneas, uma multidão de tipos e piruetas no tempo oferecem um grau de dificuldade para a compreensão de todas as conexões do enredo. Em um momento estamos no contexto da realidade, em outro no interior da mente de alguém, de repente música e dança surreais irrompem no caminho. No desfecho pouco consistente, uma veia melodramática emerge, encarnada em um messias que surge para salvar a humanidade.  

A direção manipula com dinamismo o atulhado conteúdo e sua carcaça de cenas curtas, evitando que se torne um pastiche de estilos e assuntos. O texto teve sequências extraídas para não extrapolar em sua duração, mas a montagem não chegou a ser irreparavelmente afetada. A encenação segue um fluxo suave e o perfil dos principais personagens se revela bem delineado. Pâmio contorna de maneira satisfatória a barreira de sobrepor concomitantemente quatro planos da história, um para cada irmã e o pai. As passagens de devaneio são divertidas, incluindo a recriação de nado sincronizado e um balé protagonizado por uma trupe caracterizada de mães que carregam bebês envoltos em panos.

O copioso elenco reunido, trinta intérpretes, é uniforme e bem orquestrado para executar sem sobressaltos as mudanças de tempo, local e circunstâncias. Com pontuais exceções, os atores são verossímeis em seus papéis e evoluem de forma detectável.  Luiz Guilherme faz do cientista um sujeito de quem seria fácil não gostar, porém a impressão é desfeita mais à frente. Seu desempenho forte valoriza a figura desse homem racional e um tanto maçante. Na pele da arrogante Sara, que gosta de seu status ministerial e tem sua moralidade posta à prova, Virginia Cavendish traz calor para um papel complicado, equilibrando-se entre o pragmatismo de precisar tomar decisões importantes e as pelejas pessoais para dar sobrevida ao seu relacionamento. Paloma Bernardi, que encarna Maya, exala a angústia de uma mulher sob pressão e delírios. Yasmin é desenhada com expressividade calculada por Bruna Guerin, que transmite o prazer e o desatino de suas atitudes.   

Fernando Pavão compõe um tocante retrato do infeliz marido de Sara. cuja confiança foi destroçada pela ascensão profissional da esposa e agora tenta descobrir uma nova identidade. Giovani Tozi é incisivo e determinado ao dar vida ao marido de Maya. Com elegância e porções de cinismo, Iuri Saraiva impulsiona o empresário manipulador e sem escrúpulos. Os demais, entre eles Martha Meola, Vinicius Oliveira, Angélica Prieto e Lara Hassum,  potencializam suas presenças entregando energia e entusiasmo.   

A equipe criativa contribui para os acertos do espetáculo. As orgânicas coreografias e direção de movimento são de Marco Aurélio Nunes. O design de som de Gregory Slivar, inflamado por canções e efeitos sonoros, é envolvente. A iluminação de Wagner Antônio auxilia no arranjo dos diferentes cenários da história. A minimalista cenografia - quatro grandes cubos metálicos vazados, deslocados continuamente pelo espaço cênico - é subscrita por Duda Arruk. As vibrantes projeções de videomapping são da dupla André Grynwask e Pri Argoud. Os figurinos de Fábio Namatame se adequam ao espírito da peça.    

Bartlett articula uma mistura extravagante de conteúdos sociais e políticos, drama familiar e ficção científica. Ele usa o teatro para construir sua fantasia apocalíptica sobre o destino do gênero humano. Somos sete bilhões de pessoas, num planeta que deveria comportar bem menos, mas estamos mais sozinhos do que nunca. À certa altura um personagem afirma que a Terra sabe o que quer. “Ela quer se livrar de nós”. Terremotos parece um conto de terror.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Everton Amaro)

 

Avaliação: Bom 

 

Terremotos

Texto: Mike Bartlett

Direção: Marco Antônio Pâmio

Elenco: Virginia Cavendish, Paloma Bernardi, Bruna Guerin, Luiz Guilherme, Giovani Tozzi, Fernando Pavão, Iuri Saraiva e outros.

Estreou: 05/03/2022

Teatro do Sesi (Avenida Paulista, 1313, Cerqueira Cesar). Quinta a sábado, 20h; domingo, 19h. Ingressos gratuitos. Reservas pelo Meu Sesi (www.sesisp.org.br/eventos). Em cartaz até 12 de junho.

Teatro: Assassinato Para Dois

Nesta comédia musical de mistério, com um morto na sala de estar de uma mansão, todo mundo é suspeito. Um ator interpreta o detetive, junto de seu parceiro silencioso. Seu companheiro de palco encarna as demais pessoas presentes à trágica festa. Escorada em estética noir, com ritmo de vaudeville, uso de elementos da comédia dell’arte e humor físico, a trama dos dramaturgos americanos Joe Kinosian e Kellen Blair satiriza as clássicas histórias de assassinatos protagonizadas por típicas figuras com algum grau de culpa no cartório. Alguém pensou em Agatha Christie? 

Com direção de Zé Henrique de Paula, o enredo desmiolado começa quando um romancista americano, que costuma transpor a vida privada de seus amigos e conhecidos às páginas de seus livros, levou um tiro na cabeça na noite do aniversário surpresa. Quem teria cometido o ato? Os suspeitos são interrogados. Cada um tinha razões e motivos suficientes para desejar a morte do escritor. Há a esposa ressentida, que promoveu o encontro festivo, a amante bailarina de voz sexy do falecido, o casal vizinho mal-humorado, o psiquiatra fanho que trata de todos ali, um coral pateta de meninos de rua, sobreviventes de uma tragédia no acampamento, a insuportável universitária às voltas com um doutorado sobre assassinatos em pequenas cidades. 

No melhor estilo dos célebres comediantes Irmãos Marx, os versáteis atores Marcel Octavio e Thiago Perticarrari transbordam destreza e exibem timing perfeito para a comicidade e a música. A dupla faz com que tudo pareça fácil, missão difícil diante da necessária concentração e sincronia que o trabalho exige. Ambos também revelam desenvoltura em correr para o piano e executar uma canção, sozinho ou em duo, em cenas geralmente hilárias - às vezes chegam, no meio da melodia, a trocar quem está interpretando. Com direção musical de Fernanda Maia, a deliciosa trilha sonora recheada de valsas e jazz funciona para empurrar a ação para frente.

Sem apelar para a caricatura, Perticarrari encarna o policial provinciano e sem noção, um sujeito determinado a conseguir promoção e que precisa esclarecer logo o caso antes da chegada do verdadeiro detetive. Apesar de nutrir o desejo de dominar a situação, o investigador mal consegue exercer um controle de fato sobre a investigação, mesmo porque ele tem esqueletos no armário para esconder. Octavio alcança impressionante desempenho na pele de seus diversos personagens. Ele muda a linguagem corporal, as expressões e o acento vocal em rapidez estonteante, saltando de um para o outro em frações de segundos e sem esforço aparente. Em uma sequência impagável, realiza dueto com ele mesmo, ao revezar a mulher e o marido em conflito conjugal.  

A montagem é energizada pela direção repleta de conscientes bobagens de Zé Henrique de Paula, que não deixa a encenação perder ossatura ao longo de sua progressão. O diretor, que trabalha com dois intérpretes, um piano e poucos objetos de cena, obtém efeitos máximos a partir de recursos mínimos. A teatralidade é preservada e em momento algum corre o risco de descambar para o pastelão desnecessário.

Não existe nada de original na peça. De certa forma pueril e despretensioso, o texto faz até um chiste ao gênero musical – logo de cara se anuncia que “estamos testemunhando a lenta e dolorosa morte do teatro americano”. Na verdade, o que importa aqui não é a identidade do assassino e porque matou, mas a maneira irreverente como o suspense se desenvolve. Ninguém vai embora mais inteligente do que entrou.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Caio Galluci)

 

Avaliação: Bom

 

Assassinato Para Dois

Texto: Joe Kinosian e Kellen Blair     

Direção: Zé Henrique de Paula

Elenco: Marcel Octavio e Thiago Perticarrari

Estreou: 02/11/2021

Teatro das Artes (Shopping Eldorado. Av. Rebouças, 3970, Pinheiros. Fone: 3034-0075). Ingressos: R$ 35 e R$ 70 (www.sympla.com.br). Terças e quartas, 21h. Até 08 de dezembro.  

Teatro: Escola de Mulheres

Ao escrever esta deliciosa e descontraída comédia, Molière sentiu desabar sobre sua cabeça um mundo de críticas. Rotulada de obscena e vulgar, incomodou a hipócrita sociedade francesa de 1662. Exatos 360 anos depois, o texto do dramaturgo francês, mestre na maneira satírica como observa os costumes da época, continua demolidor, como prova a boa montagem dirigida por Clara Carvalho e protagonizada por Brian Penido Ross.

Nesta peça pontuada de reflexões sobre o sentimento humano, ele interpreta Arnolfo, um sujeito de meia idade e especialista em manter romances com mulheres casadas. Como conhece todas as artimanhas que elas armam para enganar os seus maridos, Arnolfo acha que pode fraudar a realidade ao adotar uma garota de quatro anos, isolá-la em um convento e prepará-la para um casamento seguro com ele. Ao atingir a maioridade, Inês (Gabriela Westphal) é uma moça ingênua e sem malícia, mas não imune aos encantos do jovem galanteador Horácio (Ariel Cannal). Em se tratando de Molière, a estratégia de Arnolfo de blindar uma mulher contra as pulsões do amor e do sexo é um prazeroso mote para uma comédia impiedosa sobre a queda de um homem tolo o suficiente para duelar contra a natureza e o bom senso.

A diretora Clara Carvalho traduziu e adaptou os versos alexandrinos originais, fazendo os cortes necessários. Com isso, imprime fluidez, leveza e agilidade à história, deixando-a escorrer ao sabor de seus muitos eventos. Conseguiu bom resultado do elenco. Brian Penido Ross, com larga experiência no Grupo TAPA, faz um Arnolfo com todas as nuances, injetando-lhe as características de hábil, artificioso e velhaco. Ariel Cannal (Horácio) e Gabriela Westphal (Inês) convencem como o casal apaixonado, remetendo a um Romeu e Julieta com final feliz. Nos papéis dos dois criados do personagem central, Rogério Pércore (Alain) e Vera Espuny (Georgette) formam uma dupla que intervém sempre de maneira hilária. A introdução do personagem Cupido (Felipe Souza), inexistente no original, confere um caráter onírico à montagem. Fúlvio Filho imprime sabedoria e elegância ao seu Crisaldo. Completam o elenco Luiz Luccas (Henrique) e Leandro Tadeu (Oronte), em intervenções corretas.

A produção é primorosa, tendo Clara se cercado de um time de primeira linha. Chris Aizner criou um ambiente funcional, emoldurado por belíssimos telões. Nota-se bom trabalho de pesquisa nos figurinos da sempre competente Marichilene Artisevskis. Os atores circulam com desenvoltura graças à direção de movimento de Guilherme Sant´Anna. As canções interpretadas pelo elenco têm letra e música de Gustavo Kurlat, que também assina a direção musical. Tudo isso iluminado pelo bonito desenho de luz de Wagner Pinto.                                                                                                                             

É bom lembrar que Molière se inspirou nele mesmo para falar da alma do personagem ridículo. Quando escreveu a peça, sua situação era idêntica. Com quase cinquenta anos. casou-se com uma jovem de dezoito, Amanda Bejart, que o traía. Ferido pelo ciúme, colocou Arnolfo frente a uma ingênua. O humor do autor superou o próprio egoísmo. Na peça, Inês prefere o jovem desconhecido ao velho protetor. O autor permite que se ria de Arnolfo à custa de seu próprio enredo. Mas, certamente, a máscara ridícula de Arnolfo ocultava seu rosto banhado em lágrimas.

(Foto: Ronaldo Gutierrez)

(Vinicio Angelici - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

 

Avaliação: Ótimo

 

Escola de Mulheres

Texto: Molière

Direção: Clara Carvalho

Elenco: Brian Penido Ross, Gabriela Westphal, Ariel Cannal, Fulvio Filho e outros

Estreou: 15/01/2022

Teatro Aliança Francesa (Rua General Jardim, 182, Vila Buarque. Fone: 3572-2379). Quinta a sábado, 20h, domingo, 18h. Ingresso: R$ 60. Compra Online: www.sympla.com.br/teatroaliancafrancesa. Em cartaz até o dia 27 de março.

Teatro: Um Picasso

Detido em um soturno porão reservado pelo regime nazista para armazenar pinturas apreendidas e torturar opositores, Picasso (1881-1973) está sendo interrogado por Fraulein Fischer, uma historiadora de arte que se tornou emissária do Ministério da Propaganda da Alemanha. Ela deseja que o pintor espanhol informe se três retratos de diferentes períodos, confiscados de colecionadores judeus, são autênticos ou possíveis falsificações. O Terceiro Reich pretende organizar uma exposição para incinerar o que considera arte degenerada, um sinal para outros artistas que não retratam gatinhos e cachorros em suas criações. Exatamente como Picasso, autor de Guernica (1937), emblemática obra prima que denuncia a violência e os horrores da guerra.

O dramaturgo americano Jeffrey Hatcher desenvolve o drama durante a ocupação alemã em Paris, em 1941. Com muitas ideias e reflexões, o enredo explora a trajetória e a arte de Picasso, entremeado por detalhes históricos da sua formação e as motivações que o levaram a produzir tais quadros. A transação de gato e rato que o Grupo Tapa encena, com direção de Eduardo Tolentino, é pontuada por ironias, paixão, atmosfera de ameaça e tensão sexual. Um sutil e comedido duelo verbal, com personagens que ora se atraem ora se repelem.

A dupla de intérpretes envolve o público com performances precisas. Sergio Mastropasqua encarna Picasso, um homem que se vê inicialmente encurralado por desconhecer a natureza do encontro. Porém, na medida em que descortina as razões da convocação, passa a controlar a situação, disposto a todo custo evitar a destruição de seus trabalhos. O ator consegue captar e expressar o prazer intelectual e os contrassensos do egocêntrico e arrogante artista, um sexista que se vale de seu encanto natural para flertar com a oficial. Clara Carvalho sustenta Fraulein com emoção e credibilidade. A agente é uma mulher de aparência rígida, cuja vulnerabilidade é descascada ao longo da ação. Sem esconder sua admiração por Picasso, está em conflito por conta de sua atividade e teme pela sua integridade. Conforme o orgulhoso pintor e a determinada interrogadora interagem, o tênue equilíbrio de poder sofre rupturas constantes, desembrulhando novos ângulos. 

O cabo de guerra entre as duas personalidades é colocado no palco com cuidado, inteligência e sensibilidade por Tolentino. Com um rico material à disposição, o diretor contorna o desafio de encarar uma peça com apenas dois personagens em um único e claustrofóbico cenário. Ele articula marcações e movimentos dinâmicos, que em momento algum soam artificiais ou sem sincronia com os diálogos. Ao se valer de economia de recursos, atinge eficaz intensidade.

A montagem nunca deixa o espectador desinteressado. Isso porque o texto empina questões pertinentes sobre arte e política, poder e submissão, guerra e sexo, o valor da obra e o valor da vida. São temas urgentes e contemporâneos, especialmente em uma época marcada por fanatismo político, censura de livros e projeto em andamento de demonização da cultura em geral.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: Ronaldo Gutierrez)

 

Avaliação: Bom

 

Um Picasso

Texto: Jeffrey Hatcher

Direção: Eduardo Tolentino

Elenco: Clara Carvalho e Sergio Mastropasqua  

Estreou: 19/08/2021

Teatro Aliança Francesa (Rua General Jardim, 182, Vila Buarque. Fone: 3017-5699). Quinta a sábado, 20h; domingo, 17h. Ingresso: R$ 20 e R$ 60 (vendas somente pela internet: https://bileto.sympla.com.br/event/68350/d/104114). Até 26 de setembro.

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