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Teatro: Um Picasso

Detido em um soturno porão reservado pelo regime nazista para armazenar pinturas apreendidas e torturar opositores, Picasso (1881-1973) está sendo interrogado por Fraulein Fischer, uma historiadora de arte que se tornou emissária do Ministério da Propaganda da Alemanha. Ela deseja que o pintor espanhol informe se três retratos de diferentes períodos, confiscados de colecionadores judeus, são autênticos ou possíveis falsificações. O Terceiro Reich pretende organizar uma exposição para incinerar o que considera arte degenerada, um sinal para outros artistas que não retratam gatinhos e cachorros em suas criações. Exatamente como Picasso, autor de Guernica (1937), emblemática obra prima que denuncia a violência e os horrores da guerra.

O dramaturgo americano Jeffrey Hatcher desenvolve o drama durante a ocupação alemã em Paris, em 1941. Com muitas ideias e reflexões, o enredo explora a trajetória e a arte de Picasso, entremeado por detalhes históricos da sua formação e as motivações que o levaram a produzir tais quadros. A transação de gato e rato que o Grupo Tapa encena, com direção de Eduardo Tolentino, é pontuada por ironias, paixão, atmosfera de ameaça e tensão sexual. Um sutil e comedido duelo verbal, com personagens que ora se atraem ora se repelem.

A dupla de intérpretes envolve o público com performances precisas. Sergio Mastropasqua encarna Picasso, um homem que se vê inicialmente encurralado por desconhecer a natureza do encontro. Porém, na medida em que descortina as razões da convocação, passa a controlar a situação, disposto a todo custo evitar a destruição de seus trabalhos. O ator consegue captar e expressar o prazer intelectual e os contrassensos do egocêntrico e arrogante artista, um sexista que se vale de seu encanto natural para flertar com a oficial. Clara Carvalho sustenta Fraulein com emoção e credibilidade. A agente é uma mulher de aparência rígida, cuja vulnerabilidade é descascada ao longo da ação. Sem esconder sua admiração por Picasso, está em conflito por conta de sua atividade e teme pela sua integridade. Conforme o orgulhoso pintor e a determinada interrogadora interagem, o tênue equilíbrio de poder sofre rupturas constantes, desembrulhando novos ângulos. 

O cabo de guerra entre as duas personalidades é colocado no palco com cuidado, inteligência e sensibilidade por Tolentino. Com um rico material à disposição, o diretor contorna o desafio de encarar uma peça com apenas dois personagens em um único e claustrofóbico cenário. Ele articula marcações e movimentos dinâmicos, que em momento algum soam artificiais ou sem sincronia com os diálogos. Ao se valer de economia de recursos, atinge eficaz intensidade.

A montagem nunca deixa o espectador desinteressado. Isso porque o texto empina questões pertinentes sobre arte e política, poder e submissão, guerra e sexo, o valor da obra e o valor da vida. São temas urgentes e contemporâneos, especialmente em uma época marcada por fanatismo político, censura de livros e projeto em andamento de demonização da cultura em geral.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto: Ronaldo Gutierrez)

 

Avaliação: Bom

 

Um Picasso

Texto: Jeffrey Hatcher

Direção: Eduardo Tolentino

Elenco: Clara Carvalho e Sergio Mastropasqua  

Estreou: 19/08/2021

Teatro Aliança Francesa (Rua General Jardim, 182, Vila Buarque. Fone: 3017-5699). Quinta a sábado, 20h; domingo, 17h. Ingresso: R$ 20 e R$ 60 (vendas somente pela internet: https://bileto.sympla.com.br/event/68350/d/104114). Até 26 de setembro.

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