EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Credores

Escrito em 1889, o texto do dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912) é uma obra memorável e recebeu encenação impecável de Eduardo Tolentino. A peça integra o repertório do grupo Tapa há mais de uma década – foi montada pela primeira vez em 2012. O próprio diretor foi responsável pela tradução da obra (Edusp, 2023) e destaca que “o título original tanto pode estar no singular como no plural, no masculino ou no feminino”. A opção pelo nome escolhido em português “não só busca equilibrar a força entre os três personagens, mas também atribuir um caráter sobre as cobranças da própria existência.”

Ao entrar no Galpão do Tapa, o público se depara com um ambiente que remete a uma sala de estar. Quando ouvimos o terceiro sinal, apagam-se as luzes. Aos poucos a luz retorna. Dois homens suados e com toalhas amarradas à cintura dividem uma sauna. Um deles é o pintor Adolfo, marido da escritora Tekla. O outro é Gustavo, ex-companheiro dela. Em alguns momentos, ambos falam olhando para um espelho. É um momento importante na trama. Nasce ali, no expectador, uma pergunta: eles falam para si mesmos?

Quando Tekla pisa no palco pela primeira vez, ela descortina um espelho na sala. Nele vemos refletido o espelho que emoldurava a sauna da primeira cena. A partir desse momento, as palavras dos personagens fazem parte de um jogo de espelhos. Toda a montagem é entrecortada por apagões que deixam no ar a expectativa do que virá na sequência. Sombras e luzes remetem a peça a um labirinto onírico, traduzido por impressões verbais em busca de interpretações. Desenhada por elenco e direção, a iluminação contribui para a atmosfera de sonho.

O espetáculo imerge no universo imaginário de três personagens entregues a um exercício de acerto de contas. Adolfo e Gustavo se encontram em um hotel de veraneio. Eles amam a mesma mulher e buscam desesperadamente o seu amor. O encontro tece dores, moléstias, inveja, solidão, vingança e depreciação amorosa. Nesse balneário cenográfico são expostos conflitos, dilemas e feridas amorosas.

Bruno Barchesi interpreta esplendidamente o pintor que abandona a pintura para se dedicar à escultura. Uma peça de gelo inacabada, de uma mulher, está posta sobre uma pequena mesa, às vezes sob um véu. O objeto derrete aos poucos, numa metáfora, dissolvendo a paixão daqueles dois seres por uma amada inalcançável. Frágil e amparado por uma muleta, Adolfo implora amor como uma criança desamparada da sua mãe.

Com performance potente, André Garolli encarna o primeiro cônjuge. Não podendo aprisioná-la como quer, Gustavo procede à degradação do objeto amoroso: ele quer destrui-la com acusações ao desejo feminino. Magnífica, Sandra Corveloni representa a mulher por eles desejada, oscilando entre a figura livre e a maternal. Tekla quer a ambos. Mais que isso: almeja uma aliança com o seu desejo.

Ao longo do enredo move-se pelo espaço cênico um jovem, em silêncio, incorporado por Felipe Souza. Seu personagem parece um serviçal, mas a impressão é irreal. Ele circula como um objeto de desejo dos outros três. Está ali à mão, mas lhes escapa. Com sua veste alva, ele nos lembra que l’amour ne connais pas la loi. O amor é um pássaro rebelde, como expressa a cigana Carmem, de Bizet. Stringberg nos lembra que temos uma dívida com o nosso desejo e ela deve ser paga.

Não é a primeira vez que o Tapa bebe na dramaturgia do escritor sueco, engenhoso em investigar o inferno das relações conjugais. No repertório da companhia constam montagens de Camaradagem, Senhorita Júlia, Brincando com Fogo e A Mais Forte. Ao revisitar Credores, a companhia oferece um dos melhores espetáculos da atual safra teatral paulistana.

(Geraldo Martins – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: ótimo

 

Credores

Texto: August Strindberg

Direção: Eduardo Tolentino

Elenco: André Garolli, Bruno Barchesi, Felipe Souza e Sandra Corveloni

Estreou: 06/07/2023

Galpão do Tapa (Rua Lopes Chaves, 86, Barra Funda). Segundas, 20h. Ingressos: R$ 25 e R$ 50. Em cartaz até 28 de agosto.

 

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