EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Crítica: O Nome do Bebê

O contexto está arranjado para uma noite de conversa entre amigos, estimulada por boa comida e vinhos refinados. Um programa bem ao gosto da classe média. O jantar no apartamento do estressado casal de professores Pierre e Babú, no entanto, escorrega dos trilhos à medida em que chegam os convidados, o prestigiado trombonista de orquestra Claude, o irmão caçula da anfitriã, o bem-sucedido Vicente, e sua esposa grávida Anna, atrasada para o banquete por se encontrar em uma reunião de negócios.

O pavio é aceso no instante em que o futuro pai exibe o exame de ultrassom do bebê e revela o nome surpreendente que planeja dar a ele, inspirado no personagem-título do romance de 1816 do escritor suíço Benjamin Constant. A revelação é mal-recebida pelo grupo por associarem o nome à outra figura histórica e nefasta. Horrorizados, tentam dissuadi-lo dessa ideia. Uma cascata de reações e contra-argumentos brota e ameaça arrasar tanto a ceia quanto os relacionamentos.

Atracada em diálogos afiados, na mais pura tradição do teatro boulevard, a comédia dos dramaturgos franceses Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière se movimenta a partir dessas criaturas que de repente se comprazem em arremessar dardos uns contra os outros. A partir da discussão preliminar sobre bom gosto e sensatez, logo emergem mágoas antigas, ressentimentos profissionais, apelidos insensíveis, longevas rivalidades, verdades abafadas e feridas conjugais. Os visitantes, por exemplo, elogiam o cabelo de Babú e ela responde que o marido não gosta. O instigador Vicente vira vidraça e se se torna alvo de piadas por conta de suas expressões faciais.    

A montagem assinada por Elias Andreato é justa e nunca perde tração conforme a tensão e a raiva aumentam. O diretor deixa fluir de forma natural as relações febris entre os velhos camaradas, explorando habilmente o humor e as passagens mais nervosas, num estreito equilíbrio entre momentos cordiais e duelos duros.

A ação acontece em uma sala de visita projetada por Rebeca Oliveira, com estante de livros e mesa de jantar ao canto. Neste ambiente de ares claustrofóbicos, iluminado por Wagner Pinto, o elenco entrega porções de afeto e insultos. Todos têm seus momentos de destaque. Nenhum dos personagens é especialmente cativante ou singularmente antipático.  

Cesar Baccan concede uma combinação de vaidade intelectual e vulnerabilidade emotiva à Pierre, que em dado instante decide resgatar um rancor do passado contra o cunhado. No papel de Babú, a atriz Bianca Bin é expressiva no retrato da mulher que relegou a carreira para ser a mãe perfeita e acabou como esposa frustrada. A professora passa a maior parte do tempo tentando uma pacificação coletiva, mas eventualmente desterra um discurso cheio de insatisfação.

O charmoso provocador Vicente ganha corpo no desempenho vibrante de Eduardo Pelizzari, que também quebra a quarta parede para narrar fragmentos da história e unir as pontas soltas. O ator capta a comicidade de uma figura presunçosa e um bocado cínica. Com performance segura, Lilian Regina incorpora Anna, que oscila entre abrandar a fervura e atiçar mais fogo ainda aos entreveros. Marcelo Ullmann infiltra sensibilidade ao observador Claude, que guarda seus próprios esqueletos no armário e relutantemente é atraído para os embates.

A peça explora cuidadosamente o conceito de identidade e como os nomes podem moldar nossas personalidades. E alavanca um minucioso estudo sobre companheiros que, apesar dos longos anos de convívio, ainda estão buscando chegar a um consenso sobre quem eles são um para o outro. O espetáculo é um microcosmo da vida desses pequeno-burgueses amáveis, educados, espirituosos e cultos que, em segundos, ficam furiosos e degeneram para o ridículo e vulgar. O abismo entre a banalidade do debate inicial e a veemência das consequências explicita que a suposta polidez de uma certa classe média não passa de um engodo.

Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Foto (Evelson de Freitas)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Nome do Bebê

Texto: Matthieu Delaporte e Alexandre de la Patellière

Direção: Elias Andreato

Elenco: Bianca Bin, Cesar Baccan, Eduardo Pelizzari, Lilian Regina e Marcelo Ullmann

Estreou: 14/07/2023

Sesc Ipiranga (Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga). Sexta e sábado, 20h; domingo, 18h. Ingresso: R$ 12 a R$ 40. Em cartaz até 20 de agosto. 

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