EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: Once - o Musical

Aparentemente simples, o enredo apresenta duas pessoas emocionalmente desestabilizadas, agarradas uma à outra como náufragas. O dramaturgo irlandês Enda Walsh escreveu esta versão para o teatro a partir de um cultuado filme irlandês independente de baixo orçamento com o mesmo título (2007). Personagens secundários foram reforçados para encorpar o contexto, com resultados desiguais, mas o núcleo não se diluiu. O texto, que recebeu montagem bem-sucedida de Zé Henrique de Paula, sem orquestra ou banda porque o elenco inteiro toca todos os instrumentos, instaura não exatamente uma história romântica de desfecho previsível. Trata-se de uma fábula contemporânea sobre perdas, ganhos e impasses no amor, encabeçada por dois indivíduos à deriva em Dublin, que desenvolvem mútua afeição no transcorrer de cinco dias.

Ele é um cantor e compositor irlandês deprimido, prestes a desistir de seu sonho de se tornar músico desde que sua namorada fugiu para Nova York com outro homem. Sua mãe morreu e agora se resigna a trabalhar na oficina de conserto de aspiradores de pó administrada por seu pai. Tocando na rua nas horas vagas por alguns trocados, conhece uma imigrante tcheca pianista, abandonada pelo marido, que reside na cidade com a mãe, a filha pequena e outros três amigos de seu país natal. Como se sensibiliza com as suas composições, ela o encoraja a formar uma banda, gravar um CD demo e usar suas canções para reconquistar sua companheira perdida.   

A trama segue a conexão instantânea que se articula e transcende a esfera da sexualidade entre estas criaturas feridas, castigadas por recentes fracassos do coração e nítidas dificuldades para superá-los e seguir em frente. A consequência é um caso de amor que trilha outra vereda, especialmente a musical, ilustrada por uma partitura de folk-rocks, cantigas folclóricas e baladas dolorosamente bonitas compostas por Glen Hansard e Marketa Irglova - a principal, Me Afogando (tradução nacional para Falling Slowly), foi vencedora do Oscar (2008). A música é o que concede sentido, pulso e ressonância à existência de ambos.

A direção concebeu uma mis-en-scène compacta e imaginativa, encharcada de teatralidade, que apreende a beleza da trilha sonora, a empatia da dupla central e a flama dos coadjuvantes, que abastecem muitas das passagens mais cômicas do espetáculo. A ação acontece em um estilizado pub irlandês, cenário de Zé Henrique de Paula e Guilherme Ramos. Com mínimas movimentações, e o auxílio do design de iluminação de Fran Barros e Tulio Pezzoni, o espaço se transforma em ponto comercial, estúdio de gravação, oficina e apartamentos.  

A experiente Bruna Guerin (com amplo repertório de gestos e expressões) e o estreante Lucas Lima (compreensivelmente mais à vontade tocando e cantando) buscam a emoção sincera que os deixam menos triviais. Eles sustentam figuras críveis, que convidam à fácil identificação. O gentil e reticente rapaz funciona como um contraponto para a garota segura, com sotaque e dona de senso de humor seco. São almas gêmeas espelhando-se, mas sem perspectiva real de um futuro juntos, que em instante algum mascaram suas vulnerabilidades e, a partir do encontro, se percebem mudando a vida um do outro para sempre. Em uma sequência comovente, olham para uma Dublin imaginária e ela diz em tcheco que o ama. Ao pedir para traduzir o que falou, a jovem responde que a frase se referia à possibilidade de chuva naquela noite.   

O febril conjunto de multi-instrumentistas cantores e atores, que permanece sentado na borda do palco quando não está encenando, interpreta os amigos, familiares e os cúmplices musicais. Envergando figurinos típicos, assinados por Theo Cochrane, que contribuem para realçar um forte sentimento de comunidade irlandesa, eles irrompem em cena como se compusessem um coro grego. Destacam-se o pai amoroso dele (Moises Lima), a descolada mãe dela (Andrezza Massei), um gerente de banco infeliz (Thiago Brisolla), um estressado dono de loja (Nando Pradoh), um excêntrico baterista de metal pesado (Abner Depret) e uma assanhada mocinha (Vanessa Espósito). Este bando de desajustados, com graus variados de talento, toca, canta, interpreta e dança exibindo desenvoltura. Todos eles têm seus momentos solo e chegam a emocionar quando executam coletivamente a canção Sol a cappella. A direção musical de Fernanda Maia e as coreografias assinadas por Gabriel Malo se harmonizam sem contratempos.

A montagem é salpicada por certo traço de melancolia e um tipo de comicidade baseada mais nas condições emocionais dos protagonistas do que em afiados duelos verbais. Difere do teatro musical convencional e dos clichês sobre romances entre homens e mulheres juntos até que a morte os separe. Em um nível mais profundo, ele e ela são seres humanos comuns, com vidas normais e questões complicadas para resolver. Suas alegrias, expectativas e infortúnios os tornam semelhantes aos nossos.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Adriano Dória)

 

Avaliação: Bom

 

Once – O Musical

Texto: Enda Walsh (baseado no filme escrito e dirigido por John Carney)

Música e Letra: Glen Hansard e Markéta Irglová

Direção: Zé Henrique de Paula

Direção Musical: Fernanda Maia

Estreou: 17/03/2023

Teatro Villa Lobos (Shopping Villa Lobos. Av. Drª Ruth Cardoso, 4.777, Pinheiros). Ingressos: R$ 25 a R$ 200. Sexta, 21h; sábado, 17h e 21h; domingo, 16h e 20h. Em cartaz até 21 de maio.

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