EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: A Moscou! Um Palimpsesto

O patriarca morreu há um ano e chegou mais um aniversário da caçula Irina. Ela e as irmãs Masha e Olga vivem uma vida sem graça em um vilarejo russo na companhia do irmão Andrei. Como desdenham desse refúgio provinciano, sonham voltar a morar na bucólica Moscou, onde passaram uma infância feliz. O desejo do retorno, no entanto, vai gradualmente sendo adiado. A mais velha, Olga, é solteira à beira dos trinta anos e já não vislumbra mais se casar. Em um matrimônio desinteressante com um ex-professor, Masha se apaixona por um vizinho casado com uma mulher louca. A aniversariante do dia é uma jovem que ainda se ilude com um futuro idílico. O emprego, o amor, as amizades e as festas não preenchem o vazio que elas sentem em seu cotidiano.

A montagem da Companhia Setor de Áreas Isoladas, de Brasília, é atraente. Tempos atrás a trupe havia aterrissado em São Paulo trazendo na bagagem o ótimo Encerramento do Amor, do autor francês Pascal Rambert. Agora passou rapidamente pela cidade para apresentar outro trabalho de qualidade, uma livre adaptação de um dos maiores clássicos da dramaturgia mundial, As Três Irmãs, do dramaturgo russo Anton Tchekhov (1860-1904). Certamente o público paulistano ansiaria por uma temporada maior.

Nesta releitura moderna, reverente à essência da obra icônica, a ação teve vez em uma galeria de arte com ares retrô, localizado no bairro de Santa Cecília, o que permitia fácil e imediata identificação com a plateia. Não é por acaso que o subtítulo da peça carrega a expressão palimpsesto - um tipo de pergaminho medieval cujo texto impresso nele podia ser apagado para nova utilização.  

Foi essa ideia de descascar a camada original e elucidar outros sentidos que moveu a diretora e atriz Ada Luana. O público de 25 pessoas por sessão se acomodava em sofás, cadeiras e banquinhos de uma sala de estar e jantar. Em algumas sequências subia um lance de escadas até uma ampla varada. Em poucos minutos a quarta parede era quebrada e o espectador se deixava fisgar pela encenação imersiva e de meios-tons. Como se tratava de celebrar as passagens de ano de Irina, a família compartilhava com a audiência fatias de bolo, taças de espumante, vinho e vodka. A direção imprime diferentes ritmos, intensidade e formas de relacionamento entre os habitantes da casa, sublinhando os seus conflitos e seus questionamentos acerca de suas vidas. Lentamente uma aura de melancolia e niilismo ia se construindo. O que que acontecia às claras tinha tanta importância quanto o que escorria nas entrelinhas.  

A cenografia e figurinos de Roustang Carrilho, além do desenho de luz de Diego Bresani, conciliaram estilo e significado emocional e favoreceram a instauração de um clima de intimidade. Os ambientes e os objetos cênicos, que no início aludiam a um possível ensaio, eram transformados durante a mis-en-scène. Epicentro de toda o enredo, o salão passava por diversas modificações articuladas no decorrer da história pelos intérpretes, que deixavam suas marcas no espaço. Em uma das sequências, samambaias forravam um tapete. Em outra, um guarda-chuva levava a sua própria chuva.

O elenco valoriza os silêncios, os semitons e os detalhes na caracterização destas criaturas que compreendem o sentimento de urgência e a iminência do fim. Afinal, vivem na inércia, incapazes de agir, quase espectros, aspecto fundamental das figuras tchekhovianas – à medida em que o drama avançava, ficava evidente uma decadência gradual, visível na expressão facial e postura física dos atores.

Ada Luana transpira vigor e autenticidade na composição da irritada Masha, a mais propensa a cometer pecados de traição sem o mínimo pudor. Com pulsantes hesitações, Ana Paula Braga encarna a professoral Olga, modelo de delicadeza e fragilidade. Camila Meskell defende com garra a sonhadora Irina, que nutre o desejo de uma vida de conto de fadas e lá adiante se percebe cansada e desapontada - há uma passagem delicada, quando ela simula brincar com um passarinho em suas mãos e ombros. A vulgar Natasha, a esposa dominadora de Andrei, é feita com desembaraço por Taís Felippe. Se são tímidos na hora de compor  seus papeis, Filipe Togawa (Pedro / pianista) e Kalley Seraine (Andrei / violinista) se sentem mais à vontade como músicos. A dupla é responsável pela inédita trilha sonora executada ao vivo, que realça e revela os estados de alma das personagens.   

É interessante observar como o grupo se apropriou da arquitetura versátil da galeria, uma vez que a peça foi concebida no início para o palco italiano – recentemente a companhia se apresentou em Nova York e há possibilidades de levá-la para a Rússia. Neste espetáculo, à altura da complexidade da dramaturgia de Tchekhov, o público sente na pele a devastação emocional das três irmãs. O dramaturgo criou seres que vêm e vão e são engolidos pela rotina que detestam. No desfecho, a canção dolorida interpretada pelas três irmãs captura e expressa a solidão, o tédio, o desencontro e o fracasso. São vozes da despedida e da morte. 

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Diego Bresani)

 

Avaliação: Ótimo

 

A Moscou! Um palimpsesto

Texto: Anton Tchekhov

Dramaturgia: Ada Luana e Gabriel F.

Direção: Ada Luana.

Elenco: Ada Luana, Ana Paula Braga, Camila Meskell, Filipe Togawa, Kalley Seraine e Taís Felippe.

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