Teatro: Sunset Boulevard

Baseado no clássico de Billy Wilder de 1950, aqui conhecido por Crepúsculo dos Deuses, o musical desembrulha bons diálogos, personagens cínicos, uma leitura impiedosa de Hollywood e envolvente trilha sonora de Andrew Lloyd Webber. Na trama, a decadente atriz Norma Desmond (Marisa Orth) não percebeu que sua carreira de sucesso já faz parte de um passado longínquo. Nos áureos tempos do filme mudo ela reinava absoluta, mas a ascensão e consolidação do cinema sonoro a jogou no limbo. Agora encastelada em sua lúgubre mansão, ainda acredita ser uma estrela reluzente, fantasia alimentada principalmente pelo mordomo Max (Daniel Boaventura), que escreve para ela cartas de fãs imaginários. Sua vida muda no momento em que bate à sua porta Joe Gillis (Júlio Assad), um roteirista fracassado que tem mais dívidas para pagar do que roteiros para emplacar. A chegada do rapaz é uma boa circunstância para ela tirar da gaveta o script de um longa que acalenta há anos, inspirado em Salomé, com o qual pretende retomar seu protagonismo sob a direção de outro ícone das telas, o cineasta Cecil B. DeMille. O novo hóspede acaba corrompido pela chantagem financeira e se deixa aprisionar nessa espécie de gaiola dourada.

A condução desse conturbado enredo está nas mãos seguras de Fred Hanson, responsável pela direção artística da produção brasileira. O encenador e o cenógrafo Matt Kinley optaram por uma cenografia simples e não realista, composta por três torres e uma plataforma giratória, que abriga ainda projeções que simulam ambientes da mansão. À vista do público, a orquestra de dezesseis músicos, sob regência do maestro Carlos Bauzys (também diretor musical), se posiciona na torre central e executa com maestria as belas canções - o libreto e as letras de Don Black e Christopher Hampton ganharam caprichada versão brasileira de Mariana Elisabetsky e Victor Muhlethaler. A coreógrafa e diretora de movimentos Kátia Barros se inspirou na estética do expressionismo para elaborar a dança e a gestualidade dos atores, além de ter concebido um balé para o entreato. Fause Haten criou figurinos típicos do período, com exceção dos modelos envergados por Norma Desmond, que reproduzem os anos 1920 e 30, exatamente o auge da popularidade da personagem nas telas.                                                                                                                                               

Toda a encenação transpira uma leveza bem diferente da montagem que este crítico viu na Broadway em 1995, protagonizada por Glenn Close, que reconstituía com toques pesados o casarão da história. O diretor Hanson assina algumas ousadias nesta versão nacional. Ele idealizou, por exemplo, um entreato que não existia no original. Nele, uma Norma jovem, vivida pela bailarina Juliana Olguin, aparece em seu apogeu artístico, vestida em tons de prata, preto e branco, como num filme sem cores. A figura ressurge em outras passagens, no alto do palco, dando corpo a um passado do qual a obsoleta celebridade não consegue se desvencilhar.

Marisa Orth tem a oportunidade de mostrar a sua versatilidade, turbinando seu lado dramático ao sublinhar as fragilidades da diva. Canta com emoção a sofisticada e difícil partitura da obra, com notas quebradas, variando do grave ao agudo em uma mesma frase. Sua grande cena acontece no segundo ato, na sequência em que Norma visita o estúdio da Paramount e é venerada pela equipe de filmagem – ela interpreta o hit As If We Never Said Goodbye (O Tempo Não Passou), que já foi gravado por grandes cantoras, como Barbra Streisand. No papel do taciturno mordomo Max, o veterano em musicais Daniel Boaventura exprime sua voz de barítono nas canções que entoa. Júlio Assad, que quase nunca sai de cena, é uma grata revelação como ator e cantor, desempenhando com garra o malogrado roteirista. Presença marcante no palco, e dona de voz harmoniosa, Lia Canineu está adorável como a jovem roteirista que se apaixona por Joe Gillis. Os atores Bruno Sigrist (Artie Green) e Sérgio Rufino (Cecil B. DeMille) ofertam boas participações.

O tema central do musical não perde a atualidade. A tragédia da decadência de quem um dia experimentou a glória e a fama é um monstro que não deve ser desprezado.  

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(foto Marcos Mesquita)

 

Avaliação: Ótimo

 

Sunset Boulevard

Texto e Letras: Christopher Hampton e Don Black

Músicas: Andrew Lloyd Webber

Direção: Fred Hanson

Direção Musical: Carlos Bauzys

Elenco: Marisa Orthg, Daniel Boaventura, Júlio Assad, Lia Canineu, Bruno Sigrist, Sérgio Rufino e outros.

Estreou: 22/03/2019

Teatro Santader (Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 2.041, Vila Nova Conceição. Fone: 4003-1212). Quinta e sexta, 21h; sábado, 17h e 21h; domingo, 15h e 19h. Ingresso: R$ 75 a R$ 290. Em cartaz até 7 de julho.

 

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