Paisagem na Neblina

Uma obra-prima. Logo nos primeiros minutos, uma garota de 12 anos e seu irmão de 6 se dirigem à uma plataforma de trens. Estão na Grécia, prestes a embarcar para a Alemanha, aonde pretendem encontrar o pai que não conhecem. O diretor grego Theo Angelopoulos concebeu um dos filmes (1998) mais belos e poéticos do cinema contemporâneo, que não à toa faturou diversos prêmios ao longo da carreira. Voula e Alexandre, vamos descobrir pelas cartas que escrevem, não querem morar com o pai, mas apenas vê-lo e retornar. Na verdade, talvez não saibam bem o que buscam – talvez algum tipo de afeto ou a origem perdida - e viajam meio que sem rumo.  Trata-se de um road movie existencial, que transcorre em tempo lento, com fartos planos-sequência, poucos diálogos e longos silêncios. É um tipo de filme reflexivo, de alta voltagem poética, mais preocupado em desnudar o estado emocional dos personagens. Tudo embalado por uma cuidadosa composição de cores e luzes.  À semelhança do poema épico Odisséia, de Homero, a longa viagem ganha contornos de um rito de iniciação e transformação. O curioso nessa jornada por paisagens desertas e sombrias é que Grécia e Alemanha não fazem divisa territorial, como se dá a entender no plano inicial. É uma liberdade poética do diretor que, ao referir-se a linhas geográficas, sinaliza estar falando simbolicamente de outros tipos de marcos e limites, ou seja, de fronteiras interiores e exteriores. Angelopoulos, que descarta psicologismos e elege as grandes paisagens como espaço para desembrulhar seus dramas, tem apreço especial por personagens em percursos de autoconhecimento e à procura de paraísos perdidos. No fundo, ele celebra a importância da memória e da história como elementos necessários à compreensão da obra humana. Longas como A Eternidade e Um Dia e O Passo Suspenso da Cegonha iluminam essa vocação para o resgaste.

Nesse conto de fadas triste e melancólico, de grande densidade simbólica, Voula e Alexandre irão vivenciar situações de contrastes – amor x morte, ternura x violência, bem x mal. Assim, tipos estranhos, personagens generosos e hostis e situações imprevistas permearão a longa trajetória dessas crianças. Há uma cena de estupro na carroceria de um caminhão, que não se vê, mas gera inevitável desconforto. Com signos e alegorias espalhados pelo filme, Angelopoulos transita entre o contemplativo e o meditativo. Em uma bela sequência, a neve despenca e as pessoas ficam paralisadas, o que permite aos pequenos escaparem de uma delegacia de polícia. Uma mão de pedra com o dedo indicador mutilado é resgatada do mar por um helicóptero e sobrevoa a cidade – possivelmente símbolo de que não há um caminho a se apontar. Em outra sequência pungente, uma noiva sai correndo de um prédio em festa enquanto um cavalo agoniza na neve.  Uma companhia de atores desempregados vaga em transe pelas ruas – querem representar, mas no mundo moderno a arte perdeu completamente o interesse. Mais adiante surge Orestes, um jovem motociclista que livra a dupla de um perigo. O nome dele é intencional – uma releitura do mito grego do filho induzido a vingar a morte do pai, na tragédia Ésquilo. Há um clima de tensão e atração entre Voula e Orestes, que não se consuma. A maneira como o cineasta acompanha a viagem destes obstinados irmãos é cheia de ternura e compaixão. Sua homenagem ao cinema está retratada na cena em que Orestes pede aos dois viajantes mirins que observem um fotograma e visualizem uma árvore em meio à névoa. No delicado final, a embarcação que cruza o rio deixa em dúvida se ambos continuam vivos. No universo mitológico que rege parte da trama, poderia muito bem ser a barca de Caronte, que gregos e romanos da antiguidade acreditavam transportar as almas dos mortos. (Edgar Olimpio de Souza)

 

Avaliação: Ótimo

 

Paisagem na Neblina

Título Original: Topio Stin Omichli (Grécia, 1988)

Gênero: Drama, 133 min

Direção: Theo Angelopoulos

Elenco: Tania Palaiologou, Michalis Zeke, Stratos Tzortzoglou e outros

Distribuidora: Lume

 

Assista ao trailer:

 

 

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