EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Spotlight - Segredos Revelados

Muito comparado ao épico do jornalismo investigativo Todos Os Homens do Presidente (1972), este guarda uma diferença fundamental: enquanto lá nos anos 1970 aquele longa tinha um ar documental e paradigmático do tempo ainda forte do Jornalismo, aqui o premiado Oscar de Melhor Filme transmite uma atmosfera de fim de época.

O filme inicia com a chegada de um novo editor, Marty Baron (Liev Schreiber), ao jornal Boston Globe num diálogo com chefe da equipe investigativa chamada Spotlight, Walter Robinson (Michael Keaton). Há o medo da demissão e a preocupação da perda de leitores para a Internet. Sua missão é tornar o jornal “essencial para os leitores locais”. Baron torce o nariz ao saber que a equipe Spotlight demora meses para encontrar uma nova pauta e está preocupado com a perda dos classificados do jornal.

“Ele é judeu, não é casado e odeia beisebol”, como jocosamente comentavam os repórteres nos bastidores sobre o novo editor que claramente está ali para tentar salvar o Boston Globe diante dos novos tempos do século XXI.

A redação do jornal é formada essencialmente por jornalistas que cresceram, estudaram e vivem na cidade onde o tema das rodas de conversas goram em torno do último jogo da temporada de beisebol ou sobre a consulta médica de um amigo. Baron sabe que esse provincianismo é uma barreira para o novo tempo global que a Internet prenunciava no início do século - a história se passa em 2001.

E ele confronta a referida equipe com uma pauta que fora desprezada pelo jornal e que precisa ser retomada: a velha história de um padre (John Geoghan) sobre quem se multiplicam acusações de abuso infantil e que tem um potencial de se transformar em um escândalo global – os documentos podem revelar um esquema sistêmico da Igreja para acobertar padres pedófilos.

Para jornalistas que vivem em Boston e que cresceram com grande deferência à Igreja Católica, levar esse tema às últimas consequências é assustador: “Você que processar a Igreja?!?!”, exclama assustado um dos editores do jornal.

As representações que Hollywood faz sobre o Jornalismo nas telas sempre foram, no mínimo, ambíguas: os jornalistas são investigativos, ousados e aventureiros, mas também cínicos, inescrupulosos, alcoólatras e arrogantes.

Por isso, o Oscar de Melhor Filme a esse episódio real da revelação do sistemático acobertamento pela Igreja de inúmeros casos de pedofilia deve ser relativizado: com essa premiação Hollywood na verdade tocou um réquiem para o fim de uma era do jornalismo – a crise do jornalismo analógico, local e comunitário substituído pelo digital e global das novas tecnologias. Ironicamente, aquilo que o filme consagra (a lenta e cuidadosa investigação, a precisão e checagem das informações) na verdade é um mundo que deixa de existir justamente pela urgência demonstrada pelo novo editor Marty Baron – paradoxalmente, tornar o jornal “essencial para os leitores locais” é trazê-lo para as pautas do mundo on line onde justamente esses valores jornalísticos que o filme consagra deixam de existir pela velocidade e imediatismo.

Diferente do documentário de 2012, Mea Maxima Culpa: Silence in The House of God (onde Alex Gibney sugeria que o Vaticano manteria registros sobre abuso de crianças por padres desde o século IV), Spotlight muda o foco. A Igreja é representada no longa de forma abstrata como “todo o sistema” e os choques do jornal com a instituição católica são apenas mostrados de passagem.

A narrativa concentra-se mais na questão de como uma comunidade inteira pode tornar-se cúmplice de crimes tão abomináveis. “Se toda a comunidade educa uma criança, toda a comunidade abusa dela”, diz a certa altura o advogado Mitchell Garabedian (Stanley Tucci) cujos clientes enfrentam uma conspiração de silenciamento pelos membros da alta sociedade de Boston.

Spotlight quer mostrar como a própria força do jornal Boston Globe (sua redação formada por jornalistas que nasceram e vivem na própria cidade que lê o jornal) foi a sua fraqueza: silenciosamente a vida na comunidade fez ignorar uma notícia que há muito tempo deveria ter merecido uma primeira página.

O ator-diretor Tom McCarthy parece ter sido o nome certo para o projeto dessa produção: ele é um especialista em personagens outsiders ou estrangeiros – Em O Agente da Estação (2003) um exilado se muda para uma estação de trem abandonada em busca de solidão e se torna o catalisador de mudanças inesperadas. Em O Visitante (2007) um professor tem sua vida inesperadamente mudada quando descobre que em seu apartamento mora ilegalmente um casal de estrangeiros (uma senegalesa e um sírio).

Dessa vez temos um editor judeu e Garabedian, advogado armênio, que no filme são também catalisadores de transformações numa comunidade em que segredos são abafados por festas e confraternizações sociais onde “uma mão lava a outra”. Tudo cimentado ideologicamente pelo fervor religioso e pelas costumeiras missas de domingo. Como se fala em uma linha de diálogo em certo momento, só mesmo estrangeiros vindos de fora daquela cidade poderiam enxergar algo que todos recusavam ver.

Se historicamente Hollywood cria representações no mínimo ambíguas sobre o Jornalismo (com uma tendência ao negativo), devemos levar em consideração essa perspectiva ao analisar o Oscar de Melhor Filme a esta obra. Ela é impiedosa sobre a forma como os jornalistas do Boston Globe foram também envolvidos pelo jogo do “uma mão lava a outra” que manteve por décadas os terríveis segredos envolvendo padres naquela localidade.

Se por um lado podemos considerar Spotlight um trabalho que presta homenagem ao velho jornalismo investigativo tal como em Todos os Homens do Presidente, por outro a ameaça da Internet ao jornal (citada no início do filme) e o paroquialismo e provincianismo que fizeram o periódico perder uma boa história no passado apontam para uma crítica que está latente: o velho jornalismo comunitário e local deve ser substituído pelo jornalismo global, livre das limitações regionais como laços de amizades e familiares.

No final, Marty Baron sentencia a moral da história: “passamos a maior parte do tempo tropeçando no escuro. Uma hora a luz se acende e sobra uma boa porção de culpa para distribuir”. Quem acendeu as luzes foram estrangeiros, solitários e sem laços familiares ou de amizades com aquela comunidade.

O Global se sobrepõe ao Local, no prenúncio do que se tornaria o Jornalismo com a Internet e a Globalização. Nessa perspectiva, o longa é um réquiem a um estilo de Jornalismo que desaparece com a transnacionalização das empresas de comunicação – jornalistas agora “cozinhando” informações enviadas por terminais globais, todos sentados ao invés de gastarem suas solas de sapato e paciência checando dados em arquivos empoeirados. Essa é a ironia do filme premiado pelo Oscar: uma homenagem a um Jornalismo que não existe mais.

(Wilson Roberto Vieira Ferreira, do site Cinema Secreto: Cinegnose)

(Foto Divulgação)

 

Spotlight – Segredos Revelados

Título Original: Spotlight (Estados Unidos, 2015)

Gênero: Drama / Suspense, 128 min.

Direção: Tom McCarthy

Elenco: Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachael McAdams, Liev Schreiber,  John Slattery e Stanley Tucci.

Estreou: 07/01/2016

 

Veja trailer do filme:

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