O mestre do ilusionismo

Um homem que sobe a escada eternamente, a água que jorra para cima, pássaros que viram peixes, uma sala na qual o chão parece teto e uma mesa que, na verdade, é uma calçada. Nesta exposição do polêmico artista holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972), em cartaz em São Paulo, a certeza da realidade única é subvertida sem dó. O espectador é pego de sobressalto, no contrapé, propositalmente confundido. Podem realidades diferentes coexistirem? No universo de Escher, sim.

As 95 obras reunidas, entre as mais conhecidas, intrigantes e enigmáticas de seu repertório, incluem gravuras originais, desenhos e fac-símiles. O material exposto faz parte do museu de Haia (Holanda) e a curadoria é assinada por Pieter Tjabbes, expert em artes, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e consultor do Ministério da Cultura. Na mostra, que conta também com atividades interativas, instalação, animações e filme 3D, é possível apreciar as diversas fases do artista – até mesmo desenhos que revelam o seu processo criativo e culminaram, por exemplo, em algumas metamorfoses.

Poucos nomes conseguem atingir um público tão amplo quanto ele. Quem vê a obra desta figura que revolucionou a arte gráfica, se fascina pelos espaços tridimensionais que saltam de superfícies planas e das situações impossíveis. Suas gravuras, por exemplo, ilustram calendários, são reproduzidas em capas de livros, estampam anúncios. “Vejam, eu mostro-vos algo que vocês não consideram possível”, disse, certa vez. De fato, ele utiliza todos os jogos da perspectiva ocidental para criar representações inusitadas, mundos inexistentes e realidades distorcidas, com notável qualidade técnica e estética.

Entre os trabalhos expostos, estão os do período italiano (1922-1935), quando ele lançou mão dos tradicionais elementos da pintura. Nessa fase, os quadros de paisagens naturais e urbanas do sul da Itália e das regiões costeiras mediterrânicas já sinalizam um gosto em trabalhar com espaços e perspectivas que se tornarão mais complexos ao longo de sua trajetória.

Ilusões e distorções. A temporada naquele país, no entanto, foi abruptamente interrompida por conta da política ditatorial de Mussolini, que sufocou a criação do artista. A gota d’água ocorreu quando a escola de seu filho George, de nove anos, obrigou-o a vestir o uniforme Balilla da juventude fascista. A família abandonou o país em 1935, revezando-se por diversas cidades européias. Chegou, inclusive, a viajar na companhia de cargueiros, remunerando-os com os próprios trabalhos gráficos.

Após dois anos de sua partida, suas obras passaram por modificações significativas. É desse período a série de trabalhos com metamorfoses e ilusões de óticas, que integram a coleção em cartaz. A xilogravura Metamorfose I (1937) inicia a fase na qual o artista utiliza elementos rigorosamente geométricos que se transformam em figuras reconhecíveis. Nesta gravura em madeira, há uma modificação gradual de uma cidade para cubos e destes para elementos que resultam em uma imagem chinesa. Além dessa obra, símbolo da fase transitória, estão em exibição outras metamorfoses conhecidas, como Ar e Água (1938) (foto acima) e Circulação (1938).

As ilusões de óticas, por sinal, são uma constante em sua carreira, provocadas pela distorção da perspectiva clássica e por desenhos tridimensionais que parecem surgir de um mundo plano. Na litografia Desenhando-se (1948) (foto ao lado), a mão direita e a mão esquerda foram representadas em volume por meio do jogo de claro-escuro. A destra desenha o punho da camisa esquerda e vice-versa. Ambas fazem parte do mesmo papel, preso na superfície por taxas. Elas foram retratadas cuidadosamente diferentes. Não há começo nem fim, mas um continuum na superfície plana.

Na litografia Relatividade (1953) (foto de abertura), Escher acrescenta um silêncio melancólico no movimento infinito. Habitantes sem face vivem em três superfícies distintas, incapazes de se conjugarem. Eles caminham lado a lado, contudo, utilizam as escadas de maneira oposta. Enquanto um habitante sobe por um lado, o outro desce. Não há contato entre eles, estão em mundos diferentes, apesar de estarem próximos.

Real e imaginário. A partir do século XX, o padrão geométrico transforma-se em verdadeiros fractais, como na xilogravura Cada Vez Menor (1956). Em Répteis (1943) (foto ao lado), a figura de um réptil é reproduzida em cor laranja, branco e preto, que diminui de tamanho conforme se converge ao ponto de fuga. A gravura, no todo, é composta pelo mesmo modelo – o retrato desse animal. É a unidade formando um princípio que lembra os fractais do matemático Mandelbrot.

O artista holandês também criou figuras impossíveis, a partir da concepção do laço de Moebius, outro matemático. Esse laço pode ser cortado em comprimento, sem que se desfaça em dois círculos, e tem apenas um lado com uma borda, formando-se o símbolo do infinito. Um exemplar dessa técnica é a xilogravura Laço de Moebius II (1963), uma trama sem início e final, que serve como superfície para uma formiga transitar de maneira constante.

As suas obras anteriores já manifestavam a concepção de infinito, principalmente em representações de superfícies e de espaços arquitetônicos como, por exemplo, Ascendente e Descendente (1960) (foto ao lado). Essa última litografia simboliza um mosteiro visto de cima, com dois monges - um sobe e o outro desce as escadas. Ao observá-los, veremos que o monge nunca para de subir ou descer. Não há fim. Mas, como isso é possível? O artista utilizou-se da teoria de Penrose para criar um complexo jogo de níveis de planos ascendentes horizontais e verticais.

Escher é a síntese de universos aparentemente opostos. Entre a precisão racional e a sensibilidade criativa. A representação plana e a volumétrica. O mundo real e o imaginário. O espaço e o tempo. O finito e o infinito. Como ele próprio questiona: “Por que o mundo, ao menos o mundo retratado na arte, não pode ser uma combinação de diferentes realidades?”.

(Ivan Ferrer Maia - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. / twitter: @ivanfm1)

 

O Mundo Mágico de Escher

Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo. Fone: 3113-3651). Terça a domingo, das 9h às 20h. Grátis. Até 17 de julho. 

 

Veja animação sobre a obra de Escher:

 

 

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