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O Apartamento

O conflito ético exposto aqui é vertiginoso, doloroso, asfixiante. Que explode, principalmente, nos últimos trinta minutos de projeção. O diretor iraniano Asghar Farhadi, que cultiva o hábito de abordar temas concernentes à desarmonia doméstica e à sociedade iraniana (A Separação/O Passado), entrega um trabalho perturbador. O casal de classe média Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) é obrigado a deixar o prédio onde residem, ameaçado de ruir, com vazamentos de gás e rachaduras ameaçadoras nas paredes. Provisoriamente, por indicação de um amigo, eles se instalam em um apartamento vago. O local servia de lar e ponto de encontro de uma prostituta, que parece ter saído às pressas e deixado alguns pertences pessoais amontoados em um dos quartos.

Ambientada em Teerã, a trama esquenta de vez após a ocorrência de um episódio violento envolvendo Rana. Por descuido, enquanto tomava banho, ela é atacada por um estranho, possivelmente cliente da ex-inquilina mal afamada. Por meio de uma elipse, a sequência da agressão é omitida. Ela teria sido violada? A esposa afirma ter dificuldades em se lembrar dos detalhes. A natureza da violência é tratada com zelo, sem espalhafato, mas tudo indica que a mulher foi estuprada - a palavra estupro ou violação, por sinal, não é mencionada uma única vez ao longo do enredo. Curiosamente, o invasor deixou uma série de pistas, como um telefone celular, dinheiro, um conjunto de chaves, que abrem uma caminhonete abandonada nas proximidades, e um rastro de pegadas sangrentas. Como a polícia não foi acionada, para se evitar outro tipo de humilhação em uma sociedade machista, durante um tempo nada desses vestígios irá acrescentar alguma coisa.    

A partir desse acontecimento brutal, ambos passam a reagir de maneiras diferentes, o que instaura pressão sobre o seu relacionamento. Ao regressar do hospital, Rana fica na defensiva, traumatizada e cheia de fobias. Ela é uma maçaroca de nervos e contradições, além de fazer exigências irracionais. Homem versado na arte e cultura, o professor de literatura desconstrói sua postura gentil e equilibrada, devorado pelo desejo de se vingar de alguém que não conhece. Visivelmente ele teve seu orgulho viril ferido e a ameaça de vexame público o perturba mais do que a selvageria sofrida pela sua companheira. Está acesa a centelha do fogo que consumirá a união conjugal, simultaneamente à erosão da fortaleza moral de Emad.        

Para todos os efeitos, trata-se de um filme de desforra e retaliação, que vai além das palavras e intenções. O quadro ainda ganha outro escopo e sentido pelo fato de eles atuarem em uma companhia de teatro amador, que atualmente encena o clássico A Morte de Um Caixeiro Viajante. Como o show não pode parar, Farhardi aproxima as circunstâncias complexas da vida real do casal com as cenas da peça de Arthur Miller. No palco, um angustiado Willy Loman (Emad) se questiona porque não consegue assegurar uma condição financeira estável à sua família – embora adorado, ele espelha a figura do sujeito fracassado. Fora do ambiente teatral, Emad se digladia por não ter podido proteger sua mulher da abjeta agressão. Ou seja, ele falhou em cumprir uma imposição moral da sociedade. A correlação entre ficção e realidade se cristaliza em outras duas situações, quando as esposas imploram a seus maridos para não irem trabalhar.

Com direção crua e austera, o cineasta articula com habilidade o ritmo, a tensão e as informações intencionalmente rarefeitas. De forma gradativa consolida a sensação de impotência, a atmosfera de paranóia e o raciocínio de que ninguém conhece inteiramente a pessoa que ama. Os silêncios se multiplicam e o que não é dito soa desconfortável, incômodo. Preciso e inteligente, o roteiro obteve prêmio no último Festival de Cannes – o ator Shahab Hosseini também foi laureado no mesmo evento cinematográfico. O clímax é desesperador, com a introdução de um personagem fundamental. Inicialmente sua aparência anódina desperta indiferença, até certa ojeriza, mas em breves minutos ele consegue comover o espectador. Já Emad, tragado pelo instinto de perdão e o anseio de vingança, está transfigurado. A dúvida encaminhará o relacionamento ainda mais para a borda da destruição.  

O longa não se restringe apenas a um estudo sobre o indivíduo assombrado pelos seus fantasmas interiores e as fissuras inexoráveis que corroem o casamento, como a metáfora do edifício em degradação escancara. Abre-se também para fazer uma autópsia da sociedade iraniana, ensimesmada em seus rígidos códigos de honra e a perpetuação da desigualdade de gêneros. Se no início o protagonista é retratado como um educador progressista, aos poucos ele submerge em tabus e preconceitos por temer uma mancha impagável em sua dignidade. Por isso age obsessivamente em sua cruzada vingativa, chegando a desdenhar do trauma de Rana. Em entrevista, o diretor comentou que o comportamento de Emad não é irracional, mas premeditado. E que a brutalidade em curso pelo mundo afora tem justificativa ideológica. A obra, nesse sentido, explicitaria o mal estar contemporâneo.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Apartamento

Título Original: The Salesman (Irã / França, 2016)

Gênero: Drama, 125 min.

Diretor: Asghar Farhadi

Elenco: Shahab Hosseini, Taraneh Alidoosti, Babak Karimi, Farid Sajjadi e outros

Estreou: 05/01/2017

 

Veja trailer do filme:

40ª Mostra: O Melhor do Cinema Mundial

Casal de irmãos mantém relação incestuosa.

Mulher de meia idade descobre um rabo nascendo em seu corpo.

Duas sereias se envolvem com humanos em casa noturna.

Zumbis coreanos promovem terror em trem de passageiros.

Vítima sente atração por quem a estupra.

Estranha criatura enlouquece quem entra em contato com ela.

Estes são temas de alguns filmes que movimentam a maratona cinematográfica na capital paulista, entre 19 de outubro a 2 de novembro.

 A prestigiada Mostra Internacional de Cinema, em sua 40ª edição, traz 322 títulos de diversos países do mundo, um xadrez de gêneros, linguagens, estéticas e temas.

A programação oferece um baú de longas marcantes e memoráveis.

É o caso, por exemplo, de Elle (foto acima), o provocativo trabalho do diretor holandês Paul Verhoeven.

Magnata de uma empresa de videogames, a divorciada de meia-idade Michelle (Isabelle Huppert) é violentada em sua casa e tenta superar o fato.

Ela tem de enfrentar um trabalho desgastante, enreda-se nos problemas familiares e mantém caso secreto com homem casado.

Para complicar, a executiva é filha de um notório assassino em série dos anos 1970 e muita gente acredita que, de alguma forma, a então menina estava envolvida em seus crimes.

O estupro é esquecido durante longos períodos da narrativa, mas a memória do evento permanece sorrateiramente em Michelle.

Curiosamente, a identidade do estuprador é revelada sem muito alarde, porque tanto o agressor quanto a agredida iniciam um tipo estranho de relação sadomasoquista.

Trata-se de um thriller desconfortável, um instigante estudo de caráter e da natureza do desejo.

Em O Apartamento (foto ao lado), o interessante drama do diretor iraniano Asghar Farhadi ambientado no Teerã, o casal de classe média Emad e Rana é obrigado a deixar o prédio onde moravam, ameaçado de ruir, e se instalam provisoriamente em um apartamento indicado por um amigo, ex-residência de uma prostituta.

Afora suas atividades profissionais, eles contracenam em uma montagem teatral de A Morte de Um Caixeiro Viajante, clássico de Arthur Miller.

A trama se incendeia no instante em que a esposa é atacada dentro do lar por um estranho, sequência que não é mostrada.

A partir daí, ambos reagem de maneiras diferentes, o que instaura pressão sobre o seu relacionamento.

Há um encanto formal na maneira como Farhardi aproxima as situações sombrias e complexas da vida real do casal com as cenas da peça de Arthur Miller.

No palco, um angustiado Willy Loman (Emad) se questiona porque não consegue propiciar à sua família uma condição estável de vida.  

Na tela, Emad quer entender porque não pode proteger sua esposa do assalto.

A tensão vai gradativamente aumentando, turbinando a atmosfera de paranóia do homem.

No desfecho, após o surgimento de um terceiro personagem, Emad se vê mergulhado entre o instinto de perdão e o anseio de vingança, dúvida que levará o casamento ainda mais para a borda da destruição.

Morte em Sarajevo (foto ao lado), do cineasta bósnio Danis Tanovic, é envolvente.

Um luxuoso hotel na capital bósnia se prepara para receber importantes políticos para relembrar o centenário do assassinato do arquiduque Franz Ferdinand por um nacionalista sérvio, estopim da Primeira Guerra Mundial.

O longa toca na ferida da discórdia paralisante da região, que já foi território de conflitos e derramamento de sangue entre vizinhos próximos.

Várias intrigas transcorrem simultaneamente.

Há uma greve em gestação entre os funcionários, explosivo o suficiente para colocar em risco o evento programado para acontecer.

O gerente do hotel precisa arrumar a casa, nem que para isso chantageie a recepcionista, seu braço direito na administração, e apele para gângsteres para coibir o movimento grevista.

Um palestrante importante da França está no quarto se preparando para o discurso, sendo secretamente monitorado em vídeo por um segurança.

No topo do prédio, uma jornalista de televisão entrevista especialistas e historiadores sobre os episódios de um século atrás.  

O entrevistado mais eloqüente é um nacionalista sérvio, para quem o assassino era um herói nacional e não um terrorista.

Tanovic circula com desembaraço pelos múltiplos enredos.

A câmera segue os personagens e concede um sentido metafórico aos acontecimentos.

Outros três filmes são obrigatórios.

Um deles é o venezuelano El Amparo, do diretor Rober Calzadilla, sobre o drama de pescadores confundidos com guerrilheiros.

Produção tensa, que faz um registro acurado do embate entre uma cidade e as autoridades.

O que se discute, nas entrelinhas, é quem controla a verdade.

A cena capital do massacre, por exemplo, não é exibida.

A opção pela sugestão deixa entrever que a realidade pode ser facilmente manipulada por quem detém o poder e dá as cartas.

O cineasta sul coreano Park Chan-wook desembarca com The Handmaiden (foto ao lado), um provocante jogo de aparências e mentiras tendo como pano de fundo uma Coreia ocupada pelos japoneses, nos anos 1930.

Inspirada num romance inglês, a narrativa em quebra-cabeças se dilui em três capítulos, cada um mostrando um ponto de vista diferente.  

Como num thriller hitchcockiano, o espectador é seduzido pelas artimanhas dos personagens, seus golpes, traições e crueldades. 

Se a violência física aqui é praticamente inexistente, a emocional mostra suas garras.

Obra psicológica perturbadora, clara alusão à perversão e repreensão sexual na cultura japonesa.

Depois da Tempestade, do diretor japonês Hirokazu Koreeda, captura pela emoção.

Simples e melancólica, a trama é centrada num escritor decadente que se esforça para reconquistar o amor da ex-mulher e o respeito da família.

Por causa de um tufão, eles voltam a se reunir brevemente ao longo de uma noite, mas o encontro, que desperta algumas lembranças e gestos de carinho, não é o suficiente para uma possível reconstrução familiar.

Nesta 40ª edição, três grandes diretores lograram atenção especial.


Um dos cineastas mais humanistas do cinema, o polonês Andrzej Wajda (1916-2016) assina dezessete títulos, entre eles, Cinzas e Diamantes (1958), O Homem de Mármore (1976), O Homem de Ferro (1981) e Walesa (2013).

Em sua filmografia emergem substancialmente questões da Segunda Guerra, do totalitarismo e da transformação democrática na Europa Central.

São produções que retratam, pelo viés artístico, importantes períodos da história contemporânea polonesa, sempre estabelecendo um contraponto entre o indivíduo e o regime opressor. 

Com fotografia em preto e branco, O Homem de Mármore (foto acima) apresenta uma jovem cineasta lutando para emplacar um documentário sobre um líder proletário que, tornado herói stalinista, acabou vítima do sistema e desapareceu.

De certa forma, o filme antecipou o movimento Solidariedade e a revolução nos estaleiros de Gdansk.

Último dos grandes cineastas europeus a beber na fonte do existencialismo, o influente polonês Krzysztof Kieślowski (1941-1996) (foto ao lado) está representado pela sua obra-prima Decálogo, releitura contemporânea dos Dez Mandamentos.

Nessa série, originalmente produzida para a televisão polonesa, o diretor propõe uma reflexão multifacetada acerca de temas  universais da condição humana, como amor, culpa, solidão, amizade, tristeza, ética e medo.

Todas as dez histórias têm como cenário único um conjunto residencial localizado em Varsóvia, capital da Polônia.

Em um dos episódios, mulher engravida do homem com quem mantém caso extraconjugal e resolve abortar se o seu marido, gravemente enfermo, se restabelecer.

Em outro, professor universitário se vê dividido entre a crença científica e a fé religiosa.

Num dos mais impactantes, desempregado mata brutalmente um taxista sem motivo aparente.

Há ainda uma mulher desesperada que, na noite de Natal, bate à porta da casa de um ex-amante e pede o seu auxílio para encontrar o cônjuge desaparecido. 

Grife do cinema político italiano, autor de filmes desafiadores como Bom Dia, Noite (2003), De Punhos Cerrados (1965) e Diabo no Corpo (1986), o diretor italiano Marco Bellochio marca presença no festival.

Em seu mais recente trabalho, Belos Sonhos (foto ao lado), ele investiga a figura materna, por meio da sua ausência ao longo da vida do protagonista.

A cicatriz do amor maternal desaparecido assombra o personagem, nascido em uma família disfuncional, que viveu muito tempo sem saber exatamente o que aconteceu com a sua progenitora.

Não é o mistério sobre a morte mal explicada dela que dá substância ao enredo, mas o processo psicológico que assola Massimo a partir desse evento.

O filme serpenteia para frente e para trás, do tempo em que era criança, quando dançava twist com a mãe, ao retorno, já na meia-idade, ao apartamento da família, com a missão de esvaziá-lo.

Bellochio tece pungente e doloroso tributo à idealização do amor materno.   

Eu, Daniel Blake

Quando o filme tem início, ouvimos a voz desinteressada, com um tom robótico, de uma médica que questiona os sintomas apresentados pelo personagem-título. Aparentemente ignorando o problema principal – o ataque cardíaco que este sofrera há alguns meses e que agora o impede de trabalhar -, ela parece tratá-lo como um mero inconveniente. Seu descaso é tamanho, na verdade, que nem mesmo seu status profissional ela se importa em oferecer: indagada se é médica ou enfermeira, ela se limita a repetir ser uma “profissional da saúde”.

O que ela é, de fato, não demora a ficar claro: uma funcionária terceirizada de um governo (no caso, o britânico) que se mostra absolutamente indiferente aos dilemas de seus cidadãos mais carentes – gente como Daniel Blake (Johns) e Katie (Squires), uma mãe solteira que, com dois filhos para criar, passa os dias se matando em subempregos e as noites cuidando da casa dilapidada na qual reside para que as crianças possam ter um lar minimamente habitável.

Dirigido pelo britânico Ken Loach, cineasta com uma preocupação recorrente com o homem comum e as questões políticas que os movem ou massacram, o longa é um trabalho que ilustra com perfeição o sentimento de frustração e impotência de pessoas que, presas no fundo do poço, não demoram a descobrir que nenhuma escada será lançada em sua direção pelo sistema impessoal, que usa a burocracia com o claro objetivo de criar dificuldades desnecessárias que levem qualquer indivíduo necessitado a acabar desistindo de buscar auxílio. Ao mesmo tempo, o roteiro de Paul Laverty exibe um otimismo que não deixa de ser reconfortante ao apontar que, fora da lógica do capitalismo selvagem e impiedoso, há geralmente a solidariedade entre aqueles que reconhecem estar em situações muito próximas umas das outras.

Aliás, alguns dos instantes mais comoventes da obra são precisamente aqueles nos quais vislumbramos, mesmo que rapidamente, pequenos gestos de apoio mútuo partindo de pessoas que já não têm muito a oferecer – e Loach frequentemente retrata isso através de breves olhares ou de enquadramentos que evocam sentimentos complexos (como aquele que traz Katie, pequena e encolhida no canto do quadro, enquanto, sentada na escada corroída de seu apartamento, chora de cansaço e desespero escondida dos filhos). Da mesma forma, é impossível não reconhecer a dor e a humilhação da mulher quando, durante uma visita a uma instituição de caridade que distribui comida, não consegue conter a fome, abrindo um enlatado ainda entre as prateleiras que contêm as doações, numa das cenas mais dolorosas do filme.

Não é coincidência, diga-se de passagem, que o mesmo Festival de Cannes que exibiu Eu, Daniel Blake tenha programado e premiado o drama francês O Valor de um Homem na edição anterior – um longa que trazia Vincent Lindon enfrentando algumas das mesmas dificuldades aqui experimentadas por seu companheiro britânico de proletariado: como apontei ao escrever sobre Jogo do Dinheiro, o cinema é um reflexo constante do mundo extratela e, portanto, é inevitável que histórias como estas se tornem cada vez mais frequentes em um sistema que se encarrega de aumentar cada vez mais as desigualdades entre aqueles mais abastados e aqueles que nada têm.

Ancorado por duas performances centrais profundamente sensíveis e sofridas, o filme de Loach aponta, com sua imensa empatia, aquilo que deveria ser óbvio para todos: que se o Estado não tiver a humanidade de oferecer suporte aos que nada ou muito pouco possuem, não será o “mercado” que irá fazê-lo. Afinal, para este a miséria é uma estatística e o cidadão é constantemente avaliado não como um ser humano, mas como uma peça de engrenagem cuja importância é proporcional ao seu valor de produção.

(Pablo Villaça, do site Cinema em Cena)

(Foto Divulgação)

 

Eu, Daniel Blake

Título Original: I, Daniel Blake (Reino Unido/França/Bélgica, 2016)

Gênero: Drama, 100 min.

Direção: Ken Loach

Elenco: Dave JohnsHayley Squires, Dylan McKiernan e outros.

Estreou: 05/01/2017

 

Veja trailer do filme:

Aquarius

Numa espécie de preâmbulo a demarcar o leque de temas tratados neste filme, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho abre com uma festa familiar de aniversário a comemorar os setenta anos da ex-guerrilheira, feminista e, agora, avó Lúcia (Thaia Perez). É como se ele busque, nos três capítulos em que ele divide a narrativa, ressaltar a ameaça que continua a pender sobre seus descendentes e eles, para não sucumbir às ameaças, devem se proteger.

Esta dupla situação se concentra na filha Clara (Sonia Braga), jornalista aposentada e escritora, de 65 anos, viúva, que vive em Recife em confortável apartamento na Praia de Boa Viagem. E passa seu tempo a sair com as amigas, visitar o irmão Antônio (Buda Lira), ver os três filhos e o neto, ler livros e ouvir Taiguara e Altemar Dutra, entre outros. Leva, portanto, uma vida tranquila, num bairro classe média.

Contudo, morar no edifício Aquarius se torna um pesadelo para ela. Em vez de desfrutar transcendência, comunhão e harmonia com os astros, como matizado pela música homônima de James Rado e Gerome Ragni, no musical Hair, dirigido pelo tcheco Milos Forman, é envolvida numa maquiavélica teia para expulsá-la do espaço onde passou grande parte de sua vida. Não são fantasmas,  portanto, que a atormentam, mas a fome de altos lucros da especulação imobiliária.

No centro da tramoia está a Construtora Bonfim que adquiriu o prédio para o demolir e construir em seu lugar um condomínio de luxo. Clara então se vê chantageada pelo especulador imobiliário Geraldo Bonfim (Fernando Teixeira) e seu filho Diego (Humberto Carrão), por não aceitar vender seu apartamento, pelo preço supostamente acima do mercado. Os rastilhos montados por Mendonça Filho no preâmbulo ganham sentido, em vista da luta empreendida pela mãe nos anos de luta contra a ditadura civil-militar.

Não se trata mais de o fazendeiro se apossar da terra do lavrador, para desenvolver uma agricultura altamente mecanizada, mas de sua mutação em bem puramente financeiro, a fim de gerar grandes lucros numa área nobre altamente valorizada, no meio urbano. Já não é mais o senhor de engenho, o latifundiário, tratado pelo cineasta em O Som ao Redor (2012), que migra para a metrópole em busca de diversificação de seus negócios, mas, simplesmente, do inescrupuloso especulador imobiliário.

O diretor, mesmo fugindo aos arquétipos, usa neste drama, no qual a mestiça Clara é aterrorizada, o conflito latifundiário/rancheiro, típico dos faroestes clássicos (Os Brutos Também Amam, de George Stevens). Mostra, desta forma, que o burguês brasileiro, em pleno século XXI, perpetuou os cruéis métodos de senhor de engenho ao tratar os de menor poder aquisitivo, sejam eles de classe média ou afrodescendentes e caucasianos pobres, como se fossem seus escravos.

A cada recusa de Clara, a dupla Geraldo/Diego varia seus sádicos métodos. Põem fezes na escada do apartamento dela, fogo em colchão sob sua janela e a proíbem pintar as paredes externas de seu imóvel. Até que ela, humilhada, troca farpas com Diego, o sinhozinho arrogante e racista, por ele tentar humilhá-la: “A senhora é de família de pele morena que veio de baixo. E para vocês as coisas são sempre mais difíceis”. Ela não se submete e lhe diz que não lhe venderá seu imóvel, deixando-o irado.

A narrativa de Mendonça Filho é direta, embora nuançada, de tênue iluminação, grandes planos e poucos closes. Na intrigante sequência do cupim a tomar conta do prédio, constrói cada cena de forma a estimular o suspense com imagens e diálogos curtos. E mescla horror e metáfora transformando o que era desfavorável a Clara em algo assustador para dupla Geraldo/Diego. O cupim se torna, assim, altamente corrosivo, igual ao emblemático disparo no desfecho de O Som ao Redor.

Mas os conflitos de propriedade na rica Recife não impedem o cineasta voltar seu olhar para as várias Recifes. Dentre elas a linha invisível que divide o rico bairro Pina e o pobre bairro Brasília Teimosa. Para ressaltá-la, Clara, ao caminhar pela praia com a namorada do filho, chama atenção para a “convivência” entre os endinheirados e os que sustentam sua riqueza, vivendo em condições miseráveis. Seu dilema no Aquarius, embora sério, perto da vida deles, é apenas um estudo de caso.

Aquarius, no entanto, não é um filme qualquer, se entranha no espectador. Reflete os fatos em ocorrência no país, onde a arte passou a ser marginalizada após o golpe de Temer e seus asseclas. Ter chamado atenção do mundo para ele, em plena ebulição do Festival de Cannes, em maio desse ano, foi sinal de que Mendonça Filho, Sonia Braga e o restante do elenco não se alhearam à realidade política atual. Deixar de indicá-lo como representante do Brasil ao Oscar 2017, foi execrável ato ditatorial. Como sempre, não se faz arte sem tocar nas feridas, e elas continuam abertas.

(Cloves Geraldo, do site Vermelho)

(Foto Divulgação)

 

Aquarius

Título Original: Aquarius (Brasil / França, 2016)

Gênero: Drama, 142 minutos

Direção: Kleber Mendonça Filho

Elenco: Sonia Braga, Irandhir Santos, Maeve Jinkings, Humberto Carrão e Fernando Teixeira

Estreou: 01/09/2016

 

Veja trailer do filme:

Capitão Fantástico

Durante o dia, as crianças praticam exercícios físicos puxados, aprendem lutas marciais, manipulam facas e escalam morros. À noite, se reúnem em torno da fogueira e lêem grandes nomes da literatura mundial em vez de Harry Porter, escutam música clássica no lugar de rock, estudam física quântica e tocam seus próprios instrumentos musicais. Não têm televisão, computador nem microondas. Cultivam vegetais, caçam seus alimentos, banham-se em riachos. Dominam várias línguas, conhecem filosofia e são encorajados a argumentar. O Natal, por exemplo, nunca é comemorado, substituído pela celebração ao dia de Noam Chomsky, o lingüista, filósofo e ativista político de esquerda americano.

Com seis filhos entre sete e dezoito anos, a família liderada por Ben (Viggo Mortensen) e Leslie (Trin Miller) vive em contato com a natureza, solitária entre pinheiros e montanhas na região selvagem do noroeste do Pacífico. Na contramão da tradição consumista, longe das convenções da chamada civilização, assumindo um modelo de vida que aspira à mais pura utopia. Esse idílio, no entanto, é rompido com a notícia de uma morte, que impulsionará o grupo a viajar até o Novo México para acompanhar o funeral, o que fazem a bordo de um ônibus customizado.  

Escrito e dirigido por Matt Ross, esse emocionante e sedutor drama tem como protagonista o tal clã atípico, agora em uma jornada marcada por diversas situações de choque cultural. Em uma parada, o patriarca desce do veículo totalmente nu, provocando desconforto num casal de idosos que por ali passa. Em visita a parentes, os filhos são desdenhados pelos primos por não conhecerem tênis de marca famosa e não acharem divertido jogar violentos videogames. Perplexo com a conduta daquela insólita trupe, o casal anfitrião questiona os métodos educacionais defendidos por Ben. Sem se dar por vencido, ele chama a caçula para atestar a superioridade de sua singular pedagogia.

A sua metodologia de ensino, aliás, valoriza o raciocínio, o poder da reflexão e o exercício do debate. Uma das filhas, por exemplo, lê Lolita, o clássico de Vladimir Nabokov, sobre a obsessão de um professor universitário de meia idade por uma garota de doze anos. Ela diz que está achando o romance “interessante”, mas este comentário seria inválido por ser muito vago e genérico. O pai exige uma análise mais sofisticada. Logo em seguida, a mais nova pergunta o que é relação sexual e o diálogo que se estabelece é impagável.   

O tempo todo o longa se movimenta pelo princípio da dualidade. Sensível e narcisista, Ben é firme e resoluto em seus esforços para dar uma existência diferente aos filhos. E parece indiferente às conseqüências de sua educação à margem de padrões normatizados. Pequenos conflitos e imprevistos começam a dilacerar o equilíbrio do núcleo familiar. O mais velho, Bodevan (George MacKay), autoproclamado maoísta, com inteligência suficiente para ser aceito por prestigiadas universidades sem exames de admissão, se insurge. Reclama com o pai que precisa conhecer outras realidades, além do que aprendeu nos livros. Rellian (Nicholas Hamilton), o do meio, rebela-se e afronta o patriarca. Em outro momento, um acidente fere uma das meninas.

Por sua vez, os sogros ricos conservadores de Ben não estão dispostos a aceitar passivamente o comportamento daquele bando heterodoxo não integrado à sociedade de consumo. Os personagens de Frank Langella e Ann Dowd querem que as crianças cursem escola adequada para se prepararem para o mundo real. Dispõem-se, inclusive, a pedir a custódia dos netos, nem que seja preciso ameaçar de prisão o genro. A gota d´água acontece durante um velório, quando o grupo irrompe na igreja trajando roupas coloridas e espalhafatosas - terno vermelho, máscara de gás, fantasia de dinossauro – e o chefe atropela a fala do padre e dispara um discurso transgressivo.

O conjunto de atores jovens transpira talento e adequação aos papéis. Indicado ao Globo de Ouro na categoria melhor ator de drama, Viggo Mortesen entrega performance inspirada e impregnada de nuances. O veterano Frank Langella é uma figura marcante na tela. Uma cena que reúne a família toda ao redor do fogo cantando Sweet Child O 'Mine, do Guns and Roses, comove e enternece.

O filme suscita várias linhas de reflexão. A luta do idealismo em um tempo onde é tão fácil ser premeditadamente ignorante é uma delas. A outra discute se o pai meio hippie seria um homem anarquista ou irresponsável. Ele está criando indivíduos de pensamento livres ou formando uma geração que, hostil ao consumismo desvairado, visto como uma ameaça à liberdade humana, seria capaz de cometer atos como perpetrar pequenos furtos em um supermercado? O confronto dialético entre dois pólos opostos concede força, fascínio e interesse a essa produção independente. O fato é que a casta de Ben se harmoniza à sua peculiar maneira de viver. Mas precisa encontrar um meio termo para continuar vivendo desse jeito, como é sinalizado no desfecho. Porque corre o risco de esbarrar numa força contrária muito maior, impossível de ser enfrentada de igual para igual. Ao preparar seus filhos para tudo, pode estar preparando-os para nada.

(Émerson Rossi – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Capitão Fantástico

Título Original: Captain Fantastic (EUA, 2016)

Gênero: Drama, 118 min.

Diretor: Matt Ross

Elenco: Viggo Mortensen, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Basso e outros.

Estreou: 22/12/2016

 

Veja o trailer do filme:

Café Society

Trata-se de um drama, temperado por convenções românticas e com porções de comédia, no qual Woody Allen presta tributo à idade de ouro de Hollywood. Logo na abertura, a bela imagem de uma piscina em uma mansão ao entardecer, cercada por gente elegante, dá o tom nostálgico, em magnífico registro fotográfico de Vittorio Storaro. Nessa festa, pontuada por conversas entre artistas e executivos da indústria cinematográfica, nomes históricos como Ginger Rogers, Gary Cooper, Rudolph Valentino e Joan Crawford são especificados. Revisitar o passado dourado da sétima arte, e desconstruí-lo, não é uma novidade na filmografia do diretor americano, mas ele sempre encontra uma abordagem diferente para o tema. Aqui, ele radiografa a superficialidade e o clima de fuxico que contaminavam a terra do cinema – nos anos 1930, Hollywood era dominada pelos estúdios, num ambiente extremamente competitivo, a rigor não muito diferente da era atual.

Localizada naquela época, a trama tem como personagem central o jovem judeu Bobby (Jesse Eisenberg, obviamente alterego do cineasta, dotado de habilidade verbal e certa insegurança pessoal). Desiludido com sua família de classe média baixa e sem perspectivas, o caçula parte de Nova York para Los Angeles, com o intuito de encontrar seu tio materno Phil (Steven Carell, em desempenho divertido), produtor narcisista de uma agência de talentos em Hollywood, e descolar um emprego. Na nova cidade, o aspirante a roteirista se apaixona pela secretária do influente agente, Vonnie (Kristen Stewart, com fitas de cabelo e meias soquete, que transpira serena sensualidade). No entanto, a moça, que revela sentir desprezo pelo modo de vida de aparências do local, mantém relacionamento secreto com um homem mais velho casado, disposto a deixar a esposa por causa dela - há quem veja nesse entrecho uma alusão à biografia de Allen, que rompeu com a atriz Mia Farrow e se enredou com a jovem Soon-Yi Previn.

Por conta desses laços difíceis de desatar entre a moça e seu amante maduro, o flerte não se consolida e Bobby, decepcionado com o cotidiano de Los Angeles, retorna para Nova York, rompendo com o triângulo amoroso. Ele vai administrar a casa noturna de propriedade de seu inescrupuloso irmão, Ben (Corey Stoll, seguro no papel), um tipo de gângster que pratica método inusitado para despachar inimigos e desafetos – algumas cenas que exibem sua peculiar maneira de agir são engraçadas. Em pouco tempo a boate se torna um sucesso e passa a atrair ricos e famosos. É quando Bobby conhece uma mulher divorciada da alta sociedade novaiorquina (Blake Lively, de atuação convincente), com quem se casa.

O script segue a estrutura literária de um típico romance, no qual personagens distintos têm suas próprias histórias e destinos, simultaneamente à trajetória do protagonista. Estamos diante de uma narrativa que, mesmo sem entregar grandes surpresas, encanta por conter bons ingredientes. Neste longa, por exemplo, os homens são sensíveis e respeitosos com as mulheres, no fluxo contrário aos playboys daqueles tempos. O enredo é descomplicado, os diálogos precisos e o humor sarcástico. Há o habitual verniz filosófico, personagens peculiares, como um intelectual comunista assombrado pelo bom-tom e a ética, rixas familiares e uma narração autoral de Allen. Não faltam doses de paródia, como a cena que envolve uma prostituta fustigada por dúvidas existenciais. Nessa obra, o diretor explora o tema universal do amor e suas incongruências - como selecionamos parceiros e como muitas vezes não escolhemos as pessoas certas para permanecerem ao nosso lado. No desfecho, o relacionamento que poderia ter sido e não aconteceu, ganha tintas melancólicas em plena passagem de ano.  

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

Café Society

Título Original: Cafe Society (Estados Unidos, 2016)

Gênero: Drama, 96 min

Direção: Woody Allen

Elenco: Jesse EisenbergKristen StewartSteve Carell e outros.

Estreou: 25/08/2016

 

Veja trailer do filme:

Neruda

Nesse filme, que se passa no Chile após a Segunda Guerra Mundial, há uma perseguição épica. Ativo senador de esquerda, o célebre poeta Pablo Neruda (Luis Gnecco) caiu em desgraça ao recriminar o presidente eleito Gabriel Videla, um antigo aliado político, de ter se afastado dos ideais comunistas. Com o Partido Comunista tornado ilegal, e declarado inimigo do Estado, ele migra da condição de opositor do regime para a de inimigo a ser encarcerado. Acossado pelo desajeitado e inseguro investigador de polícia Oscar Peluchonneau (Gael Garcia Bernal), que professa o raciocínio de que “os comunistas odeiam trabalhar, preferem queimar igrejas”, Neruda é forçado a se refugiar dentro do próprio país. Durante meses muda de uma casa para outra, ao lado da mulher, aparecendo e desaparecendo em público, em assumida atitude provocativa. Ambos os atores, aliás, estão críveis nos papéis, concedendo-lhes a humanidade necessária.

O longa-metragem do cineasta chileno Pablo Larraín, a partir de um roteiro de Guillermo Calderón, emaranha fatos com ficção. No lugar de contar a história de vida de um dos nomes mais fundamentais na literatura latino-americana, ele faz um recorte específico de uma passagem importante na rica trajetória do protagonista. O diretor desenvolve a trama de forma refinada e inteligente. Ao contextualizar a imagem popular do personagem-título, um homem cheio de ideais, hedonista, impertinente e um tanto esnobe, ele desembrulha uma reflexão sobre o legado poético e político de Neruda. Por sua vez, transforma Peluchonneau num sujeito tragicamente acuado pelo pequeno poder que lhe é delegado, assombrado pela mística do poeta. Ele também assume o papel de narrador, uma espécie de cronista que relata os acontecimentos e despeja comentários nada neutros sobre as circunstâncias políticas, Neruda e até suas questões pessoais.  

Uma curiosa ligação se estabelece entre os dois homens, uma complexa simbiose que extrapola o maniqueísmo do bem contra o mal. Instaura-se uma relação transcendente entre Peluchonneau, o indivíduo que deseja resgatar a memória de seu pai e está preocupado em apagar o seu passado como o filho bastardo de uma prostituta, e Neruda, figura heróica dos artistas e intelectuais. A conexão entre eles ainda é matizada pelo hábito do poeta de, além de enviar clandestinamente manuscritos para o seu editor, como Canto Geral, sobre as glórias e misérias da América Latina, deixar cartas sugestivas para seu adversário.

É interessante observar como Larraín imagina a caçada que movimenta o enredo. Em uma cena emblemática, Délia (Mercedes Morán), a obsequiosa esposa de Neruda, diz ao detetive que o marido está escrevendo um romance fascinante. E que nessa fábula o agente que o persegue seria um policial trágico, um cachorro na noite. “Ele pensa sobre você pensando nele”, ela assegura. Ou seja, Peluchonneau não seria uma pessoa real, mas uma criação da mente do autor, não um paladino, mas um personagem de apoio para tornar a aventura da fuga mais emocionante. A revelação desconcerta o interlocutor. Um contraponto emerge aqui. Se o poeta se abre à imaginação sem freios, o policial é devorado por regras e planos.

O cineasta trabalha a narrativa passeando por alguns gêneros e romances conhecidos. Percebe-se, por exemplo, o uso da estética do cinema noir, com seus heróis cínicos, as atitudes existencialistas e um visual marcado por imagens de alto contraste. A obsessiva caçada remete ao clássico francês Os Miseráveis, de Victor Hugo, no qual o homem da lei Javert passa o tempo no encalço de Jean Valjean. As fugas de Neruda, sempre um passo à frente de seu perseguidor, parecem inspirados em Hitchcock. Trata-se de um filme que não perde nunca o encanto, desde a cena de abertura, que flagra o protagonista num gigantesco banheiro discutindo com um grupo de políticos, até o impactante desfecho, ambientado numa paisagem tingida de neve. Local onde o embate ganha a conotação de uma nação em guerra consigo mesma.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom

 

Neruda

Título Original: Neruda (Chile / Argentina / França / Espanha / EUA, 2016)

Gênero: Drama, 107 min.

Diretor: Pablo Larraín

Elenco: Luis Gnecco, Gael Garcia Bernal, Mercedez Morán e outros.

Estreou: 15/12/2016

 

Veja o trailer do filme:

Julieta

Neste filme sobre o desejo, a memória e a perda, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar resgata o universo feminino e seus sentimentos desmesurados, tão habitual em sua obra. Com enredo livremente inspirado em três histórias interligadas da escritora canadense Alice Munro (Chance, Silence e Soon), o longa evolui como uma espécie de thriller de suspense, porém sem o propósito de estabelecer um desfecho revelador. Ou seja, não há, por exemplo, um crime a ser elucidado ou um culpado a ser descoberto. O que existe é um segredo em torno da vida melancólica de uma mulher madura, que doze anos atrás perdeu sem qualquer explicação o contato com a filha chamada Antía. Toda essa dolorosa e dolorida trajetória existencial será reconstruída em flashbacks. No presente, Julieta é vivida pela atriz Emma Suárez e na juventude pela bela Adriana Ugarte, ambas entregando desempenhos intensos e emocionais.     

Nos minutos iniciais, a personagem-título está arrumando as malas, prestes a migrar da Espanha para Portugal ao lado de seu recente parceiro (Dario Grandinetti). Mas um encontro casual na rua com uma jovem (Michelle Jenner), amiga de adolescência de sua filha, a faz mudar de planos. Ela decide permanecer em Madri e abandonar o novo companheiro, ao saber que a moça vira Antía com seus três filhos passeando pela cidade. Abalada emocionalmente com a notícia, e lidando há muito com fantasmas interiores, Julieta mergulha numa espiral de lembranças. Aos dezoito anos, a filha viajara para um retiro religioso nas montanhas e nunca mais voltou, para desespero da mãe, que nunca entendeu as razões do desaparecimento e chegou a contratar detetives particulares para encontrá-la. Como se fosse uma autoanálise, ela passa a escrever uma carta para Antía, na qual relata seu relacionamento com o falecido pai dela, o pescador Xoan (Daniel Grao), a inesperada amizade com a amante dele (Inma Cuesta) e sua tensa relação com a cruel, engraçada e enigmática governanta da casa (Rossy de Palma).

Por meio desse vaivém no tempo, a trama vai ganhando contornos e densidade. Vemos Julieta como uma jovem professora de literatura na década de 1980 em uma viagem de trem pelo interior da Espanha durante o inverno – sutil tributo a Pacto Sinistro, de Alfred Hitchcock. Nessa jornada, ela é abordada por um inconveniente homem mais velho, muda de vagão e conhece o rapaz bem apessoado Xoan, casado com uma mulher em estado de coma. Ali mesmo ambos conceberão Antia, momentos antes da protagonista presenciar um acidente fatal e se sentir indiretamente culpada. Um salto na narrativa e observamos Julieta feliz ao lado de Xoan, os dois acompanhando o crescimento da filha (papel encarnado por Priscilla Delgado e Blanca Pares). O diretor não demonstra pressa alguma em destrinchar as motivações que culminaram na ruptura de laços entre as duas mulheres. Ele chega a abrir espaço para um interlúdio um tanto estranho, vago e desconexo, traduzido por uma visita de Julieta ao pai em um povoado, quando repara que o velho mantém caso extraconjugal enquanto a esposa agoniza na cama.

Trata-se de uma crônica pungente, quase melodramática, mas que nunca resvala em uma linguagem folhetinesca. Um filme impregnado pelas cores vermelha (Julieta madura) e azul (Julieta jovem), que escancara portas psicanalíticas, porque ninguém apaga o passado, e é embalado pela envolvente trilha sonora de Alberto Iglesias, em acordes de suspense. Por vezes, parece que o longa vai priorizar o mistério, impregnando-se das convenções do gênero. No entanto, a suposição é logo desmontada ao se constatar o desenvolvimento dramático da trama. Ao abordar o tema da maternidade e do amor incondicional, com personagens reféns do tempo e da vida, Almodóvar esboça um estudo sombrio sobre a tristeza, a culpa cristã, o luto e a impossibilidade de se superar traumas antigos. Como em Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Fale com Ela (2002) e Volver (2005), trabalhos relevantes em sua filmografia, o cineasta outra vez expõe figuras femininas fortes vivenciando circunstâncias trágicas. 

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Bom 

 

Julieta

Título Original: Julieta (Espanha, 2016)

Gênero: Drama, 99 min

Direção: Pedro Almodovar

Elenco: Emma Suárez, Adriana Ugarte, Dario Grandinetti e outros.

Estreou: 07/07/2016

 

Veja trailer do filme:

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