Teatro: Chaves - Um Tributo Musical

Embalada em riso incessante, com personagens atrapalhados e cheios de trejeitos, a peça presta homenagem ao legado artístico do dramaturgo mexicano Roberto Gómez Bolaños (1929-2014). Ele é inventor do emblemático Chaves, seriado que se transformou em fenômeno cult e há mais de três décadas emplaca carreira na televisão brasileira. Escrita pela diretora musical Fernanda Maia, a história da famosa vila no subúrbio e seus moradores pobres e remediados sobe aos palcos em versão musical e linguagem circense - a autora decidiu, inclusive, reverenciar o circo nacional ao colocar em cena a figura de Benjamim de Oliveira (1870-1954), o primeiro palhaço negro do Brasil.   

Com direção de Zé Henrique de Paula, a montagem começa quando Bolaños, mais conhecido por Chespirito (Pequeno Shakespeare), está morto e não consegue passaporte para entrar no céu dos palhaços, justamente por não estar trajado a caráter nem portar o nariz de bola, mas roupas comuns. Alguém assim seria capaz de fazer o público rir? Por conta disso, uma excursão à Terra é organizada para tentar averiguar a veracidade do que fala Chespirito. O comboio, capitaneado pelo palhaço Dr. Zambeta e seu assistente Formiga, desembarca no planeta e será encaminhado pelo comediante aos bastidores do programa que ele idealizou e caiu no gosto popular. No espetáculo, Chaves ganhou registro um tanto melancólico, porém sem perder o dom de se embaraçar à toa. Ele é um menino pobre e órfão, sempre com fome e alvo da desconfiança da turma que o rodeia. O perfil juvenil e a condição social do personagem chegam a ser questionados na peça. Como é possível produzir humor em torno de uma criança naquela situação de vulnerabilidade?

O diretor conduz a ação sem perder o equilíbrio, assinando um trabalho ao mesmo tempo comovente e engraçado. Extraiu bom rendimento do elenco homogêneo de dezessete atores. No papel de Chaves, o ator Mateus Ribeiro vence o desafio de retratar as várias facetas do moleque que vive da caridade dos outros, mesclando encanto e uma vaga tristeza. Carol Costa compõe com graça a malcriada Chiquinha. Diego Velloso mostra talento na construção do garoto bochechudo Quico. A experiente Andrezza Massei está impagável na pele da vaidosa Dona Clotilde, a “bruxa do 71”. Eficiente, André Pottes dá vida ao Seu Madruga, o pai de família consumido pela preguiça, sempre às turras com a viúva Dona Florinda, encarnada de forma convincente por Maria Clara Manesco. Patrick Amstalden desempenha com desenvoltura o culto professor Girafales, especialmente na sequência que transcorre na escola. Ettore Veríssimo exibe energia na criação de Nhonho e do burguês gordo Sr. Barriga, dono de todas as casas do lugarejo – em uma passagem hilária, o rico proprietário interrompe uma tentativa de sedução para cobrar o aluguel atrasado de um dos moradores.                                                                                                                                              

Na trupe circense, Fabiano Augusto imprime sinceridade e cativa na interpretação de Chespirito. Ele emociona a audiência ao cantar um poema que Bolaños havia composto para a sua mulher na vida real, Florinda Meza, aqui musicado pela primeira vez. Em outro momento, criador e criatura se encontram e ativam diálogo tocante. Com performance segura, Milton Filho faz o líder do Palhacéu. Completam o time dos arlequins, transpirando desempenhos solares, Dante Paccola (Dr. Zambeta), Davi Novaes (Tufo), Larissa Landim (Patinete), Lucas Drummond (Tatuzinho), Marcelo Vasquez (Formiga), Nay Fernandes (Paçoquinha) e Thiago Carreira (Wladimir).

Na direção musical, Fernanda Maia concebeu trilha sonora à base de canções clássicas, exemplos de Aí vem o Chaves, Se você é jovem ainda e Que Bonita Vizinhança, e composições originais, executadas pela banda de seis músicos sob a regência de Rafa Miranda. Tanto o corredor para entrada no céu, quanto a vila e a escolinha do Professor Girafales foram delineados de maneira inventiva pelos cenógrafos Eron Reigota e Bruno Anselmo. A arquitetura cênica é realçada pela minuciosa iluminação de Fran Barros. Fábio Namatame mergulhou em pesquisa detalhista para figurinos e visagismos. As coreografias, de Gabriel Malo, são bem assimiladas por todo o conjunto de intérpretes. Chaves é um musical povoado por criaturas que não são heróis nem anti-heróis e exala um tipo de humor aparentemente tosco, que bebe na mesma fonte de Chaplin, Os Três Patetas e O Gordo e o Magro.

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Rafael Beck)

 

Avaliação: Ótimo

 

Chaves – Um Tributo Musical

Texto: Fernanda Maia

Direção: Zé Henrique de Paula

Elenco: Fabiano Augusto, Mateus Ribeiro, Carol Costa, Diego Velloso, Patrick Amstalden e outros.

Estreou: 23/08/2019

Teatro Opus (Shopping Villa Lobos – Avenida das Nações Unidas, 4.777, Alto de Pinheiros. Fone: 3515-6650). Sexta, 21h, sábado, 16h e 20h; domingo, 15h e 19h. Ingressos: R$ 75 a R$ 140. Em cartaz até 20 de outubro.  

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