Teatro: A Profissão da Sra. Warren

O texto do irlandês Bernard Shaw, considerado um dos maiores dramaturgos de língua inglesa, nunca foi montado em São Paulo. Em 1960, recebeu montagem no Rio de Janeiro pelo Teatro dos Sete, com direção e cenários de Gianni Ratto e elenco capitaneado por nomes conhecidos do teatro brasileiro, como Olga Navarro (Sra. Warren), Fernanda Montenegro (Vivie) e Sérgio Brito (Praed). Agora ganha vida nos palcos paulistanos em um espetáculo potente, dirigido por Marco Antônio Pâmio.

Escrita em 1893, e proibida até 1902 na Inglaterra por abordar a prostituição, a peça mantém atualidade desconcertante e caráter transgressor. A trama começa numa casa de campo, alugada pela jovem Vivie Warren (Karen Coelho) para poder se dedicar aos estudos. Com apenas 22 anos, a menina foi criada longe da família, cursou os melhores colégios e atualmente estuda na Universidade de Cambridge. A rotina muda quando recebe a visita da mãe (Clara Carvalho), com quem não conviveu, e dos amigos dela, casos do arquiteto Praed (Mário Borges), o barão milionário Sir. George Crofts (Sérgio Mastropasqua), o reverendo Samuel Gardner (Cláudio Curi) e seu filho Frank (Caetano O’Maihlan). A reunião desses personagens irá detonar uma série de faíscas e revelações desagradáveis. A anfitriã descobrirá, por exemplo, que sua refinada educação acabou sendo bancada pela fortuna advinda da rede internacional de bordéis administrada por sua mãe, mantenedora de um estilo de vida incomum até para as classes mais abastadas da época. O choque dramático da informação perturba a filha o suficiente para adotar decisões extremas. Como rejeitar a figura materna, romper com o entorno burguês e assumir plenamente o controle das coisas. O dramaturgo não se preocupa em dissecar os aspectos sentimentais do relacionamento entre as duas protagonistas. Aqui, o conflito de gerações dá vez à uma poderosa crítica social sobre o feminismo e o poder do dinheiro nas relações humanas.  

Pâmio, que decidiu transferir a ação originalmente ambientada no fim do século 19 para os anos 1950, obtém bom rendimento do elenco. A experiente Clara Carvalho confere veracidade à matriarca que, apesar da profissão, é uma figura romântica e imprime-lhe doses de ironia e sarcasmo. Karen Coelho exibe nuances no desempenho de Vivie, uma jovem que encarna a visão hipócrita da sociedade sobre a atividade do meretrício. Ambas protagonizam uma das cenas mais tensas, um afiado colóquio sobre o tipo de trabalho que propiciou o conforto financeiro. Sérgio Mastropasqua convence na pele do aristocrático Crofts, sócio na atividade profissional da Sra. Warren, e revela sua face ordinária ao tentar seduzir a sua filha. Mário Borges mostra atuação segura, encarnando um tipo romântico que impressiona a universitária. Cláudio Curi representa um apreensivo reverendo Gardner, que guarda um segredo sexual do passado. Caetano O’Maihlan é hábil em dissimular o comportamento ambíguo de Frank em seu relacionamento com Vivie.

Como o enredo se desenvolve em vários espaços dentro e fora da casa, Duda Arruk desenhou uma cenografia simples e prática, na qual os ambientes são mais sugeridos que realistas. A eficiente iluminação de Caetano Vilela reforça o tom amargo da história. Fábio Namatame é o responsável pelos elegantes figurinos, que caracterizam apropriadamente a década de 1950, principalmente os vestidos rodados. A trilha original, de Gregory Slivar, pontua todo a encenação, criando os climas necessários aos embates. O teatro de Shaw é, fundamentalmente, um teatro de ideias, que predominam sobre a intriga e a ação dramática. O público acompanha um jogo intelectual fascinante, recheado de diálogos vivos aos quais não faltam cinismo, humor e poesia, movimentado por uma mistura heterogênea de vilões elegantes e perdedores variados.

(Vinicio Angelici – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Ronaldo Gutierrez)

 

Avaliação: Ótimo

 

A Profissão da Sra. Warren

Texto: Bernard Shaw

Direção: Marco Antônio Pâmio

Elenco: Karen Coelho, Clara Carvalho, Mário Borges, Sérgio Mastropasqua, Caetano O’Maihlan e Cláudio Curi

Estreou: 11/05/2018

Masp (Avenida Paulista, 1578, Bela Vista. Fone: 3938-0697). Sexta e sábado, 21h; domingo, 20h. Ingresso: R$ 30 e R$ 50. Até 22 de julho.

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