EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Teatro: O Escândalo Philippe Dussaert

Uma dúvida percorre a trama: afinal, quem é o pintor Philippe Dussaert (1947-1989), criador de uma controversa obra nos anos 1980, que abria mão do que havia de animal e humano nas telas e preservava apenas os seus cenários de fundo? O autor da peça, o ator e comediante francês Jacques Mougento, se utiliza da trajetória dessa polêmica figura para urdir um comentário cortante sobre a arte contemporânea, abarcando a crítica especializada, instituições de arte e o Ministério da Cultura francês. Com direção competente e segura de Fernando Philbert, a montagem estrelada por Marcos Caruso é inteligente, estimulante e engraçada.

O texto é encenado como se fosse uma palestra. Todos os clichês desse tipo de evento são acionados, como projeções de slides, colóquio informal e bem-humorado com a plateia, improvisos pontuais, citações e explicações a partir de recortes de jornais e trechos selecionados de catálogos. Na cenografia, assinada por Natalina Lana, há apenas um banco, mesinha, jarro d’água, livros e anotações. O encontro começa com o palestrante repassando a vida desse enigmático artista iconoclasta que, embora presente em museus, galerias e coleções particulares, encontra-se estranhamente no limbo da mídia. Seu trabalho é tido como indefinível e sem rótulo fácil. Ele assustou a crônica por pincelar, por exemplo, Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, removendo a mulher da pintura. Repetiu a mesma fórmula minimalista em outras telas consagradas, de nomes como Manet, Cézanne e Vermeer. Isso seria arte? O espetáculo proporciona a chance de imergir nas entranhas do universo um tanto insólito e atrevido da Arte Pós-Moderna, que valoriza mais o conceito, a atitude e a ideia do que necessariamente o objeto final.

O caso que dá título à peça ocupa a segunda parte da conferência. Trata-se de uma celeuma enredando Dussaert, que incendiou a cena cultural e política europeia no início da década de 1990, justamente durante a Guerra do Golfo. Por conta do noticiário concentrado no conflito militar, poucos puderam acompanhar as discussões e querelas que cercaram o leilão de seu último trabalho, uma representação daquilo que estaria por trás da paisagem. Ou seja, o nada. A polêmica respingou até no governo da França, impiedosamente acusado de desperdiçar dinheiro público por adquirir por oito milhões de francos uma criação radical sem moldura e conteúdo. Um vazio absoluto. Símbolo, segundo os críticos, dos desvios da vanguarda artística. Aquilo era uma produção transgressiva ou somente uma provocação com intenções midiáticas? Como se forja o juízo artístico de uma obra de arte? A dramaturgia despeja tais questões de forma irônica e inacreditável.

Philbert conduz a encenação com ritmo adequado e engendra marcações fluídas, fazendo com que tudo pareça realmente uma combinação de aula e teatro. Ele valoriza movimentos que aproximam o personagem da audiência, transformando-a em aliada. Em seu primeiro monólogo em mais de quatro décadas de carreira, Marcos Caruso desembrulha performance sedutora. Em momento algum deixa a ação perder fôlego. Ancorado em malícia, desembaraço, irreverência e carisma transbordante, rompe a quarta parede e estabelece fina sintonia com o público. O ator infunde humanidade a um orador que nunca esconde a admiração sentida por Dussaert, que espeta análises minuciosas, conta anedotas, esclarece e dá nexo aos fatos. Um desempenho que consegue dar leveza a um assunto presumivelmente pesado e pedante, trafegando de um gênero ao outro sem esforço aparente e de maneira sutil.

Não é a primeira vez que a arte contemporânea e suas idiossincrasias vira mote para o teatro. Na ótima Arte, a dramaturga francesa Yasmin Reza põe em cena três amigos se digladiando em torno de um quadro totalmente branco. Ali a autora expunha o sentido intangível e ininteligível que ronda os critérios valorativos da arte ao mesmo tempo em que desnudava as relações humanas, de como aos poucos os instintos afloram e o verniz social se esgarça. Já Mougenot desdobra outro debate paralelo, o atrito entre realidade e ficção, o real e o fictício, como explode no surpreendente desfecho.     

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Paula Kossatz)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Escândalo Philippe Dussaert

Texto: Jacques Mougenot

Direção: Fernando Philbert

Elenco: Marcos Caruso

Estreou: 05/04/2018

Teatro Faap (Rua Alagoas, 903, Higienópolis. Fone: 3662-7233). Quinta a sábado, 21h; domingo, 18h. Ingressos: R$ 40 e R$ 80. Até 01 de julho.

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