Teatro: Aos Nossos Filhos

A ação tem início no momento em que a filha revela para a mãe que vai ter um filho por meio da barriga de sua companheira, com quem se relaciona há quinze anos. Para quem já foi presa, torturada e exilada durante o regime militar brasileiro, a notícia poderia não surtir maiores conseqüências. O fato, porém, é que a revelação desestabiliza a relação entre as duas. O texto de Laura Castro, que também atua e faz o papel da homossexual, se vale do contraste e da oposição entre duas concepções de vida. De um lado, uma mulher madura que foi uma aguerrida militante política, casou três vezes e hoje está engajada na assistência psiquiátrica à crianças soropositivas. De outro, uma jovem não politicamente ativa, de visão progressista no que se refere aos arranjos familiares não tradicionais. Cada uma revolucionária ao seu jeito e estilo, contraditórias até, que, de repente, se deparam com a dura realidade do combate em terreno movediço.    

Atual no sentido de explicitar uma discussão com poder de dividir opiniões, a peça não chega a trazer ideias novas ou inspiradoras ao assunto. De certa forma, o exame que faz do tema é um tanto tênue, sem desdobramentos e amplificações. Consegue, no entanto, instaurar um equilíbrio nos argumentos desferidos pelas personagens, sem tomar partido de alguém. Se não oferece momentos de catarse, explosões emocionais e diálogos contundentes, o texto ao menos cumpre a função de trazer para a arena de discussão, questões importantes como o preconceito, mesmo velado, confronto de gerações, rescaldos da ditadura, frustrações e ressentimentos impregnados.

O diretor João das Neves, um dos nomes expressivos no teatro brasileiro, maneja o debate sem transcendê-lo. É uma direção convencional, sem reviravoltas. As marcações buscam contornar o didatismo e a ausência de visceralidade, driblar o perigo do melodrama fácil e dar um pouco mais de profundidade a personagens quase planos e construídos em cima de convenções dramáticas – a relação mãe e filha remexida por situações inesperadas. Cenas como a do relato por cartas e email do romance proibido do casal lésbico, lidos em voz alta, resultam bem acabadas. Há momentos ternos, como a presença no palco de um pianista, sem participação na trama, e a atriz portuguesa Maria de Medeiros interpretando em francês, com doçura e melancolia, a música-tema do espetáculo, de Ivan Lins e Victor Martins.

Maria de Medeiros, por sinal, impressiona pela ausência de sotaque. Com eventuais trejeitos acima do tom, ela engata performance convincente e operativa no desempenho da mãe que sempre cultivou a ilusão de ver a filha casada com um homem. Forjada numa visão coletiva da realidade, sente dificuldades em entender as razões da jovem e o seu comportamento, que julga individualista. É um papel que exige fina sintonia porque sua personagem também não seguiu uma vida tida como normal – engravidou de um companheiro de luta, pegou em armas e morou em diversas partes do mundo. Ou seja, ela tem de passar credibilidade na pele de uma mulher cujo discurso contraria as atitudes do presente. Sem a mesma ossatura técnica e recursos emocionais, Laura Castro tenta injetar veracidade à advogada com aspirações à carreira do Judiciário e que acaba de prestar concurso para ser Juíza. Como seguiu a mãe em sua jornada por vários endereços no exílio, desaprova-a por suposta negligência e falta de tempo para ela. É uma figura angustiada, crivada de culpas, que a atriz assume com poucas matizes.  

A montagem mantém relativo interesse por colocar em cena duas mulheres em estado de tensão, que agem e reagem mais ao sabor da emoção do que da razão, tateando a possibilidade de demarcar um espaço possível para conciliar as diferenças. Ambas podem seguir rumos inesperados, mas ainda se querem bem. Feito de rolhas de garrafa, o cenário simboliza um espaço em processo de corrosão, numa clara alusão ao desgaste que assola o relacionamento entre mãe e filha. Com desfecho nada linear, a montagem tece o retrato de um mundo em que a aceitação do diferente é um exercício de tolerância e generosidade.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Irene Nóbrega)

 

Avaliação: Bom

 

Aos Nossos Filhos

 

Texto: Laura Castro

Direção: João das Neves

Elenco: Maria de Medeiros e Laura Castro

Estreou: 07/06/2013

Teatro Tuca (Rua Monte Alegre, 1024, Perdizes. Fone: 3670-8455). Sexta e sábado, 21h30; domingo, 18h. Ingresso: R$ 40 a R$ 50. Até 01 de setembro. 

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