A insustentável leveza da vida

Nas 160 páginas do livro Alta ajuda (Editora Foz), o escritor Francisco Bosco, 36 anos, se vale do denominado “alto pensamento” (filosofia, psicanálise e literatura, por exemplo) para lidar com questões da chamada “baixa cultura”, como futebol, facebook, Roberto Carlos e novelas televisivas. São 35 ensaios – e não crônicas, avisa – escritos originalmente para revistas e jornais, como O Globo, do qual é colunista desde 2010, que buscam prospectar novos sentidos para temas triviais do dia a dia. Nesta entrevista, o filho do músico João Bosco explica porque o banal não é raso, opaco e plano como parece.  

 

Por: Edgar Olimpio de Souza

 

O título é uma ironia aos livros de autoajuda?

Em parte sim. Alta ajuda apresenta modos insuspeitados de percepção do cotidiano, uma espécie de mapa mais complexo da vida. Bem diferente do princípio embutido nos livros de autoajuda, um guia de mantras escapistas de pensamento positivo.

Você usa ferramentas da filosofia, psicanálise e literatura para tratar de questões corriqueiras da vida... 

Exatamente. Na Grécia Antiga, a Filosofia discutia a melhor forma de se viver. Ao longo do tempo, virou especialização e passou a produzir grandes monumentos de abstração. Eu procuro resgatar algo de sua função original. Ao observar certos aspectos da vida atual, tento detectar o que não é banal na banalidade.

Exemplo?

O cai-cai do jogador brasileiro, na tentativa de enganar o juiz, parece algo trivial, mas revela toda uma crise de legalidade na sociedade brasileira. Prefere-se driblar a lei e não driblar na lei.  

O que você escreve são crônicas?

Quando alguém elogia as minhas “crônicas”, eu fico feliz, claro, mas entendo isso como uma nota desafinada. Eu escrevo pequenos ensaios. Meus textos têm pontos em comum com a crônica, como a brevidade e os temas cotidianos. Mas eles pertencem ao olhar teórico, que sempre tenta perceber o que há de semelhante num conjunto de fenômenos. Gosto de falar que faço “teoria crônica”, jogando com os sentidos de gênero e de compulsão da palavra crônica.

Arte é alta ajuda e entretenimento é autoajuda?

A arte coloca a vida humana em questão. O entretenimento pretende justamente o contrário: não colocar a vida em questão. As duas estratégias são fundamentais. Para mim, o ideal é compor uma dieta existencial – mental, cultural – balanceada, onde o sistema da alta ajuda possa conviver em harmonia com a esfera da diversão.  

O seu pai o influenciou de alguma forma nesse trabalho?

Herdei dele a disciplina, somos muito estudiosos. Mas ele é mais intuitivo, eu sou mais racional. E não tenho, é claro, o talento desmedido que ele tem.

Qual sua relação com a música?

A música para mim é a certeza do ser, o sentido e o afeto numa coisa só, a expansão do corpo e dos sentimentos. Em suma, é uma experiência fundamental na minha vida.

Você escreveu a letra de algumas músicas compostas pelo seu pai. A lógica da canção é diferente da lógica da literatura?

Sim, fundamentalmente diferente. A canção é uma totalidade estética composta por duas linguagens: a verbal e a musical. Uma canção é o sentido que se forma por meio da relação entre palavras e sons, letra e música (melodia, ritmo e harmonia). Já na literatura “só” se conta com a linguagem verbal.

O mundo hoje está muito superficial? Por que poucas pessoas se interessam pela reflexão?

Houve uma mudança de temporalidade progressiva nos últimos séculos. A percepção das pessoas foi se fragmentando cada vez mais. Basta comparar uma forma como o romance do século XIX, com suas oitocentas páginas, e uma tela de rede social, com suas dezenas de informações díspares num mesmo espaço visual. A experiência da reflexão requer uma temporalidade mais contínua, linear e duradoura, ao passo que a história caminha no sentido de uma fragmentação progressiva.

Uma nova edição do BBB está no ar na TV Globo. Esse tipo de programa é um exercício de mau-caratismo, como alguns críticos gostam de defini-lo?

Um dos sinais de ausência de pensamento é a moralização apressada dos fenômenos culturais. Para mim, e vou deixar a frase soar enigmática, o problema fundamental do BBB é que, diferentemente do que ele pensa, não revela a vida de ninguém.

O que você acha da mídia de celebridades?

Acho nada.

(Foto de abertura: Bruno Veiga)

 

Simples sabedoria

Francisco Bosco seleciona frases de célebres pensadores que ajudam a entender o cotidiano

 

“O homem só dispõe de dois objetos sexuais: ele próprio e a mulher que cuida dele.”

Psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) (foto ao lado)

 

“As pessoas são tanto mais autênticas quanto mais se parecem com o seu desejo.”

Cineasta espanhol Pedro Almodovar             

 

“Não há nada de mais abjeto no mundo do que um bon vivant. Ao contrário, os grandes vivos são pessoas de saúde fraca.”

Filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995)                                                                                                                   

 

“Nenhum objeto está em relação constante com o prazer. Contudo, para o escritor esse objeto existe: é a língua materna.”

Escritor e filósofo francês Roland Barthes (1915-1980)                                                                                                                       

 

“A amizade é uma consanguineidade de espíritos."

Escritor francês Marcel Proust (1871-1922)  

                                                              
"Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo."

Cantor e compositor Noel Rosa (1910-1937) (foto ao lado)                                                            

 

“O amor é uma forma de suicídio.”

Psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981)                                                                                               

(Matéria publicada originalmente em novembro de 2012 na Revista Gol)


Comente este artigo!