EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Uma cantora Nôtável

Foi meio sem querer que esta paulistana de 32 anos começou a cantar e compor. Nô Stopa estava lavando a louça quando por acaso entoou a melodia de Leve, que se tornaria o marco inicial de sua trajetória. “Pensava numa cena de balé e de repente pintou essa poesia. Fiz a letra com ritmo, aí peguei o violão para harmonizá-la e deu certo”, conta ela, filha do cantor e compositor mineiro Zé Geraldo (Cidadão / Milho aos Pombos), um dos maiores nomes da música dita alternativa no Brasil.

 

Na ocasião, ansiosa em saber a opinião do pai, ficou cantarolando a composição pela casa na esperança de que ele a ouvisse. Chegou a deixar a letra em cima do piano. Não se imaginava sob pressão, mas esperava a aprovação paterna, que finalmente aconteceu. Sentindo-se segura a partir daí, passou a criar uma música atrás da outra. Então trancou o curso de Esportes na USP e entrou de cabeça na carreira. “Nunca tinha cantado, só em beira de fogueira, e havia aprendido a tocar violão por hobbie”, confessa ela, descrita pela crítica especializada como uma compositora de letras certeiras e voz delicada.

 

“O curioso é que meu pai dizia que eu seria atleta e minha irmã cantora. Aí eu virei cantora e ela advogada”, ri Nô, cujo apelido praticamente nasceu junto com ela, pela dificuldade da irmã de dois anos em pronunciar Aniela – a caçula a chamava de Noela. “No início da carreira eu era apresentada como Aniela, mas não me sentia à vontade, achava esquisito. Preferia Nô, embora tivesse uma lista de razões para não adotar o apelido, entre elas, o fato de parecer masculino”, emenda.

 

A história do nome artístico se resolveu certo dia quando, ao encontrar Zé Geraldo, o cantor e amigo Chico César o convenceu de que Nô Stopa tinha mais força e apelo. “A coisa mais engraçada é a confusão que persiste até hoje. Já saiu no jornal como sendo nome de cantor. Até Nhô Stopa foi publicado, que parece caipira”, diverte-se.

 

Ela admira a obra do pai, a quem considera um artista autêntico, que canta o que é e não segue modismos de ocasião. “Alguém o definiu como o Bob Dylan brasileiro. O Zé mistura Rolling Stones e Beatles com o regionalismo de Tonico e Tinoco. Tem um pé no mato e o outro no rock, bem autoral e autodidata”, avalia. Ele nunca a forçou a virar cantora e compositora. Tampouco busca exercer influência sobre o seu trabalho, o que poderia aviltar o seu estilo. Claro que dá pitacos, especialmente se instado pela filha a opinar sobre uma frase musical ou uma letra. Nesse caso, o olhar experiente é oportuno e muito bem-vindo. “O trabalho dele é uma referência de qualidade para mim.”

 

No céu. Emboratenha crescido em ambiente favorável à música – ouvia folk, rock e MPB, além de Mutantes e Secos e Molhados -, só foi picada pela mosca azul aos vinte anos. Até então atuava em circo ou integrava companhias de balé. E quase virou ginasta olímpica porque dos dez aos dezesseis anos era praticante assídua dessa modalidade esportiva. “Meu ídolo esportivo era a atleta romena Nádia Comanecci”, confessa. Nô brilhava em exercícios de solo, na trave de equilíbrio, nas paralelas assimétricas e no salto sobre cavalo. Aos treze anos incorporou o circo à sua rotina.

 

“Como era magrinha, os meninos do Acrobático Fratelli adoravam me jogar para o alto. Eu fazia acrobacias de solo e pirâmide acrobática, andava de perna-de-pau, chegaram a apelidar um salto de Aniela no Céu”, recorda. Dez anos depois abraçou o teatro, infantil e de bonecos, e a dança. Além de integrar a Cia. Giz de Cena, de dança contemporânea para crianças, ela atua na Banda Mirim desde a sua fundação, em 2004.

 

Por sinal, a trupe de teatro infantil tem despertado a atenção dos baixinhos pela habilidade com que casa teatro, dança, música e circo. O grupo é formado por atores, instrumentistas e artistas de circo. O repertório inclui os espetáculos Felizardo, Sapecado, O Menino Teresa e o atual Espoleta. Nas apresentações, ela canta, dedilha violão, dança e protagoniza números circenses, como lira, perna de pau e acrobacias.  

 

Nô é uma artista ainda sem projeção na mídia, mas que já coleciona elogios. Um crítico chegou a afirmar que a sua música tem o condão de pegar o ouvinte de primeira. “A gente se apaixona pelos olhos mansos da moça, pelo tom de beleza e austeridade e pela voz que envolve o corpo e a alma. Ela é tudo aquilo que desejamos ouvir depois de um dia cansativo, de uma briga com a namorada. É o conforto que a alma encontra em um dia chuvoso”, escreveu. A primeira vez que registrou sua voz foi no álbum O Novo Amanhecer, de Zé Geraldo e Renato Teixeira, somando duas composições.

 

Em 2004, assinou seu primeiro disco solo, o independente Camomila e Distorção, gravado por seu próprio selo, Sol do Meio Dia. Neste trabalho, ela mostrou nove faixas de sua autoria, algumas em parceria com Chico César, Marcelo Bucoff e Wesley Noog. Os hits foram Leve e Abre Aspas. Uma novidade foi a regravação de Satellite of Love, de Lou Reed, por quem se apaixonou ao vê-lo num palco. “Eu tive orgasmos musicais, foi um show simples e sensual”, recorda-se.

 

 A favor da canção. Para uma estréia, valeu, mas o resultado não saiu bem do jeito que desejava. “Eu estava imatura, ainda não sabia optar, prevaleceu o gosto do produtor. Era bem pop rock, pensado para tocar na rádio, mas não rolou”, resigna-se. Lançado há um ano, o segundo trabalho, Novo Prático Coração, tem mais a sua cara e espírito. “Ficou menos afetado, reflete um momento mais prático mesmo”, brinca, em referência ao título.

 

Sozinha ou em parceria, compôs oito das dez faixas, canta e toca violão. Com efeitos de programação do produtor Érico Theobaldo e arranjos de violão e guitarra de Rogério Camargo, o álbum contém um discreto tempero de rock. “A música é simples e despretensiosa, sem a pompa de boa parte dos discos lançados hoje em dia. É a favor da canção e não contra”, define.

 

Da mesma forma que no anterior, neste ela regravou uma canção internacional, Strangelove, da banda inglesa de música eletrônica Depeche Mode. A leitura de Nô é uma versão suave que valoriza as belas harmonia, melodia e letra desse tecnopop que gruda no ouvido. A idéia de regravar o clássico surgiu enquanto dançava na pista do clube noturno Vegas ao ritmo dessa canção.

 

O tema, um apelo à racionalidade como antídoto ao sofrimento, bateu forte e a seduziu. “É uma música que fala de amor, da dor, dos pecados, me apaixonei na hora”, diz. Novo Prático Coração tem faixas conhecidas. Deixa Andar fez parte da trilha da novela Revelação, do SBT, e a faixa-título tem tocado em emissoras de rádio de perfil mais alternativo.

 

Como gostou da experiência de reler canções internacionais, a próxima pode ser I Got You Babe, hit de da década de 1960 de Sonny & Cher. Aliás, ela e o violonista, guitarrista e cantor Zeca Loureiro estão pesquisando duetos do cancioneiro folk dos anos 1960 e 70. O material levantado servirá para tocar um trabalho paralelo à sua carreira. Ao lado de Loureiro, com quem está casada há três anos e tem um filho de um ano, vai formar a dupla 2 of Us. O duo estreou recentemente com a performance Como Diria Dylan, que repassou o repertório de quatro décadas do trovador americano Bob Dylan.   

 

Marcha das horas. Nos seus shows, que costuma levar em circuitos como o da rede Sesc, Nô mescla repertórios pinçados dos dois álbuns, além de algumas músicas inéditas. No set list tem espaço até para uma canção inédita do pai, Nega, ainda não gravada e candidata a figurar no seu próximo disco. Outro momento divertido é o dueto que faz com Loureiro no cover de I Got You Babe.

 

Durante a exibição, ela nunca abandona o violão e jamais deixa de celebrar o espaço em que pisa. “Não sei se tenho domínio de palco. O segredo é ter respeito por ele, não banalizá-lo, é um lugar onde você expõe a sua arte”, assinala. “O Hugo Possolo (N.R.: diretor, autor e ator do grupo teatral Parlapatões) costuma dizer que é preciso ser generoso com o público, dar sem querer receber algo em troca. Quando se faz de coração aberto, o retorno é ótimo.”

 

No show que fez na última edição da Virada Cultural, no formato voz e violão,Nô viveu uma experiência inesquecível. Lembra de que se surpreendeu com o carinho do público e o conhecimento que tinham de suas músicas. “A pedido de um espectador, eu interpretei à capella a música Folia no Quarto. Sabia que no dia seguinte ele me mandou um e-mail agradecido? Por isso digo que a música serve para suavizar o mundo”, acredita. Para ela, se uma criança travar contato com a arte, ela poderá se tornar mais sensível e menos embrutecida.

 

Nôacha que a música brasileira hoje evoluiu o suficiente para contemplar a diversidade.  “Sou de uma geração de intérpretes que, além de cantar, também compõe. Antes a mulher se vestia de homem para cantar, depois cantava música de compositores masculinos e agora cria a sua própria obra. Cada uma de nós tem um trabalho autoral e personalizado”, afirma ela, que admira Roberta Campos, “me identifico com a sua música”, Tié, “corajosa e simples em seu disco”, e Cláudia Dorey, “um trip hop solar”, ecoando uma frase da jornalista Patrícia Palumbo.

 

 Ao avaliar as suas composições, a cantora enxerga algum grau de melancolia, mas sem pessimismo ou queixa. “Nem sempre as músicas afloram com facilidade. Há momentos em que a entressafra é necessária para se reciclar”, diz, completando que cada música guarda uma história. A canção Marcha das Horas – “passa a marcha das horas, só não passa a sua graça da minha memória” – foi composta enquanto trabalhava com o grupo de teatro Pia Fraus, em Roraima.

 

“Eu estava longe do namorado e da família, pintou uma saudade danada”, confessa. Para Nô, a música funciona como uma válvula de escape aos desgastes cotidianos. “A criação é uma força pulsante e tem poder curativo. Ela pode servir de escudo para quando uma pessoa bate a porta ou grita com outra. Minha religião é a arte.”     

Para ouvir o álbum Novo Prático Coração: http://www.myspace.com/nostopa

Edgar Olimpio de Souza

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