EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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O Clube

Em seus últimos trabalhos, o diretor chileno Pablo Larrain explorou as conseqüências do regime de Pinochet em sua terra natal, casos de Tony Manero (2008), Post Mortem (2010) e No (2012). Neste, ele lança o olhar para a Igreja Católica e desembrulha um retrato sombrio da instituição, aqui representada por quatro veteranos sacerdotes exilados (ou banidos) em uma pequena casa na pacata cidade costeira de La Boca, no Chile. O grupo descansa, come, bebe vinho, assiste reality show pela tevê e aposta dinheiro em um galgo, o único cachorro citado na Bíblia, que participa de corrida de cães locais – eles assistem as disputas de longe, por binóculos.

Embora religiosos, nunca rezam, confessam, freqüentam a igreja ou mantém contato com a comunidade. E devem seguir um rígido código de conduta, como seguir horários específicos para circular pelo vilarejo. Os padres Vidal (Alfredo Castro), o ex-capelão do exército Silva (Jaime Vadell), Ortega (Alejandro Goic) e o idoso Ramirez (Alejandro Sieveking) não atuam mais em suas paróquias, porque foram afastados por mau comportamento, e agora se encontram sob os cuidados da freira aposentada Irmã Monica (Antonia Zegers).

A metódica e calma rotina é rompida com a chegada do padre Lazcano (Jose Soza), cuja presença não passa despercebida por Sandokan (Roberto Farias), um sujeito desvairado que relembra os abusos sexuais sofridos nas mãos dele no passado, quando havia sido seu coroinha. Cheia de detalhes, a acusação é feita aos gritos na porta do sobrado, numa cena inquietante. A ameaça de exposição pública obriga Lazcano a intervir e o desfecho é chocante. O incidente faz com que a Igreja envie para o local o vigário Garcia (Marcel Alonso), jovem conselheiro com formação em psicologia encarregado de investigar os ocupantes da residência e as circunstâncias da morte ocorrida. Como estão sob escrutínio, uma série de interrogatórios se desenvolve. O novo inquilino compele cada um a confessar seus segredos e pecados, que variam da pedofilia ao tráfico de bebês de mães solteiras para casais sem filhos. Pragmático e racional, o “inquisidor” vai avaliá-los e julgá-los. Vidal, por exemplo, ama o cão de corrida e conserva pontos de vista contumazes sobre sua homossexualidade. A sempre sorridente Monica tem um passado repulsivo, ligado à agressão a uma criança africana. Nenhum deles nutre sentimentos de culpa ou receiam punições.  

Escrito por Larrain, Guillermo Calderón e Daniel Villalobos, o roteiro inteligente não tem pressa em revelar as histórias pessoais dos personagens e os elementos do enredo. O filme faz a radiografia dessa colisão ideológica e moral protagonizada por figuras que parecem ter desistido de cultivar algum tipo de crença espiritual. De uma forma ou outra, eles precisam ser discretamente escondidos dos olhos do mundo e das vistas do Vaticano. É interessante observar como uma instituição de mil anos de idade sabe acionar seus instintos de sobrevivência quando necessário. A fim de salvar a sua face, ela retira de circulação seus membros pervertidos e não faz nada por suas vítimas de violação sexual, incluído aí o traumatizado e emocionalmente fragilizado Sandokan, personificação de todos aqueles que sofreram abusos no âmbito da Igreja.  

Diante desse quadro em putrefação, os padres sem batinas, arrependimentos ou remorsos, irão precisar tomar algumas medidas. Curiosamente até Garcia, cuja missão era botar as coisas em ordem, se torna cúmplice de novos pecados. Uma sequência monstruosa sugere como uma ordem religiosa milenar, por meio daquelas criaturas, chega a agir criminosamente para manter seus esqueletos dentro do armário. Com exceção do clima de idílio intencionalmente escancarado nos primeiros minutos, com cenas de pôr do sol, ondas do mar e jantares, o longa evolui com imagens escuras, que por vezes parecem fora do foco, compondo uma atmosfera claustrofóbica. Tudo isso empacotado pela melancólica trilha sonora do compositor minimalista estoniano Arvo Part, que contribui para a sensação de desconforto e tensão. 

Trata-se de um filme arrojado, temperado por diálogos pesados e comentários incendiários sobre a hipocrisia da fé, a corrupção endêmica no seio de uma instituição religiosa fechada e a psicologia doente por trás do véu da santidade. O clube nada mais é do que uma espécie de Purgatório, habitado por personagens atormentados sem possibilidade de alcançar a graça divina. O cineasta não está interessado em proferir discursos moralistas contra os males da Igreja. Larrain sonda as entranhas do silêncio imposto, a repressão enviesada e a imunidade conveniente. Em entrevista, o cineasta confessou certa admiração pelo Papa Francisco, mas criticou a conivência do Vaticano para com os crimes praticados pelos seus membros. Por isso a ironia sutil do título.       

 (Edgar Olimpio de Souza)

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Clube

Título Original: El Club (Chile, 2015)

Gênero: Drama, 97 min

Direção: Pablo Larrain

Elenco: Alfredo Castro, Roberto Farias, Antonia Zegers e outros.

Estreou: 01/10/2015

 

Veja trailer do filme:

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