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Cinema: O Farol

Desconcertante e tensa, a história transcorre no final do século XIX e tem como cenário uma pequena e remota ilha povoada de gaivotas. É um thriller noir com fotografia granulada em preto e branco, aspirada do expressionismo alemão e dos longas de terror dos anos 1930, e uma arquitetura de som pontuada pelo ruído intimidante de uma buzina de nevoeiro. Dois sujeitos enlouquecem lentamente neste território rochoso isolado da civilização. Um deles, o velho faroleiro Thomas (Willem Dafoe), chega a alertar o jovem aprendiz Ephraim (Robert Pattinson) para não matar uma gaivota que o importuna, “porque elas são espíritos de marinheiros mortos.” 

Estamos em um ambiente claustrofóbico, tanto no sentido geográfico quanto psicológico, e o cineasta americano Robert Eggers (A Bruxa) submete estas duas criaturas a uma convivência necessária, envolvidos no cotidiano de cuidar de um farol que parece conter um mistério. Ambos compartilham uma acanhada cabana. Thomas oscila entre o silêncio e a tagarelice, tem atitudes grosseiras, é agressivo e beberrão, como se encarnasse a figura do velho do mar. Um tipo esquisito, que mantém a rotina de se confinar nu dentro do espaço do farol – objeto fálico? - e se entregar ao prazer sexual. Ephraim é meio introspectivo, mostra estar incomodado com o tratamento dispensado pelo superior e oculta alguns segredos do passado.

Mesmo se quisessem, e há um momento em que um deles tenta desesperadamente, não conseguiriam sair de barco do local devido às intempéries climáticas. Ou seja, encontram-se na circunstância de ter de lidar um com o outro e com seus demônios pessoais. A rota de colisão é previsível, ainda que postergada pelo consumo de álcool, e a linha que separa a sanidade da loucura torna-se cada vez mais embaçada. Insinua-se uma voltagem sexual entre eles – em uma passagem descontraída, quase se beijam. Logo uma atmosfera de beligerância mútua vai se formando, porque o novato quer conhecer de perto o enigmático farol e o colega não o deixa se aproximar, entupindo-o de trabalhos e tarefas. “O farol é minha mulher”, imagina o veterano. Pouco a pouco os papéis se invertem, subvertendo a dinâmica de poder inicial.

O espectador atento irá notar que a natureza assume a função de uma espécie de terceira personagem. A chuva, as ondas do mar, o vento, as rochas parecem ganhar existência própria e se intrometem na alma da ilhota e de seus dois ocupantes. Até as gaivotas adquirem presença ativa e ameaçadora - num acesso de fúria, um dos homens esmigalha uma ave e, na sequência, como se o universo se vingasse da patifaria humana, um sinalizador gira insanamente indicando a proximidade de uma tempestade. Várias cenas são marcantes. Em determinada sequência, um deles se depara com uma sereia, que com frequência irrompia em seus sonhos e devaneios, e quase alucina. Em outra, alguém se masturba enquanto carrega em uma das mãos uma diminuta sereia de argila.   

Trata-se de uma produção fértil em significados, articulada a partir de lendas marítimas, conceitos psicanalíticos, contos de escritor americano H. P. Lovercraft e temas explorados em quadros pelo pintor espanhol Goya. Um longa-metragem possível de ser dissecado pela via da mitologia grega. Thomas simbolizaria o deus marinho Proteu, o ancião de fisionomia severa capaz de se metamorfosear – em uma luta renhida com Ephraim, quando de seu corpo nascem tentáculos, ele invoca uma maldição dos mares. Representação da caixa de Pandora, o antigo farol está ali para cumprir a sina de liberar os males que afligem a humanidade, como a loucura e a violência. A luz que irradia exprime o fogo que, segundo a lenda, Prometeu teria roubado do Olimpo para levá-lo à Terra. Punido por Zeus pela infâmia, ele foi acorrentado no alto do monte Cáucaso e passou a ser diariamente bicado por uma águia em ação contínua de comer o seu fígado. Nesta obra singular e sombria, Ephraim reedita a tragédia.

(Edgar Olimpio de Souza - O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

O Farol

Título Original: The Lighthouse (Estados Unidos, 2019)

Gênero: Thriller noir, 110 min

Direção: Robert Eggers

Elenco: Willem Dafoe e Robert Pattinson

Estreou: 02/01/2020

 

Veja trailer do filme:

Cinema: Clímax

O longa, mais uma provocante produção de Gaspar Noé (Irreversível), expõe esse tema do destino dos nossos desejos e da própria arte como instrumento civilizatório. Enfraquecido pela atual cultura da hiperexcitação, na qual para nos sentirmos vivos temos que nos aproximar da sensação de quase morrer. E Noé nos apresenta um verdadeiro assalto à nossa percepção através de imagens alucinatórias, muitas vezes horríveis, música techno implacável, pesada, e movimentos de câmera vertiginosos, tomando nossos sentidos e embaralhando o cérebro.

O filme produz uma experiência imersiva, mergulhando o espectador no frenesi alimentado por drogas que estamos testemunhando: um grupo de dançarinos, depois de uma audição comandado por uma coreógrafa que pretende montar um espetáculo para uma turnê na América, comemora com uma festa em que todos fugirão do controle. E de maneiras cada vez mais perturbadoras. Dançarinos que têm a dança e arte como um meio no qual expressão e liberação se confundem com a excitação aos limites físicos e psíquicos. Involuntariamente, esses artistas serão empurrados aos limites de si mesmos: alguém (proposital ou involuntariamente) colocou LSD na sangria consumida por todos.

Resultado: prazer e morte se confundirão, transformando o jogo artístico de instrumento civilizatório em bomba de autodestruição.

“A morte é uma experiência extraordinária”, “Esse é um filme francês com muito orgulho”, declara alguns letterings que repentinamente pontuam a narrativa. A própria montagem do filme, desde o início, é pensada para causar estranhamento: os créditos finais vêm no início e os créditos de abertura surgem, do nada, no meio da narrativa.

Acompanhamos uma trupe de dança em um centro comunitário às vésperas da turnê americana. São artistas talentosos, um grupo multicultural diversificado que, observamos, são fora do comum.

A primeira sequência de dança é um caos exuberante, sob uma música house pulsante e pesada que chapa nossos sentidos. Um após outro vem para frente para exibir sua especialidade: vogue, contorção, krumping etc. É um espetáculo aparentemente caótico, mas contido para que cada artista possa brilhar. Antes dessa sequência, através de uma velha televisão em cores (a história se passa em 1996), assistimos aos trechos das entrevistas na audição que os levou àquela noite fatídica. O aparelho é flanqueado por pilhas de VHS que oferecem pistas para o que está por vir: Suspiria (o original de Dario Argento), Querelle (o clássico filme homo afetivo de Fassbinder) e Possession, filmes com os quais Climax parece querer dialogar. Todos falam sobre os motivos que os levaram à dança: motivos nobres, auto elogiosos, autoindulgentes.

Mas depois, relaxadas na festa, após a audição e ensaio, revelam o “demasiado humano”: fofocam, brigam e brincam. Os homens se gabam do sexo que tiveram ou que terão naquela trupe. Também as mulheres fazem isso, mas de maneira menos explícita. Vemos um grupo, além de multicultural, com múltiplas orientações de gênero.

Na festa vemos um DJ pilotando suas pick-ups e uma mesa repleta de lanches e ponche de sangria, mas alguém (deliberadamente?) colocou LSD. Aos poucos a atmosfera começa a ficar pesada com uma cenografia com corredores, portas, banhadas com lúgubre iluminação em vermelho e verde. Noé põe a sua assinatura: a câmera gira entre todos, flutua ou rasteja no chão em longos planos-sequência, às vezes girando de ponta-cabeça.

Logo todos percebem que algum tipo de ácido foi colocado na bebida. Surge a paranoia, para depois dar lugar ao horror e a fúria. A partir desse ponto há uma estranha mistura entre O Senhor das Moscas e Agatha Christie – o grupo se transforma em vigilantes, para começar xenófobos: põem a culpa em um muçulmano que é agredido e jogado na nevasca que faz lá fora.

À medida em que o horror e alucinações aumentam, os dançarinos se espalham pelo prédio, com experiências grotescas e vislumbres de coisas horríveis acontecendo em salas adjacentes. Ninguém mais quer saber quem jogou LSD na sangria – cada um se entrega ao seu próprio mundo solipsista, dançando e se contorcendo solitariamente, na qual a presença do outro incita violência, ciúmes, ameaça ou, apenas, representa um objeto para realização dos próprios impulsos alucinatórios.

Racismo, xenofobia, machismo, misoginia, intolerância, ciúmes, inveja, enfim, todas as representações destrutivas da pulsão de morte tomam conta mostrando que a arte, assim como a civilização, é fina casca que impede a barbárie.

É claro que, ao lado dessa interpretação freudiana, há a pós-moderna a partir das considerações do filósofo Lacroix: aquele LSD fez apenas revelar o que estava oculto nas entrevistas registradas nas fitas VHS do começo. Os depoimentos foram apenas álibis que escondem uma arte dominada pela cultura do hiperexcitação, na qual as pessoas caçam fortes emoções constantemente.

E essas fortes emoções não têm mais o espírito coletivo, como demonstrado na primeira sequência de dança – agora assume um tom solipsista, narcísico, artificial e egocêntrico. Até destruir o outro e se autodestruir. Climax mais uma vez revela o tema recorrente na obra de Gaspar Noé: a vitória de Thanatos (a morte) sobre Eros (vida), patrocinada pela própria civilização.

(Wilson Roberto Vieira Ferreira, do site Cinema Secreto: Cinegnose)

(Foto Divulgação)

 

Clímax

Título Original: Clímax (França, 2018)

Gênero: Drama, 96 min

Direção: Gaspar Noé

Elenco: Sofia BoutellaRomain GuillermicSouheila Yacoub e outros.

Estreou: 31/01/2019

 

Veja trailer do filme:

Cinema: História de Um Casamento

Avassalador e pungente, o filme do diretor americano Noah Baumbach acompanha a história da separação de um casal que, a propósito, começa cheia de sentimentos e carinho. Nos primeiros minutos, Nicole (Scarlett Johansson) e Charlie (Adam Driver) enumeram os atributos mais notáveis do outro, enquanto um conjunto ilustrativo de cenas caseiras preenche a tela. Tudo muito encantador. Na verdade, tais listas de singularidades não foram elaboradas para celebrar a união desses típicos intelectuais americanos de classe média. Faz parte de uma dinâmica sugerida por um terapeuta, na função de conselheiro matrimonial. No consultório, em meio a uma atmosfera tensa, o exercício proposto pelo profissional acaba sinalizando o início do fim do casamento de ambos.

Nicole é musa e estrela das produções de Charlie, um diretor que pilota uma elogiada companhia de teatro de vanguarda em Nova York. Ela está de partida para a cidade natal de Los Angeles, convidada para atuar em um piloto de um eventual seriado televisivo. A circunstância se torna ideal para se reaproximar de sua mãe (Julie Hagerty) e de sua irmã (Merritt Wever), além de se redescobrir como protagonista da sua existência, após anos nutrindo a sensação de viver à sombra do marido. Já Charlie quer continuar morando em Nova York, especialmente agora que algumas portas se abrem – ele está preparando sua trupe teatral para encenar uma peça na Broadway. O principal ponto de desavença é a custódia do filho Henry (Azhy Robertson), de 8 anos, que, durante o desenrolar dos eventos, vira uma espécie de peão nas mãos dos pais em litígio. Nicole contrata a agressiva advogada Nora (Laura Dern, em desempenho intenso) e Charlie será representado inicialmente pelo plácido advogado Bert Spitz (um ótimo Alan Lada) e, na sequência, pelo impetuoso Jay (Ray Liotta, vigoroso). 

Conforme a ação judicial ganha corpo, fisionomia e foge do controle, ressentimentos, recalques e negligências amontoados ao longo da relação sobem à superfície. Na volta do trabalho, por exemplo, nem se dignam a sentar juntos no metrô. Se no princípio os dois pretendiam que o desenlace transcorresse de maneira amistosa e cordial, a evolução dos acontecimentos desaguou em uma guerra sem tréguas. “Temos que nos preparar para ir ao tribunal, a fim de evitar ir ao tribunal”, por vezes repete Spitz para Charlie. 

Por que não deram certo?, é a pergunta que fica no ar. A resposta é intencionalmente inconclusiva e cabe ao espectador elaborar suas hipóteses. O fato é que Baumbach escreveu o roteiro a partir das memórias de seu próprio divórcio da atriz Jennifer Jason Leigh - o longa, por sinal, observa mais o lado do homem na separação, porém sem tomar partido. O cineasta se serviu dessa experiência pessoal para subsidiar um retrato convincente e angustiante do naufrágio de um romance, com uma criança perdida no mar e uma família que precisa sobreviver. Certas cenas são notáveis. Em uma delas, Nicole desfia para a sua advogada a trajetória de seu relacionamento. É um relato devastador, destituído de heróis ou vilões. Em outra passagem marcante, uma audiência no tribunal vira uma batalha verbal temperada por revelações mundanas. Por fim, quando Nicole irrompe no apartamento alugado de Charlie, o lacre de civilidade é rompido e se entregam a um pugilato de insultos e acusações.

A trama cairia bem se transposta para o palco, porque o realismo do enredo, o frenesi emocional e os diálogos inteligentes compõem o substrato ideal para grandes desempenhos. Scarlett Johansson e Adam Driver mergulham com profundidade nas respectivas psiques de seus personagens complexos. A atriz exibe sensibilidade na pele de uma mulher que deseja encontrar sua voz e personalidade. O ator é intenso na composição do diretor egocêntrico, que alterna momentos de autopiedade e ira. 

Produzida pela Netflix, a obra não esconde a influência de Cenas de Um Casamento, o clássico de Bergman que explicita a tese de que o amor entre um homem e uma mulher não passa de um efêmero período de felicidade. Aqui, não estamos diante de um conto de amor que perdeu o fôlego e o fogo. Trata-se de uma crônica de crescente beligerância mútua, ainda que a fronteira entre esses sentimentos possa ser pálida e indistinta. Nicole e Charlie chegaram longe demais para retroceder e devem continuar a marcha da insensatez até o arremate amargo. Eles não barganham somente os termos da ruptura, deveres e direitos e a guarda compartilhada do filho, mas a narrativa de quando coabitavam o mesmo espaço. O paradoxo é que Nicole e Charlie se amavam no passado e agora, no curso do processo, se deixam ser regidos pelo ódio, aquele ódio que só alguém que amou bastante é capaz de exprimir.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

História de Um Casamento

Título Original: Marriage Story (Estados Unidos, 2019)

Gênero: Drama, 136 min

Direção: Noah Baumbach

Elenco: Scarlett Johansson, Adam Driver, Laura Dern, Ray Liotta, Alan Lada e outros.

Estreou: Netflix

 

Veja trailer do filme:

Cinema: A Grande Dama do Cinema

A trupe que reside nesta mansão decadente, por onde circulam ratos e gambás, é composta por pessoas petulantes, inclinadas a fazer o impossível para não perder o modo de vida que ali instauraram. Uma dessas criaturas insolentes é uma estrela do passado do cinema argentino (papel de Graciela Borges), tão refém de suas memórias quanto absorvida por fragmentos de seus trabalhos antigos. Uma estatueta de ouro, que decora o saguão de entrada do casarão ajardinado, simboliza o período em que brilhava na tela grande.

Ela convive neste local com o marido (Luis Brandoni), um ator que viveu à sua sombra e hoje se locomove em cadeira de rodas, um desiludido roteirista de filmes (Marcos Mundstock) e um veterano cineasta (Oscar Martines), ambos importantes na trajetória profissional da agora ex-atriz. Se o espectador logo pensou em Crepúsculo dos Deuses não errou. Da mesma forma que o clássico de Billy Wilder, esta obra do diretor argentino Juan José Campanella (O Segredo de Seus Olhos) também funciona como metáfora para a história do cinema e suas rupturas e transformações, que costumam destronar artistas e desnudar a efemeridade do sucesso.

Como a época da fama ficou para trás, e sobraram melindres e ressentimentos, o esporte preferido desse quarteto ainda orgulhoso e que mal sai para a rua é gastar o tempo trocando ofensas suaves e provocações sutis. A aparente feliz coexistência, no entanto, é abalada após a chegada inesperada de dois supostos agentes imobiliários (Nicolas Francella e Clara Lago), firmemente dispostos a negociar a venda do imóvel. Ou seja, o estilo de vida descompromissado do grupo pode estar prestes a desmoronar diante da lei do mais forte. Especialmente dos três homens, que não se furtam em engendrar um plano para se livrar dos corretores, que souberam seduzir a diva para topar o negócio. Eles acabam assumindo o papel de vilões, porque toda narrativa, como lembra um deles, precisa da existência de um mocinho e um vilão. 

Trata-se de uma comédia de humor negro, temperada por diálogos espirituosos e irônicos e um sentimentalismo que jamais escorrega para o exagero. O enredo se alimenta dos choques entre os personagens maduros e o jovem casal, que almeja se apossar da moradia valendo-se de artifícios nada virtuosos. Partidas de bilhar e xadrez entre eles, por exemplo, sinalizam que todos ali sabem o jogo que está sendo jogado. A trama transcorre quase que inteiramente no palacete, com exceção de raras passagens em restaurantes e escritórios. Uma das boas sequências chega a fazer uma referência ao universo do teatro, quando acontece um providencial blecaute.

Campanella assina uma refilmagem digna de Los muchachos de antes no usaban arsénico (1976), uma produção de José A. Martínez Suárez que ganhou prestígio dentro da cinematografia do país vizinho. Ele não mascara, inclusive, a alegoria de mostrar o trio masculino como representação da Junta Militar, integrada por três militares, que instituiu um governo autoritário na Argentina nos anos 1970 e 80 e causou o sumiço de milhares de opositores – na fita também há personagens que desapareceram sem serem devidamente investigados. Um filme divertido e sombrio.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgacão)

 

Avaliação: Bom

 

A Grande Dama do Cinema

Título Original: El cuento de las comadrejas (Argentina/Espanha, 2019)

Gênero: Comédia, 123 min

Direção: Juan José Campanella

Elenco: Graciela Borges, Luis Brandoni, Marcos Mundstock, Oscar Martines, Nicolas Francella e Clara Lago.

Estreou: 16/05/2019

 

Veja trailer do filme:

Cinema: Parasita

Com prêmios acumulados na bagagem e boa acolhida em diversos festivais, o filme exibe a história de duas famílias de quatro pessoas cada, que vivem realidades bem distintas na Coreia do Sul. Assinada pelo roteirista e diretor sul-coreano Bong Joon-ho, trata-se de uma sátira social com toques de thriller de suspense, povoada por seres que não são vilões nem heróis. Os Kim habitam um subsolo úmido em um bairro carente na capital Seul. Eles se viram como podem. Sem wi-fi em seus dispositivos móveis, se esforçam para captar o sinal dos seus vizinhos e aproveitam a dedetização da rua para abrir as janelas desinfetar o lar. Há o patriarca, que não trabalha, a esposa temperamental, a filha cínica e o filho ambicioso. Patinando na miséria, sobrevivem dobrando caixas de pizza para uma empresa de entrega. 

Por sugestão de um amigo, e valendo-se de um diploma falso, o adolescente consegue emprego como professor de inglês em uma sofisticada mansão na cidade. Ali mora o núcleo familiar dos esnobes Park. O chefe é um executivo bem-sucedido, casado com uma mulher delicada e ingênua, pais de um casal de adolescentes. Astuto e ardiloso, sem que os proprietários saibam da relação de parentesco, o garoto recém-admitido encontra um jeito de introduzir um por um dos membros de seu clã no casarão. A irmã é contratada como professora de desenho, a mãe vira governanta e o pai passa a ser motorista do homem endinheirado.

A partir dessa circunstância insólita, ativada por personagens comportando-se de maneira artificial, e sem apelar para discurso doutrinário, o roteiro aborda o espinhoso tema da luta de classes escorado em doses de sarcasmo e diálogos inteligentes. O cineasta desembrulha seu comentário sociopolítico sobre a desigualdade estrutural, examinando a natureza selvagem e injusta do capitalismo global, um sistema capaz de gerar um abismo social entre os que ostentam muito e os que têm quase nada. Aos poucos, os preconceitos velados dos Park vão emergindo sem mais disfarces. Elogiam, por exemplo, os funcionários que não cruzam a linha e se mantém submissos e não escondem o desconforto que sentem com o cheiro de quem usa o transporte público.

Embora desfie o enredo sob o ângulo dos perdedores, Bong Joon-ho não apresenta os Kim como criaturas de quem devemos sentir solidariedade indiscutível nem os Park como tipos detestáveis, alheios ao sofrimento dos outros. Todos são retratados como criaturas imperfeitas e desajeitadas, que acabam fazendo algo indigno ou hipócrita, mas que nunca perdem a humanidade. Cada classe tenta viver ou sobreviver ao seu modo em um mundo que se compraz em separar endinheirados e remediados.   

Uma inusitada reviravolta na trama, que acentua a tensão e deflagra sequências violentas e catárticas, oferece novas camadas de significados ao longa. Os pobres, de fato, podem entrar no seleto grupo dos ricos? O paradoxo é que o parasita título não se refere apenas à trupe de Kim, que age como usurpadora de um estilo de vida. Os Park também exploram e se desenvolvem às custas dos outros - os abastados de qualquer país sobrevivem do trabalho dos desfavorecidos. Obra importante, um estudo sobre a faceta sombria de uma sociedade extremamente competitiva, retrato incandescente do que é a Coreia do Sul nos dias atuais.

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )   

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Parasita

Título Original: Parasite (Coreia do Sul, 2019)

Gênero: Drama / Supense, 132 min.

Direção: Bong Joon-ho

Elenco: Kang-Ho SongWoo-sik ChoiPark So-Dam e outros.

Estreou: 07/11/2019

 

Veja o trailer do filme:

Cinema: Nós

O filme inicia com um quebra-cabeças de informações aparentemente desconexas. Abre com um lettering afirmando que existem milhares de milhas de túneis sob os Estados Unidos, muitos dos quais não têm “nenhum propósito conhecido”. Corta! Então vemos um parque de diversões à beira-mar em Santa Cruz, em 1986. Enquanto o pai está distraído em um estande de jogo, vemos a sua pequena filha andando pelo parque até descer na praia e encontrar a instalação chamada Floresta de Merlin com uma exortação na placa: “Encontre-se!”.

A menina entra numa espécie de labirinto de espelhos, assoviando nervosamente uma música, até ouvir alguém assoviando a mesma melodia. Ela para diante de um espelho e descobre que há algo mais além do seu reflexo... 

Mais um corte. A câmera enquadra um coelho branco e vai afastando. Em seguida vislumbramos uma vasta parede de gaiolas, cada um com o seu próprio espécime leporino.

Outro corte. Agora estamos na atualidade e acompanhamos a próspera família Wilson que vai para Santa Cruz passar as férias na sua casa de praia. Essa sequência é quebrada por um flashback de 1986 quando aquela menina que estava perdida diante dos espelhos retornou para casa e está muda, em estado de choque. Esta é a conexão com Adelaide Wilson (Lupita Nyong’o) que no passado era aquela menina que passou por alguma estranha experiência, e que agora é uma mãe nervosa. Compreensível, porque ela está voltando para as proximidades daquele parque que foi a cena do trauma de 30 anos atrás.

Ela é casada com Gabe Wilson (Winston Duke), com seus filhos Zora (Shahadi Joseph) e Jason (Evan Alex). A primeira crítica social é que vemos uma família negra de classe média cujo pai mantém uma atitude competitiva e consumista velada com seus amigos ricos brancos, os Tylers: Kitty (Elizabeth Moss) e Josh (Tim Heidecker), que também estão na sua casa de férias nas proximidades.

Tudo muda nessa vida afluente quando, à noite, na garagem da casa dos Wilsons, surgem duplicatas exatas (porém, com aparências sinistras) querendo forçar a entrada. Eles têm algum propósito, vestidos de macacão vermelho (ecos de série A Casa de Papel?) e empunhando tesouras ameaçadoras. Certamente, para perfurar suas vítimas homólogas.

A certa altura, a duplicata de Adelaide (que é a líder da invasão) chama aquele evento de “desligamento”. Mais enigmas que o espectador terá que desvendar.

Aos poucos, vamos percebendo que aquele não é um acontecimento isolado. Os Tylers também estão sendo vítimas das suas próprias duplicatas que invadem sua casa, produzindo uma chacina.

Há algum tipo de evento em escala aparentemente global, no qual duplicatas estão procurando seus “originais” para buscar justiça ou simplesmente vingança, empunhando tesouras e um olhar ensandecido...

E descobriremos que esse evento apocalíptico de alguma forma está conectado com aquela cena traumática do estranho labirinto de espelhos de 1986.

O filme concilia crítica social com mitologia. O complexo mítico está no misterioso parque de diversões, cujo simbolismo é potencializado pelo labirinto de espelhos. Ao longo da história o espelho criou ao seu redor uma constelação de simbolismos: reflexo da própria alma, passagem para outros mundos, indutor de visões do futuro, má sorte ao ser quebrado ou, como sugere no Feng Shui, ao usá-lo em ambientes para criar a impressão visual de expansão no qual energias da casa são expandidas e redirecionadas.

Mas também há um imaginário maligno: a contemplação de uma réplica de si mesmo sempre foi considerada um evento misterioso, muitas vezes o próprio prenúncio da morte.

Mas Jordan Peele vai além: aqui o duplo transforma-se em dualidade: os duplos seriam como nossas sombras, no sentido da psicologia analítica de Jung – o lado escuro da psique, nossos sentimentos mais primitivos e egoístas. Os duplos retornam, porque foram esquecidos nos túneis de algum submundo.

Mas Peele encaixa nesse simbolismo arquetípico a crítica dos EUA atuais: a dualidade política e de crenças no país da Era Trump. Como afirma o diretor, “pode ser o ‘nós’ a família, o ‘nós’ a cidade, o ‘nós’ o país ou o ‘nós’ a humanidade”. Como responde o duplo de Adelaide ao ser indagada “quem são vocês?”. “Somos americanos!”, responde o duplo com um olhar sinistro.

O quebra-cabeças ganha sentido somente ao final, quando Peele dá pleno propósito demiúrgico ao parque de diversões, na melhor tradição gnóstica: os duplos vivendo em um mundo paralelo e subterrâneo como fossem nossas marionetes para controlar os “originais” que vivem na superfície.

Na melhor tradição gnóstica de Dr. Caligari: parques de diversões controlados por demiurgos com finalidades nada boas. Daí o misto de fascínio e terror por espelhos, duplos, autômatos, marionetes, replicantes ou robôs: o surgimento do conceito marionete-mestre (humana ou divina) inserida dentro de uma cosmologia gnóstica das relações entre homem/autômato e homem/deus.

Esse fascínio por autômatos ou marionetes dentro desse gnóstico esquema simbolizaria a maneira pela qual podemos avaliar a própria experiência humana, ou seja, como nos vemos como prisioneiros dentro de um cosmos hostil. Além disso, as marionetes se metamorfosearam, na modernidade, em figuras como robôs, ciborgues, androides e, mais recentemente, na hibridação do corpo humano.

Mas o longa joga com o terror fundamental: o questionamento das nossas identidades ou a sua própria perda. Situação aterrorizante, já que a única coisa que podemos contar nesse universo é com as nossas próprias consciências.

(Wilson Roberto Vieira Ferreira, do site Cinema Secreto: Cinegnose)

(Foto Divulgação)

 

Nós

Título Original: Us (Estados Unidos/China/Japão, 2019)

Gênero: Suspense, 116 min

Diretor: Jordan Peele

Elenco: Lupita Nyong’o, Winston Duke, Elisabeth Moss, Tim Heidecker, Evan Alex, Shahadi Joseph e outros.

Estreou: 21/3/2019

 

Veja trailer do filme:

Cinema: Obsessão

Uma bolsa de couro chique foi deixada em um banco de metrô. Voltando de seu trabalho de garçonete, Frances (Chloe Grace Moretz) apanha a valise e descobre ali dentro uma carteira de habilitação. Altruísta, decide entregá-la à dona, em seu endereço residencial. Recém-chegada à Nova York, a jovem divide um luxuoso loft com a amiga Erica (Maika Monroe), que a repreende por ter trazido o achado. “Estamos em Manhattan, podia ter uma bomba aí dentro”, alerta. A elegante e enigmática Greta (Isabelle Huppert), que gosta de tocar piano (clara referência ao papel da atriz em A Professora de Piano), recebe Frances em sua casa. A partir desse encontro, uma improvável amizade nasce entre as duas, incluindo o compartilhamento de histórias e sonhos pessoais.      

O suspense psicológico do diretor irlandês Neil Jordan (Traídos pelo Desejo / Entrevista com o Vampiro) é eficiente, embora atulhado de clichês. O roteiro se desenvolve em torno de um jogo de projeções. Frances, que perdeu recentemente a mãe, vê Greta como uma espécie de figura substituta. Esta, por sua vez, parece ter se reaproximado da filha que supostamente viajara para Paris. “Eu sou como chiclete: eu costumo ficar por aqui", diz a inocente Frances para a nova amiga. Acontece que as intenções de Greta não são triviais. Rapidamente o seu caráter maternal se transforma em fixação e neurose e ela passa a agir de maneira possessiva. Especialmente após um acaso. Durante um jantar na residência de Greta, a garçonete se depara com um conjunto de bolsas de couro idênticas às do trem, com números e nomes registrados em cada uma delas.  

Tudo é previsível desse ponto em diante. Greta liga diversas vezes para Frances e chega a aguardá-la do lado de fora do bistrô onde a moça trabalha. Em uma cena simbólica, a desequilibrada mulher cospe chiclete no cabelo de Frances. Em outra passagem, uma perseguição é ilustrada em tempo real por uma sequência aterrorizante de fotos. Isabelle Huppert exibe seu reconhecido talento na hora de incorporar essa criatura psicopata, de olhar gélido. Capaz de espetar uma seringa em um dedo mutilado ou armar um barraco dentro do restaurante, derrubando cadeiras e espatifando louças.  Chloe Grace Moretz se mostra convincente na pele de uma pessoa indefesa e sem estratégia para enfrentar a situação. A angústia e o medo irrompem, a polícia é chamada, mas o agente levanta argumentos duvidosos para não entrar em ação.

O cineasta não esconde as influências de bem-sucedidos thrillers de suspense do passado, como Atração Fatal (1987), de Adrian Lyne, para embalar a sua obra. Muitas vezes seu longa parece um exercício de gênero e estilo, evidenciado por protagonistas que seguem o figurino conhecido – uma mulher envolvente no início, e desatinada com o passar do tempo, e uma moça ingênua que na cidade grande se vê na contingência de lidar com aspectos sombrios do ser humano. 

Se em trabalhos anteriores Jordan apresentou personagens críveis e complexos, agora oferece uma obra sem surpresas, desidratada e de inverossimilhanças visíveis – por que Frances não bloqueou o número de Greta? O diretor, que parece pouco interessado na lógica interna, sustenta a tensão dramática por meio de uma pilha de situações mirabolantes ao som de Mozart, Beethoven, Liszt, Vivaldi e Chopin. É inegável o seu mérito em conseguir manter o interesse do início ao fim em uma produção que bordeja temas como a solidão e os monstros interiores de cada um. Ele investe energia num thriller pueril, apimentado por suaves ingredientes de erotismo.

Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )  

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Regular

 

Obsessão

Título Original: Greta (Estados Unidos / Irlanda, 2018)

Gênero: Suspense, 98 min

Direção: Neil Jordan

Elenco: Isabelle Huppert, Chloe Grace Moretz e Maika Monroe.

Estreou: 13/06/2019

 

Veja o trailer:

Cinema: Border

Um conto de fadas sombrio e idiossincrático, que perverte as convenções de gênero. Protagonizado por dois personagens misantropos, de feições animalescas e um sentimento palpável de inadequação social. Vencedor do prêmio de melhor direção da mostra Um Certain Regard em Cannes, no ano passado, o peculiar filme de Ali Abbasi, diretor iraniano radicado na Dinamarca, emplaca reflexões importantes acerca das fronteiras entre gêneros, entre humanos e monstros, entre o bem e o mal. 

Com um rosto grosseiro, dentes proeminentes amarelados e certo ar repugnante, Tina (Eva Melander) é uma empenhada agente alfandegária dona de olfato extraordinário, que a faz cheirar tanto emoções humanas, como medo e culpa, quanto comportamentos criminosos. Em seu trabalho, dispensa o uso de detectores de metais ou equipamentos de raios-x na hora de identificar passageiros que portam bebidas alcoólicas ou produtos de contrabando. Se algo a agita, chega a grunhir em silêncio. Tina flagra, por exemplo, alguém que carregava arquivos digitais com pornografia infantil, que acaba preso durante a inspeção.

Sua rotina fora dali também escapa da normalidade. Ela divide uma remota cabana no bosque com um sujeito parasita e meio hippie, que cria e adestra cachorros para competir em rinhas de luta em casas de aposta. Durante seus passeios pela natureza, a solitária Tina estabelece uma conexão especial com animais selvagens - raposas e alces - e dá mergulhos nas águas geladas de um lago nas redondezas.  

À certa altura, no emprego, um viajante, com as mesmas características físicas, irá despertar nela dúvidas e apreensão. Porque ela fareja algo de errado e secreto nele, mas não consegue saber exatamente de que se trata. Vore (Eero Milonoff) é essa figura esquisita, de hábitos estranhos, que estuda e coleta larvas de insetos, além de usá-los em sua dieta. Uma versão masculina de Tina.     

A partir daí o longa passa a trilhar dois caminhos. Recrutada pelas autoridades superiores, ela começa a atuar na investigação da organização de pornografia infantil. Ao mesmo tempo, movida pela curiosidade e atração, aprofunda sua relação carnal e emocional com o enigmático homem. Ambos têm uma misteriosa cicatriz na região lombar e pertencem a uma casta especial de criaturas fantásticas, os Trolls. Um segredo do passado que o pai dela, internado com demência em uma clínica, sabia.  Na mitologia nórdica, tais seres míticos são caçados desde os anos 1970 para servirem de cobaias de experimentos científicos.

Uma das leituras possíveis é que Vore e Tina buscam uma espécie de vingança contra os humanos, vistos como uma raça predadora e cínica que precisa ser erradicada do planeta. E que já se encontra em pleno processo de autodestruição - daí a subtrama da pornografia infantil, símbolo de uma doença, e a referência à briga de cães. O espectador está diante de uma fábula excêntrica, adensada por ingredientes de romance, realismo mágico, folclore escandinavo e horror sobrenatural. Mas surpreendentemente humanista, encharcada de subtextos políticos e sociais. 

(Edgar Olimpio de Souza – O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )

(Foto Divulgação)

 

Avaliação: Ótimo

 

Border

Título Original: Gräns (Suécia / Dinamarca, 2018)

Gênero: Fantasia / Drama, 108 min

Direção: Ali Abbas

Elenco: Eva MelanderEero Milonoff, Jorgen Thorsson e outros.

Estreou: 11/04/2019

 

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